[Stencil] A Grande Onda de Kanagawa

Interesse

Não me lembro bem quando foi que essa imagem se fixou tanto no meu imaginário. Mas gosto de pensar que o interesse que tenho em fenômenos da natureza geraram essa fixação. Em 2004, acompanhei atentamente todos os vídeos curtos e de baixa qualidade que circulavam na internet mostrando o tsunami da Indonésia. Tragédia que eu assistia o tempo todo, cada segundo de gravação. Quando entrei no curso de Geografia em 2009, devorava os livros de geologia e de cartografia, minhas áreas preferidas. A primeira e única vez que vi um vulcão foi em 2012, sobrevoando a Cidade do México. Paixão à primeira vista. Vejo vídeos de terremotos em diferentes localidades e fico imaginando como será essa sensação da terra se mexendo. Vi praticamente todos os vídeos do tsunami de Fukushima, 2011, além de ver vários vídeos de erupções vulcânicas, inclusive o canal ao vivo das Ilhas Canárias. Me lembro bem da minha professora Mônica, de geologia, falar sobre vulcões que expeliam lava continuamente na América Central. E até hoje eu tenho o desejo de ver isso ao vivo. Natureza que tudo destrói. Não é um sonho de destruição, mas uma certa admiração da nossa pequenez frente ao mundo.
Esse interesse que eu tenho de vivenciar certos fenômenos que inexistem atualmente nesse pedaço de terra em que vivo são algo que me movem. Imagino que observar a gravura “A Grande Onda de Kanagawa”, do mestre Katsushika Hokusai, talvez me traga um pouco dessa sensação. Não me lembro qual a primeira vez que a vi, mas me lembro bem de analisar cada centímetro desta gravura.

Produção

Foi em 2013 que eu tive a ideia de começar a reproduzir “obras de arte” com a técnica do stencil. Me propus a cumprir o desafio de logo começar com a imagem que circula no meu imaginário. De tanto observar os elementos da gravura, já tinha uma noção de como fazer. O processo não foi nada fácil. Na época, eu não sabia fazer separação de cores no Photoshop, e o processo foi completamente manual. Fiz uma impressão da gravura em tamanho aproximado de A3. Separei uma dúzia de radiografias, papel carbono branco, e fiz o decalque e as separações de cores de forma completamente manual. Não tinha noção de como iria ser o resultado, até porque tinha dúvidas se meu daltonismo me permitiria compreender as diferenças tonais. Mas não perdi muito tempo com a ansiedade e logo já comecei os cortes.
As camadas possuíam diferentes níveis de complexidade. O que era água, seriam três cores, sendo a primeira com muitos detalhes e dando contra forma à parte branca da onda, e outras duas camadas tonais complementares.
O céu, apenas duas camadas, envolvidas em borrifos e degradês para simular os tons da gravura original. As canoas, duas camadas de cores, tom sobre tom. As pessoas, apenas a camada das roupas.
Por último, o mais complexo. Uma camada de linhas finas que estariam em toda a imagem; repleta de pequenos detalhes essenciais para uma boa visualização; e uma última camada com as bolhas brancas saindo das ondas, além do papiro de informações sobre a obra que, nesta imagem, está presente no céu. Ambas camadas apenas funcionariam se todo o encaixe das cores anteriores estivessem perfeitos.

Uma questão que me deixou bastante inseguro no início foi a utilização das cores. E, nesse sentido, me esbarrei em duas questões:
– Em primeiro lugar, cada referência da imagem que eu encontrava nas buscas online me traziam cores distintas para a água e, de forma ainda mais evidentes, para o céu ao fundo. As variações eram enormes.
– Em segundo lugar, eu estava sujeito à disponibilidade das cores em spray que eu encontrava. Não é uma tarefa fácil achar a tonalidade certa, depende da marca e da disponibilidade da loja em ter o que precisamos. Isso, sem contar, que a cor de referência da lata nem sempre é a mesma da tinta quando pintada.

Lágrimas

Em 2015, tive a oportunidade de ver uma impressão da gravura ao vivo, no Metropolitan Museum. Vi tudo com meus próprios olhos e boatos dizem que algumas lágrimas escorreram. Ver a gravura in loco é muito diferente de ver as digitalizações, com suas correções de matiz e contrastes. Ver de perto cada veio da madeira que aparecia na impressão, a utilização das cores e degradês, cada detalhezinho de entalhe. Tudo isso me emocionou bastante.

Acho que essa experiência me trouxe uma sensação de que tudo que eu tinha visto antes era bem diferente, que as imagens de internet são em muito superadas pelas experiência ao vivo. Pra quem curte pensar na técnica, no processo, penso que somente o contato direto dos olhos com a impressão nos permite ver a grandeza e a riqueza dos detalhes, a forma de entalhe e tratamento da madeira, o sangue e o suor que ali foram depositados.
Por incrível que pareça, ver a gravura ao vivo me deixou mais confiante em experimentar outras combinações de cores, tentar criar outras atmosferas, ousar mais.

Acho que a experiência de ter feito esse stencil, todo de forma manual, me trouxe uma sensação das próprias limitações das técnicas, apresentando suas diferenças estéticas e uma sensação de que, cada vez mais, a xilogravura é algo muito mais complexo que uma mera estética.
“A Grande Onda de Kanagawa”, com toda sua fúria e sua beleza, abraçando o Monte Fuji, enquanto navegantes são espectadores e participantes deste momento, é algo que me toca profundamente.

