Diálogos com Prisca Paes

Para quem não sabe, Prisca Paes é uma grande amiga e artista, e também escreve em um blog sobre seus processos e suas ideias. Recentemente, ela escreveu um post falando um pouco sobre o que é a vida de um artista e como se preparar melhor para isso.

Essa publicação dela contém, de fato, muitas coisas que alguém que quer viver de arte deveria correr atrás ou, pelo menos, já dá uma ideia do que esperar quando você estiver nesse meio. Por mais que eu saiba o quão coerente são as afirmações dela, comigo o processo se deu de uma forma um pouco distinta, e a maioria das vezes essa culpa cabe única e exclusivamente a mim.

Não vou ficar repetindo aqui o que ela escreveu (entra no blog dela para ler, deixa de ser preguiçoso), mas vou falar das minhas experiências e frustrações com algumas das questões que ela colocou. Acredito que de vida acadêmica nós temos, mais ou menos, o mesmo tempo. Ingressamos na mesma faculdade de artes juntos, em 2011, mas em turnos diferentes. Fiquei sabendo da Prisca através de outra artista, Mariana Zani, que estudava nos dois turnos, e na época (2013 ou 2014) iriam utilizar minha estrutura de atelier para fazer serigrafias. Ainda assim, o projeto não foi para frente, e eu fui conhecer a Prisca Paes somente em uma feira de arte e publicações no Maletta, onde estava outra amiga em comum, Fabi Santana.

Apesar de sempre ter um pé nos quadrinhos e na arte urbana, seguir essa carreira nunca foi algo de meu interesse. Ingressei em uma faculdade de artes, porque alguém viu que eu pintava camisas à mão e disse que eu me daria bem na Escola Guignard. Eu acreditei nisso, afinal, depois de vários vestibulares de Comunicação Social, Design, Educação Física e um semestre em Geografia, me agradou a ideia de fugir um pouco dos meus planos.

Depois de 4 semestres estudando Artes Plásticas na Escola Guignard/UEMG me transferi para o curso de Artes Visuais da UFMG. As duas Escolas de Arte possuem características bem diferentes, e um perfil de idade dos alunos também. Se na época eu era um dos mais novos da minha sala na Guignard, na UFMG eu entrei como um dos mais velhos. E como estudante de arte, eu entendi que talvez eu não goste de ser artista, nesse molde contemporâneo, e viver o que as pessoas vivem. Ir em eventos e exposições é algo que me dá muita preguiça, e quando eu vou é para dar moral ou ver algum amigo. Ir nesses eventos é algo que me traz um certo repúdio, esbarrando em ego muito inflado de vários artistas, e sendo julgado o tempo todo por várias pessoas. Eu não gosto disso. E isso tem a ver com a questão de se inscrever em editais também. Durante a faculdade eu vi vários amigos que enviavam seu portfólio para ser julgado nesses editais, e muitos não conseguiam passar. Muitas vezes, o portfólio recebia uma avaliação ruim, e eu me perguntava se quem julgou utilizou de aspectos formais do trabalho ou de mero gosto pessoal, pois nunca há um retorno sobre onde você poderia melhorar. Inclusive eu vi professores que participaram de bancas e que disseram que o trabalho “ao vivo” eram bem melhor que as fotografias do portfólio, quando questionados os critérios de avaliação. O que me deu a entender que quem julga nem coragem possui para dizer sobre o trabalho na frente dos próprios artistas.

Nesse caso, me restam as redes que tecemos no nosso meio artístico para que possamos crescer juntos. É uma ideia interessantíssima, e ela funciona de verdade. Criando coletivos, grupos de discussão, diálogos positivos, isso tudo te faz ser um artista melhor, e também contribui para que a produção local seja melhor. Tenho inúmeros nomes que posso citar e ter a certeza de que são pessoas que me fizeram crescer de muitas formas enquanto artista, Prisca Paes é uma delas (sim, esse post é um diálogo com ela, ela é migs). Mas também é muito frustrante você achar que possui uma rede sólida e ainda assim “tomar na cara”, ver que sua rede funcionou apenas unilateralmente. Isso aconteceu comigo várias vezes, tive muitas decepções com isso, e talvez a minha mágoa em relação aos artistas belorizontinos (aqui eu generalizo, mas não são todos, rs).