Vídeo curto sobre as etapas de produção

Talvez as pessoas não tenham noção do que foi pensar e produzir essa impressão em stencil. Do trabalho em cortar, do trabalho em imprimir todas as 9 camadas de matrizes, com aproximadamente 14 cores sendo utilizadas. A dimensão disso tudo se perde com o tempo, e apenas o produto é apresentado, com suas falhas de impressão, borrões de tintas, inexatidão de cores. Mas acho que talvez tenha sido um processo tão relevante e significativo para mim que não posso ignorá-lo do meu histórico. O tempo de observação, os cuidados com o corte, a reflexão sobre as cores. O processo de impressão em time-lapse pode ser conferido a seguir. Produção de várias impressões em spray, muitas delas com cores experimentais e muita paciência.

Processo completo de impressão de todas as camadas

[xilogravura] Pula a cerca/Brinca el borde

Imaginário

Eu não me lembro quando meu interesse por algumas questões que aconteciam no México surgiram. Eu escutava música mexicana, a maior parte ligada ao punk, e bandas de outros lugares que também dialogavam sobre as questões do México. Desobediencia Civil, Molotov, Los Crudos, Brujería e Vieja Guardia são alguns exemplos. Eu gostava de ler as letras que falavam sobre os zapatistas, sobre o narcotráfico, sobre história da região, revoluções, guerras, sobre corrupção, sobre estilo de vida e sobre a migração. Era uma forma de ter certa sensação de curiosidade poder imaginar as diferenças desta região para onde vivo aqui no Brasil, fazer assimilações, também estudar o idioma espanhol. Eu curtia muito escutar punk que cantava em espanhol, eu tinha a sensação de que as letras eram mais complexas, mais diretas e tratavam sobre mais temas que as bandas daqui. Ainda que essa tenha sido uma suposição equivocada da minha parte, escutar bandas como Los Muertos de Cristo, @patia No, Fun People e Sin Dios (uma música desta última gerou o nome que uso desde 2008: La Idea) me davam uma noção do quanto eu poderia aprender e imaginar sobre as diferentes questões do mundo.
Em 2008, eu assinava o jornal Le Monde Diplomatique. Era uma jornal legal, porém muito acadêmico e muito denso, e eu acabava ficando de saco cheio de algumas matérias cuja escrita era técnica demais pra minha compreensão na época. Em abril daquele ano, a edição que chegou trazia uma matéria sobre algumas questões que a região da fronteira estava passando por conta da implantação do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) que entrou em vigor no primeiro dia de 1994, e 14 anos depois os agricultores mexicanos estavam passando aperto com a industrialização forçada e com as isenções tributárias impostas pelos Estados Unidos ao México.
A matéria dizia respeito a um lugar muito específico: Ciudad Juárez. Cd. Juárez é uma cidade que fica no extremo centro/norte do país, no meio do deserto, bem na divisa com o Texas (Estados Unidos). A cidade do lado de lá da fronteira, El Paso, era considerada a cidade mais segura dos Estados Unidos, e a do lado de cá, Cd. Juárez, a mais violenta do mundo. As cidades antes se chamavam apenas Paso del Norte, e com a guerra entre Estados Unidos e México em 1844, onde os Estados Unidos usurparam, através de um acordo, metade das terras mexicanas, o Rio Bravo que cortava Paso del Norte ao meio foi eleito como o demarcador da fronteira, separando a mesma cidade entre dois países distintos. Pelo fato da localidade se encontrar no meio de uma região desértica, as duas cidades se desenvolveram de maneira conjunta e dependente, até o fechamento das fronteiras.

A fotografia que acompanhava a matéria me chamou atenção: Um homem pulava a cerca que divide as duas cidades. Sim, é uma cerca, não um muro. Na real, são várias cercas em sequência, logo após da borda do Rio Bravo, hoje canalizado, com pistas para carros de vigilância. O acesso entre os dois países se dão por pontes, onde tem a Aduana de ambos países, sendo que para entrar no México é super rápido, mas para entrar nos Estados Unidos costumam ter muitas filas e fiscalizações. Em Cd. Juárez se encontram 4 pontes para veículos e 1 para trem de carga, e as pontes são a principal simbologia entre essa confusão que significa ser um cidadão fronteiriço, cheio de aberturas culturais, sociais, identitárias e de fechamentos comerciais e de fluxos de pessoas ao mesmo tempo.
Em 2012, eu deixei de imaginar o que seria essa região e morei em Juárez por 6 meses. Eu e minha companheira fomos estudar na Universidad Autónoma de Ciudad Juárez (UACJ) e pudemos vivenciar um pouco essas contradições e ambiguidades presentes na vida fronteiriça. Sobre a vida em Juárez, talvez seja tema para outra postagem, mas quero deixar registrado essa fotografia que eu tirei de dentro do ônibus quando ia para o campus das Ciências Humanas e Exatas. Era um viaduto que acessava a avenida que corre rente ao Rio Bravo, margeando ele. Na foto, vemos a borda do Rio canalizado, a pista por onde passa “La Migra” (viaturas de controle de migração e de passagens não-autorizadas), a série de cercas que separam os dois países e El Paso ao fundo.

Viver na fronteira é algo muito diferente do tudo que eu pudesse, um dia, ter imaginado. São muitas influências dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que se conserva um identitarismo que se diferencia de quem está do outro lado. Juárez não possui edifícios altos, possui muitas construções antigas, muitas casas abandonadas por conta da violência, pouca vida nos espaços públicos. Mas as pessoas que vivem em Juárez fazem acontecer todos os tipos de corres para que a cidade não morra. Conhecemos vários coletivos de arte, gente que intervém nas ruas o tempo todo trazendo essa memória, agitando a cultura e criando espaços e possibilidades para que qualquer um tenha orgulho de tudo que é produzido ali (não estou falando da indústrias/das maquiladoras!).

Gravando

Alguns anos depois, provavelmente 2018 ou 2019, comecei a trabalhar em uma xilogravura que pudesse trazer um pouco dessa memória que eu tenho, e que me gerou tanta inquietação na época. Eu não quis intervir em absolutamente nada. Todos os elementos da fotografia eu tentei trabalhar de uma maneira simples, porém detalhada.

Fotografia original /// Meu desenho com marcador Sharpie que originou a xilogravura

O processo de gravação foi lento. Várias semanas cavucando a madeira, sobretudo na parte da cerca/grade. Foi um processo desafiador. Eu gosto muito da estética da xilogravura, bem marcada, contrastada, com traços mais expressivos. Ainda que no linóleo eu também consiga efeito similar, a textura que a madeira deixa como se fosse um rastro de destruição é algo que soa bem aos meus olhos.

Acho que a memória sempre traz coisas legais interessantes quando pensamos em produzir algo. Eu gosto de trabalhar com fotografias muito por conta disso também. Elas possuem uma história que, de alguma forma, se entrelaça com minhas experiências. Nunca achei que algum dia eu iria sair do país, nunca tive condições econômicas para tal façanha. E ~de repente~ consigo uma bolsa de estudos para vivenciar algo que eu só imaginava enquanto escutava músicas ou lia reportagens. Acho que esses significados que a gente dá é o que vale a pena todo o processo de se produzir alguma coisa na áreas das artes visuais.
Pula a Cerca pode ser traduzido como Brinca el Borde, nome que dei para esta produção. Mas vou parafrasear uma banda punk muito massa, Propagandhi, e já deixar um “FUCK THE BORDER” bem grande aqui. Por um mundo sem fronteiras!
Abaixo, seguem algumas fotos da gravura impressa, o resultado final, seguida de um vídeo da gravação da matriz que contém imagens de como eu fiz alguns destes detalhes. A gravura pode ser adquirida na LOJA VIRTUAL.
Obrigado pela atenção,
Até.

Homenagem a Nêgo Bispo

Antônio Bispo dos Santos faleceu dia 3 de Dezembro de 2023. Eu me lembro bem do momento em que fiquei sabendo da triste notícia. Eu estava em Brasília, participando da Feira Gráfica MOTIM, que teve esta edição no Museu Nacional. Eu olhava para minhas gravuras expostas, e com destaque na minha banquinha havia a “Transfluência“, a gravura que fiz a partir de uma entrevista com Nêgo Bispo presente no livro “Mobilidade Antirracista“. Eu me inspirei muito na época ao ler cada palavra de Bispo. Já fazia um tempo que não produzia nada tão significativo e profundo, e esse foi um trabalho de pesquisa conceitual e imagético que me fez gastar muita energia no desenvolvimento. E é curioso porque muitas pessoas se interessam pela gravura, pela postagem que fiz falando sobre o processo de produção dela, mas ela está longe de ser um produto lucrativo pra mim. Acho que até hoje eu vendi apenas 1 cópia dela, para um casal de médicos que haviam parado na minha banquinha numa feira em BH. Mas talvez esse diálogo sobre tentar ~viver de arte~ não seja o mais adequado para este momento. Desde o dia 3 que eu fico pensando no que poderia fazer para prestar essa homenagem à uma pessoa que me tirou um pouco da inércia de ideias, e me fez repensar um pouco sobre a forma como eu produzia algumas coisas, sobre algumas associações que fazia enquanto artista visual. A entrevista dele me fez voltar a pesquisar para produzir. E eu digo que estava em dúvidas se fazia uma homenagem ou não com o receio de cair no oportunismo capitalista de almejar lucro aproveitando o momento do óbito de alguém. E isso não é e nunca será minha intenção aqui. Hoje eu entendo o quanto eu gostaria de agradecê-lo pelas ideias que ele expressou e que ecoaram na minha cabeça. Talvez ele nunca saiba da importância que ele teve na minha vida. Hoje mesmo eu estava pensando se eu tomei conhecimento da existência dele tarde demais… Mas acho que eu o conheci no momento certo em que suas ideias dialogavam as minhas. Tudo vibrou na mesma frequência.

Hoje eu fiz uma ilustração do Nêgo Bispo usando a referência de uma fotografia em que ele apoiava a cabeça nas mãos que se entrecruzavam na nuca. Ele olhava para cima, descansado e tranquilo. Um momento de paz e suavidade. Ao fundo, coloquei a imagem em marca d’água da gravura que fiz baseado nele, Transfluência. Nessa ideia, o conhecimento dele seguirá viagem através de outras matérias, e se recriará em outros povos. Tudo segue conectado.

VIDA LONGA NÊGO BISPO! OBRIGADO POR TUDO!

[xilogravura] Propaga Tus Ideas

Essa é uma gravura produzida, provavelmente, nos idos de 2018. Eu já estava com o antigo atelier no bairro Aparecida, ainda em suas primeiras semanas de atividades. Eu gostava bastante de experimentar novas formas de desenvolver gravuras. E esse daí foi um experimento que deu muito certo.

Na minha pesquisa por imagens, encontrei esta fotografia de Jamel Shabazz. Esse tipo de fotografia que marca uma época de desenvolvimento e efervescência de várias movimentações underground, ligadas à subculturas é algo que me agrada muito. Martha Cooper e Jamel Shabazz são fotógrafos que registraram toda uma cena que envolvia os 4 elementos: RaP (Ritmo e Poesia), Graffiti (intervenções visuais), Break Dance (danças de rua), DJ´s/MC´s (quem domina os scratchs e os samplers/quem domina a rima).
E eu costumo buscar referências nessas fotografias pra desenvolver algum trabalho, ou treinar alguma técnica.