Apesar dos pesares, foram as minhas redes que me fizeram conseguir caminhar por esses trajetos e muitos trabalhos que eu fiz foram por conta destas redes. Inclusive, conheci a Prisca através das redes que fomos tecendo. Estou longe de conseguir uma independência financeira através do que faço, geralmente termino o mês com a quantidade certa para pagar as contas e as dívidas, e muitas vezes preciso me ocupar em outras tarefas (pintar casas, fazer transcrição, etc) para minimamente me manter.

Dentro da faculdade de artes existem três questões, que para mim são muito relacionadas entre si, e que dialogam diretamente com os itens 1, 3 e 9 citados pela Prisca. Pelo menos na UFMG, a Escola de Belas Artes propõe um certo elitismo intelectual artístico, que compara a aptidão e competência dos alunos o tempo todo, transformando em uma disputa algo que era para ser um crescimento coletivo. Vi muitos amigos saírem da Escola de Belas Artes por conta disso. Sem contar o fato de que nem todo mundo tem grana para sustentar os gastos com os estudos e com a produção. De fato, se você não tem grana, seu trabalho é dobrado. Você vai custar a conseguir chegar em algum lugar se não tiver uma rede estável e apoiadora. Da mesma forma, tive muitos colegas de sala que possuíam um discurso muito conservador sobre as artes, levando todo tempo ao classicismo moralista de outrora e criticando aqueles que produzem arte para o comércio, para vender e poder se manter. Esses, geralmente, são os que possuem famílias muito ricas, e que não terão problema algum em ganhar dinheiro sendo intelectuais.

Quanto ao segundo item citado por Prisca, existe um grande paradoxo na minha opinião. Todo artista tem (ou deveria ter), pelo menos uma noção, de quanto vale o seu trabalho. Pelo menos aqueles que pretendem viver disso sabem o quanto gastam com material, o quanto tarda para produzir, a quantidade de esforço, e os gastos indiretos (espaço, equipamento, água, luz, internet, tempo de estudo) e acaba totalizando no valor final de cada peça. Esse não é um cálculo bobo, é bem complexo, e nós devemos, como afirmou Prisca, saber matemática sim. Porém, se você é um artista que não possui status, rede forte ou contatos ricos, fica muito complicado conseguir vender alguma peça.

Já passei por vários momentos de perder venda por causa do preço, e inclusive já vivenciei situações de pessoas que falaram que meu trabalho é “barato”, mas mesmo assim pediram desconto pra finalizar a compra. Ou aquela recorrente situação em que faço o orçamento para alguma prestação de serviço, impressão de serigrafia por exemplo, para uma pessoa que deseja um trabalho artesanal, mas compara o preço com um trabalho gráfico, de uma empresa que consegue baratear os custos devido ao equipamento que possuem. Nesses casos, nós artistas nos situamos em uma retórica que até dói um pouco, que é vender mais barato e conseguir pagar as contas ou não vender e passar perrengue por mais um tempo até conseguir outro trabalho. Tem muita gente que não valoriza a produção artística independente (e gasta muita grana com as graaandes empresas), mas foca seu olhar em quem já conquistou muita coisa e hoje, talvez, nem precise mais daquela venda. Fico me perguntando como ter um trabalho acessível financeiramente (que as pessoas da minha rede, que não são ricas e geralmente são amigos e família, possam comprar) e que não me traga prejuízos (afinal, cê já viu os preços dos materiais de arte?).

Ah, e não vamos esquecer o tanto de vezes que eu escutei: “você precisa se valorizar mais”, “as pessoas não dão valor a trabalhos muito baratos, acham que não tem qualidade”. Mas aí voltamos ao paradoxo inicial, como me valorizar se as pessoas não o fazem e como precificar sem elitizar meu trabalho?

No mais, Prisca foi muito feliz em suas afirmações. Cuide das suas contas e finanças, seja organizado, saiba dar valor ao seu trabalho e ao seu tempo. Fortaleça suas redes e estude muito, o tempo todo. Trate tudo que você faz como se fossem estudos e não dê ouvidos à nada que não seja positivo para si, pois muita gente nos machuca com palavras nesses ambientes, mesmo sem o propósito para tal.

Espero não ter sido rude aqui, e estou sempre aberto a diálogos.

Abraços firmes distanciados.

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La Idea

um gravador, que faz gravuras; um bicicleteiro que anda de bicicleta; um rugbr que joga rugby.

Um comentário sobre “Diálogos com Prisca Paes”

  1. Poxa, cara, ler essa postagem me levou a uma viagem no tempo. Quanta coisa já aconteceu, ne? Para a gente conseguir discutir tudo isso hoje! Entendo seus pontos! E achei muito interessante como você levanta as questões relacionadas ao mercado de arte. Seguimos!

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