Essa imagem é interessante. Um homem com seu boombox, olha pra câmera e faz um aceno de quem tá curtindo muito. Eu recortei a figura em primeiro plano, fiz uma cópia em toner, e fiz uma transferência prum compensado de pau-marfim, que eu costumo usar para as xilogravuras.
Depois quadriculei toda a madeira em espaços de 1×1 cm e tudo que veio depois foram intervenções manuais, com marcadores. Fiz os raios saindo do fundo pra dar uma noção de profundidade, e fiz as letras de forma manual, tentando manter um padrão de escrita.

Depois passei a brincar um pouco com os contrastes, sobretudo nas letras. Ora espaço, ora preenchimento, me diverti enquanto cavucava cada detalhe. Na impressão, o efeito me lembrou um painel luminoso, que ora acendia uma letra, ora outra.
Nesta matriz eu também usei uma micro retífica que eu comprei da China, mas ela era muito vagabunda e mais amassava a madeira que retirava matéria. Acabei desistindo de usar.
No fundo, optei for fazer linhas verticais com a goiva em V, dando uma sensação de passagem tonal pra quem observa.

Propaga Tua Ideas” pode ser traduzido, literalmente, como “Propague Suas Ideias” e foi uma proposta que eu achei que tinha a ver com meus ideais e com a sensação que a foto me transmitia. A Boombox, com seus alto-falantes, consegue fazer soar muitas ondas sonoras, que buscam a captação de ouvidos pelo caminho. Essas ondas podem ser batidas ritmadas, podem ser poesia, e podem ser palavras de protesto. A música sempre foi uma ferramenta interessante para divulgar ideias e agregar mais pessoas nas redes de ação e solidariedade. Elas nos trazem uma sensação de pertencimento e de voz ativa. Uma identificação com algo que está sendo proposto. Além do mais, ouvir música é muito bom. Junta o útil ao agradável.

Primeiros testes de impressão

É uma gravura que eu, particularmente, curto muito. Com certeza não é a favorita da galera que costuma comprar algo da minha produção. Mas ela me traz algo de “Aproveita as ferramentas que estão disponíveis e diga pro mundo a importância do que você tem em mente. Foda-se o estilo, foda-se a estética, foda-se o consumo. Somos tudo e somos nada. Só sei que coletivamente chegaremos em algum lugar!“. Ou talvez algo assim.

A parte mais legal de escrever sobre um trabalho, é relembrar como ele foi desenvolvido. Eu vejo fotografias da época, e vários momentos retornam à memória, não apenas da produção, mas do contexto em que eu estava. Sobretudo nessa época eu já estava em um movimento de repensar algumas ações, algumas teorias e alguns métodos sobre o caminho em que estava traçando. Ainda que, provavelmente, aquele caminho planejado tenha se alterado no decorrer de todos esses anos, acho que hoje me encontro num lugar interessante por conta dessas reflexões e decisões do passado.
Enfim, por hoje é isso.
Me digam depois o que acham.
Abraço.

[xilogravura] Andina

O ano era 2014. Havia pouco tempo que eu havia ingressado, a partir do processo de transferência, ao curso de Artes Visuais da UFMG. Eu andava bem frenético no que referia à produção artística. Em 2012 havíamos vivenciado um cotidiano fronteiriço em Ciudad Juárez, México, e minha energia produtiva andava bem aquecida e estimulada por esta riquíssima experiência.
Eu conheci a linoleogravura enquanto estudante de Artes Visuales, no Taller de Grabado que eu frequentava em Cd. Juárez. Foi amor à primeira vista. No México, o acesso a materiais de gravura, matrizes, ferramentas e referências é muito mais amplo que aqui no Brasil. Inclusive, as ferramentas que comprei lá, e que eram as mais baratas, são as mesmas que uso até hoje.
São técnicas beeeem populares, pois existiram (e ainda existem) várias gráficas populares na região. No Brasil, a gráfica ficou restrita por muito tempo apenas à família real, e as ideias não circulavam tanto quanto na parte do continente colonizada pelos hispânicos (Mas essa história do desenvolvimento e popularização da gráfica talvez seja uma pesquisa para outra postagem).
Na minha tentativa de desenvolver mais a técnica, passava boa parte do meu tempo pesquisando artistas, processos, técnicas e temáticas. Que eu incorporei a cultura da região do México na minha produção não é novidade para ninguém. Basta ver meu portfolio que essa temática fica escancarada. Mas algo que eu incorporei foi esse amor ao processo gráfico artesanal, de pensar, refletir, produzir, e trazer ao público minha produção de maneira acessível.
Por isso me recuso a vender gravuras por valores irreais às condições econômicas de pessoas comuns, ainda que algumas tenham valor mais elevado, mas isso se deve, muito, aos materiais que aqui nos custam muito caros. Não gosto de fechar e limitar edições de gravuras cujas matrizes ainda podem ser reproduzidas, e sempre tento levar meu trabalho para outros suportes, como lambe-lambe e camisetas. Assim, garanto uma forma de acessibilidade visual que foge à lógica de galerias, por exemplo.


Os esboços em meus caderninhos são algo que eu curto fazer enquanto processo produtivo. Acho que é a forma mais sincera de se começar algo. Me lembro bem que eu treinava desenhos a partir de fotografias de pessoas, e eu curtia muito trabalhar os tecidos que apareciam. Gostava de observar e de representá-los de alguma maneira gráfica.

Não sei exatamente como essa fotografia surgiu na minha vida. Mas várias coisas me chamam atenção nela. A quantidade de pano, com muitas tonalidades e texturas; o olhar da mulher; o olhar da criança; a paisagem. É uma fotografia interessante aos meus olhos em vários aspectos. Até porque, nesta época, os temas que envolviam maternidade, mulheres e crianças em processos históricos (sobretudo de lutas) era algo que me chamava muita atenção.
Não pude perder a chance de praticar desenhos e logo abri meu bloquinho A5 para esboçar alguma coisa. As tramas do pano foram algo que me trouxeram a ideia de transformar a imagem em uma xilogravura. Várias linhas paralelas, de diferentes espaçamentos e espessuras, ditavam o ritmo. Essa textura parecia maravilhosa para um gravador iniciante.
O processo foi relativamente simples. Digitalizei a página do bloquinho, ampliei para um formato A3, imprimi. Na folha impressa, trabalhei com marcadores a base de álcool na cor preta, para criar os preenchimentos, volumes, vazios. Criei de forma manual uma imagem com linhas e formais mais rígidas, já pensando em uma estética própria da xilogravura. Após todas as marcações em preto estarem prontas, fiz uma cópia em impressora de toner, e fiz uma transferência pra placa de compensado de pau-marfim com thinner e prensa.
Daí, foi só começar o processo de gravação. Utilizei, majoritariamente, goiva faca para todas as bordas, e goiva em V muuuuito afiada pra fazer os detalhezinhos da textura do pano.
Foram algumas semanas gravando, mas acho que valeu a pena.

Após um longo processo de gravação e de testes, acho que fiquei satisfeito com a matriz que eu havia gravado. Precisava de um papel que estivesse à altura, que fosse tão delicado quanto à suavidade e serenidade da imagem. Optei por um papel de arroz tão fino, que praticamente não aparecia. Dava a impressão de que a impressão ríspida flutuava no ar. A impressão foi feita completamente com colher de pau, sem a utilização de prensa, com todo cuidado para que o papel não rasgasse por conta de sua espessura. Processo delicado, trabalhoso, mas que me trazia muita satisfação.
Logo abaixo seguem os resultados.

A única questão sobre esta gravura, é que eu acabei fazendo poucas cópias dela. Em 2015 ou 2016, não me lembro, houve uma infestação de ratos lá em casa. Eu tinha uma gaveta onde guardava todas as matrizes, bem como algumas impressões e revistas. Quando abri a gaveta, havia fezes e urina de ratos para tudo quanto é lado, tudo estava roído e/ou descascado. Eu preferi não arriscar. Coloquei luvas, juntei tudo em um saco de lixo e descartei. Perdi muitas coisas nesse processo, mas o que foi feito, pelo menos, tem fotos…

[litografia] Coruja Cholo

No auge da minha monitoria na disciplina de litografia, lá na EBA/UFMG, andei testando técnicas pra poder compartilhar com xs alunxs um pouco do conhecimento que eu desenvolvia no atelier.
Nesta gravura, eu usei tousche (bastão gorduroso para desenho na matriz litográfica) diluído e aplicado com bico de pena na coruja, aplicado com pincel na moldura oval, e criei uns efeitos com tousche queimado com aguarrás pra dar uma estética meio envelhecida, manchas de mofo/umidade.

Caracterizando os elementos representados – CORUJA

A Coruja tem essa representação ligada ao conhecimento, sabedoria. Durante algum tempo eu curtia muito essa ave, tinha pequenas esculturas de coruja, em 2012 até cheguei a tatuar uma coruja no meu antebraço. Também as usava como personagens de meus desenhos, gravuras e pinturas.
Enfim, a imagem da coruja foi algo que permeou minha criatividade durante muito tempo, e tê-las feito dentro de temas específicos foi algo que curti bastante nesse período. Foi minha porta de entrada pra trabalhar diferentes estéticas a partir de um mesmo referencial. Também foi minha porta de entrada para vestir animais a caráter, algo que faço com mais frequência atualmente. Ao lado está o esboço que fiz no meu bloquinho A5, utilizando canetas nanquim, Posca e marcador Sharpie Tank.
Esta ideia foi especial, uma coruja com vibe meio Ron Swanson Chicano.

Identidade CHOLO

CHOLO diz respeito a uma identidade fronteiriça existente, sobretudo, na divisa entre México e Estados Unidos. Ciudad Juárez (México) e El Paso (Estados Unidos) são cidades surgidas a partir da separação do povoado de Paso del Norte (México), que foi separada na Guerra de 1846, quando os Estados Unidos usurpou metade do território mexicano e decidiu-se que o Rio Bravo, que cortava a cidade, fosse a fronteira entre os países. Apesar de serem divididas por limites transnacionais, as cidades estão situadas no meio de uma região desértica, e elas possuem trocas muito fortes entre si. Grande circulação de mercadorias e pessoas cruzam a aduana, e o fechamento da fronteira é um fenômeno relativamente recente.
Atualmente, uma cerca do lado norte do Rio separam os países, mas como as cidades são co-dependentes, famílias, negócios, movimentos pendulares, comunidades indígenas e recursos foram divididos, criando uma situação ainda mais complexa de circulação. É nesse contexto que surgem os Cholos. Ainda que eu tenha usado essas duas cidades como exemplo, o fenômeno é algo comum em várias localidades da fronteira, não se limitando à fronteira Chihuahua/Texas.
Cholos são caracterizados como seres fronteiriços, que utilizam da estética para se diferenciarem dos estadunidenses, portanto, são mexicanos (ou, atualmente, descendentes de famílias mexicanas).
É uma identidade que foi desenvolvida a partir dos Pachucos, e isso sim tem um teor geográfico mais localizado, pois El Paso também é conhecida como “Chuco”, e Pachuco seria um termo derivado do “Para el Chuco” (Pa’Chuco), pois muito mexicanos faziam o movimento pendular de morar em Cd. Juárez e trabalhar em El Paso.
Caracterizando a estética Chola, calças pantalones (derivadas do Zoot Suit Pachuco), camiseta canelada branca, camisa flanelada xadrez com apenas o botão superior abotoado, muitos usavam bigode e cabelo penteado para trás (alguns usavam um tipo de redinha para manter o cabelo no lugar), outros usavam bandana (marca registrada de muitos grupos até os dias de hoje). O uso de tatuagens também era muito comum, bem como associação com gangues e grupos identitários como forma de defesa.


Moldura

Pensando na questão dos elementos que eu propus nessa gravura, a moldura é algo realmente especial. Com um estilo bem rococó, com arabescos volumosos e bem marcados, a moldura traz um ar de algo clássico, envelhecido, mas que mantém sua nobreza estética. A mesma ideia eu tive com os efeitos de envelhecimento da “foto”, conferindo um caráter de algo antigo, mas que se mantém ainda firme, apesar das adversidades.
A memória é algo que se cultiva, para que não desapareça.

La Idea, 2015 – Litografia sobre papel Hahnemühle, 300g, 33×44 cm

A litografia pode ser adquirida clicando aqui.

La Idea presente na Feira Vendo / Nossa Feira

Anota na agenda aí:
Dia 12/08, das 10 as 18h, estarei no Arreda Galeria e Estúdio com banquinha montada participando da Feira Vendo.

Será um dia de evento de flashes tattoos, exposições e muita gente cabulosa mostrando seus trabalhos, com muita coisa massa sendo vendida pra aproveitar a celebração do dia dos pais também pra fazer girar uma verba pra quem é artista.

Feira Vendo / Nossa Feira
Sábado, 12/08, 10 as 18h, Rua dos Aimorés, 1167 (Arreda Galeria Estúdio), BH/MG

Serigrafia – Brinque com sua fera

Em 2023 eu fui selecionado, mais uma vez, pra participar da troca de gravuras denominada Escambo Gráfico. É uma iniciativa que o Vitor Pedroso (aka Piruá) e a Ludmila Siviero, de Araraquara, organizam anualmente. Eles fazem uma seleção “por ordem de chegada”, separam as inscrições em diversos grupos, recebem as cópias das gravuras de cada participante, criam as pastinhas de cada grupo, e reenviam para cada participante o combo de gravuras de gente do mundo todo. Mó trampo. Mas é com muita satisfação e orgulho que eu digo que gosto de participar destas trocas, conhecer novxs artistas, novas formas e técnicas de gravar e de imprimir, ver novos estilos, novas temáticas, é muita riqueza envolvida em todo esse processo. O Escambo surgiu durante a pandemia e tem produzido ótimos resultados em compartilhar ideias, técnicas e colocar pra circular conhecimentos. Só tenho a agradecer pela existência dele.

Para este ano, eu tive a ideia de criar uma serigrafia de 4 cores em um processo completamente analógico. Desde a pesquisa de referências, de temáticas, até a gravação e a impressão. A pesquisa imagética foi feita exclusivamente a partir de livros. Os esboços foram feitos a lápis em papel, todo o acabamento do desenho foi feito com caneta nanquim. Os vegetais para gravação das telas foram preparados com caneta Posca e mesa de luz. As telas foram gravadas com emulsão pré-sensibilizada (Agabê Unifilm-WR) em poliéster amarelo, 90 fios. Foram utilizadas tintas a base de água Gênesis Grafcryl e a impressão foi feita em papel Vergê Plus, 220g, cor Ônix. Essas últimas informações foram essenciais para se pensar no que é surpresa em um processo de impressão artesanal.

O esboço foi feito em um papel branco utilizando nanquim preto. Já a impressão foi feita em papel preto e o desafio maior foi pensar em como ficariam as cores na impressão, já que eu não usei nenhum tipo de recurso digital para fazer esse teste antes. Todas as sombras, luzes e detalhes foram somente imaginados em como poderiam resultar ou funcionar. Foi um verdadeiro achômetro, ainda mais partindo de alguém que é daltônico. Muita ousadia de minha parte. O resultado foi esse, um caos de linhas, ora luzes, ora sombras, ora pinturas corporais. Uma cena, talvez noturna ou aquática, de duas crianças indígenas brincando com sua fera, enquanto esta utiliza uma máscara de dragão e se emaranha com as sutilezas das crianças.

Não aprisionar, não maltratar, não ter medo. Brinque com a fera.
Esta gravura está disponível para venda clicando aqui.

O Escambo Gráfico é um projeto cuja participação é 100% gratuita. Porém, possui custos elevados de logística. Todos os participantes que podem, doam alguma quantia de qualquer valor para ajudar nos gastos, mas ainda assim há muitos artistas que não podem doar. Se você quer ajudar o projeto, compre a gravura na minha loja virtual que eu repasso parte do valor da venda para ajudar o projeto, ou faça uma doação de PIX de qualquer valor para a chave graficoescambo@gmail.com
Obrigado.

Brinque com a Fera – Serigrafia em papel Vergê Plus 220g – Tiragem: 48 cópias – La Idea 2023
Veja o processo de produção neste vídeo

6 e 7 de Maio em Brasília

Dias 6 e 7 de Maio estarei em Brasília participando do @edicoesmotim . Só chegar na Galeria dos Estados a partir das 11h e ver o tanto de gente foda que estará expondo por lá. Levarei algumas obras inéditas, gravuras clássicas, adesivos, prints e camisetas. Eu estarei na mesa 33, aos lados dos amigos da @impressoesdeminaseditora e do compa @_oberas

Bora!!!

Transfluência

O trabalho de pesquisa e produção de arte perpassa algumas atividades que precisam nos afetar de alguma maneira, mexer com o sensível, uma faísca que será o disparador de algo mais forte. Eu tive isso enquanto lia “Mobilidade Antirracista”, obra organizada por Daniel Santini, Paíque Santarém e Rafaela Albergaria e que foi publicada pela Autonomia Literária e pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2021. O livro todo, em si, é um espetáculo de ativismo pela mobilidade universal e acessível, mas um capítulo me tocou de maneira mais forte: Capítulo 4.1 – Entrevista com Nego Bispo.

Sobre Nego Bispo e as formas de resistência

Logo no início da entrevista, Nego Bispo se apresenta. Eu não sabia nada sobre ele. Nasceu em uma comunidade onde a linguagem escrita não exista, somente a oralidade, e pela facilidade com que ele apropriou-se das diferentes linguagens ao ingressar na escola, foi escolhido para ser tradutor da linguagem escrita para a linguagem oral, evitando, assim, que a comunidade fosse “passada pra trás” nos contratos com o colonizador. Assim, foi forçado a compreender o pensamento colonialista para se defender dos ataques, e compreender o pensamentos dos seus iguais para fortalecer o campo de defesa. Nego Bispo diz que sua vida está na fronteira do pensamento, lidando com as escrituras e com a oralidade o tempo todo.
Nego Bispo usa muitas analogias para fazer uma relação em como os animais são ou podem ser domesticados, e a forma bruta e violenta com que os colonos tentavam domesticar seus escravos. Enquanto pessoas negras transitavam nos mares nos fundos de caravelas, sendo sujeitos à vários tipos de torturas e desumanidades, outro tipo de deslocamento não previsto pelos colonos também exercia sua força: transfluência.
Transfluência é um conceito desenvolvido por Nego Bispo para tratar sobre as relações cósmicas que carregam, simultaneamente ao transporte físico nos navios negreiros, uma memória ancestral. Povos negros que chegavam no continente se comunicavam com povos indígenas (que possuíam cosmologias parecidas) para resgatar esses saberes e dar início ao processo de resistência contra a colonização.

O que houve com Palmares e todos os Quilombos foi exatamente essa relação de transfluência.
Mesmo os quilombos que não se visitavam fisicamente transfluíam através da cosmologia.
A relação com o mar, com o vento, as estrelas, as plantas.

Nego Bispo, página 211

A questão que Nego Bispo coloca é a forma de saberes que foi desenvolvida tanto do lado de cá do Atlântico, quanto do lado de lá. Como esses conhecimentos eram compartilhados, desde muito antes das navegações acontecerem. “Como era possível a comunicação do Rio São Francisco com o Rio Nilo, se tem um oceano no meio?”

Pelos Rios do Céu, pelas nuvens, pela evaporação.
A imagem que mais me convence sobre a transfluência é esse movimento das águas doces, pois elas evaporam aqui no Brasil e vão chover na África transfluindo pelo oceano sem precisar passar por ele.
Dessa forma que a nossa memória ancestral está aqui, ela vem pelo cosmos.
Esta é, de ponto de vista cósmico e físico, a imagem que tenho da transfluência.

Nego Bispo – página 213

Pensando, refletindo e gravando

Depois de muito tempo sem produzir algo significativo derivado de alguma pesquisa mais intensa, finalmente apresento minha última produção em gravura denominada TRANSFLUÊNCIA.
Esse conceito colocado à mesa por Nego Bispo chegou a mim em um momento de baixíssima criatividade de minha parte. Estava envolvido com outros tipos de trabalho, sobretudo não artísticos, e ter lido esse capítulo reacendeu em minha mente uma chama que parecia estar quase apagada. As palavras de Nego Bispo ressoaram na minha cabeça, enquanto pensava o que poderia fazer com um termo tão potente.
Meus esboços inicias começaram bem objetivos, funcionou quase que como uma nuvem de palavras, um brainstorming do óbvio. Cabeça, mente, chuva, rios, pensamento, ser humano, ciclo. E logo comecei a expandir um pouco essa ideia de comunicação.
Nego Bispo coloca a evaporação e a precipitação como uma analogia dos saberes que são compartilhados nas duas margens do Oceano Atlântico. Minha ideia foi ir um pouco além.
E se todos os conhecimentos forem compartilhados/transmitidos/ensinados através dos mais diversos fenômenos naturais, climáticos e geológicos?
E se a gênese dos saberes está todo na concepção de mundo, e os povos precisassem de todos os elementos do planeta para compreenderem a si e ao outro?

E se as formas de organização, luta e resistência fossem auxiliadas e indicadas por todos esses fenômenos?
Essas indagações que faço a partir da leitura de transfluência talvez sejam o comum, se pensarmos a partir de cosmovisões tradicionais, mas pra mim foi um ponto de partida para pensar uma concepção de mundo bem diferente. Começar a expandir um pensamento, uma ideia, a partir deste conceito colocado por Nego Bispo me possibilitou retornar a criar, pensar em uma imagem que pudesse traduzir um pouco minhas pesquisas e reflexões.
O esboço foi feito de maneira digital; a matriz foi gravada manualmente numa placa de microduro (~linóleo); as impressões foram feitas manualmente com tinta preta em papel de arroz (industrial e artesanal); o tamanho gira em torno de um A2.
Essa gravura será lançada na Feira MOTIM, dias 6 e 7/05, em Brasília. Depois desta data poderá ser adquirida pela loja virtual.


Processo completo, do esboço à impressão final

O Silêncio é Inútil

Fever 333 é uma banda bem daora, que consegue manter as letras altamente politizadas ainda que estejam no mainstream da indústria musical. Lembra algo de Rage Against The Machine, político e popular, requisitados para serem absorvidos pelo capitalismo e se tornarem mais um produto. São sons violentos, de ataque pesado ao sistema. Estão no sistema, mas não se curvam à ele.
Jason Butler, vocalista do Fever 333, é um sujeito bem relacionado, tira fotos e interage com vários ícones da música pop e do cinema estadunidense. Ainda assim, suas letras, desde a época em que cantava no Letlive., são carregadas de conteúdos políticos, de ataque ao capital, à opressão, à autoridade, e fortalecendo a atuação dos movimentos de lutas identitárias, sobretudo ligadas ao levante da população negra.
O grupo iniciou sua carreira tocando em um estacionamento, com pouquíssimos recursos, instrumentos e caixas de som no baú de um caminhão, e uma demonstração de energia intensa em cada movimento que os 3 membros da banda faziam. Uma presença de palco (se é que o chão do estacionamento possa ser chamado de palco) impressionante, inclusive do baterista. De fato, conhecer a banda foi praticamente interesse à primeira escutada. Som cru e direto do jeito que gosto.
O segundo disco da banda, Strenght In Numb333rs (2019), chegou com um desenvolvimento musical impressionante, mais pesado e mais bem trabalhado, e ainda com letras bem profundas e críticas. Duas músicas me chamaram mais atenção: Inglewood (que trata da questão da gentrificação na cidade de Inglewood, CA, que também é um dos temas trabalhados na série Insecure, da HBO) e The Innocent (que eu irei desenvolver um pouco mais sobre essa música nos próximos parágrafos.)

The Innocent

Essa música, particularmente, me tocou muito. Ela fala sobre violência policial, sobre essa política de identificação visual do corpo negro como merecedor de diversos tipos de violências, inclusive a morte. Essa letra não existe por acaso, os diversos vídeos existentes na internet mostram as atrocidades cometidas por agentes de segurança que enforcam, torturam, atiram e matam corpos negros diariamente. Essa prática racista, genocida e eugenista não é exclusiva dos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, ocorrem situações bem similares e com o aval do Estado. A Ponte Jornalismo é uma mídia que divulga a maior parte dos casos, e muitos deles nem aparecem na grande mídia. Se não fossem essas pessoas corajosas para ir atrás dos fatos e divulgar, seguiríamos alienados em relação à violência sofrida pelo povo negro, pobre e/ou periférico.
A letra desta música me tocou muito nesse sentido. “Sem mais desculpas, nós temos que recusar isto, o silêncio é inútil, vida longa aos inocentes. Eles nos contam histórias, das mais belas glórias, este é o seu aviso, vida longa aos inocentes.”. Ela me traz um pouco da questão da história oral/oralidade, do conhecimento que é transmitido por gerações, de histórias das pessoas que lutaram antes de nós, das pessoas que perderam suas vidas para que as verdades sejam mostradas. Das vidas que as pessoas vivem, e daquelas que possuem o direito institucional de violentar e matar pela cor da pele e classe social.

Produção de gravura baseada nesta letra

Na minha produção enquanto artista visual busco, na maioria das vezes, aliar minhas vivências, leituras, músicas e interesses políticos nas imagens que crio. Gosto de ter esses itens como ponto inicial de pensar o processo criativo. Por causa dessa letra do parágrafo anterior (e agora completando 5 anos do assassinato de Marielle e Anderson), me deu vontade de falar um pouco sobre essa arte que fiz em 2020 eu acho, ainda numa pandemia restritiva. Eu não consegui, ainda, materializar em gravura essa imagem. Na época eu já andava criando umas xilogravuras aliando imagens centrais e escritos com muitos contrastes para xilogravura, e acabei criando essa a partir da letra de The Innocent. Ao centro e com mais destaque, Jason Butler gritando no microfone. Abaixo, faixas e cartazes com dizerem de protesto contra o genocídio da população negra, contra a violência policial, símbolo antifa, punhos negros em riste, Dandara, Zumbi e Marielle Franco. Acima, a frase “O SILÊNCIO É INÚTIL“, parte do refrão da música. Foi a forma que consegui de aliar essa música à uma história regional, desde a resistência na época da colonização até os dias atuais. O sistema violenta e tenta calar à todo custo as vozes oprimidas. Mas os movimentos de resistência seguem lutando, se defendendo, contando suas histórias e memórias para que não cesse a luta. Agora, mais que nunca, tenho vontade de colocar essa arte para circular. Vida longa à resistência e aos inocentes.

You gon get this now

You think, I know
Wide eyes got a narrow scope
You’d think that they’d know
Not to shoot a man while he’s on the floor
That’s why these youngins they run before talkin to police because they know the deal
See young Trayvon Martin has just left the market with candy and got his ass killed

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

Eyes of the law do not look anything like my own
I can see clearly now that the arraignment is gone
Yes I did go head up with that cop tryina do me like radio Rahim
I looked at the judge said ‘I feared for my life and I pray that you’ll do the right thing’

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

It ain’t what you are it’s what you can be
And I see you, my brotha
All they know is what you show them

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

The Innocent

Camisas dos Guaxininhos – Pré-venda até 18/03/23

COMPRE CLICANDO AQUI

**PRÉ-VENDA ATÉ 18/03**

Previsão de envio: 15/04/23

Guaxinins expropriadores, invadem espaços abandonados para se apresentarem. Assim funciona o grupo ROBA y COMPARTE, cujxs integrantes fazem uma mescla de instrumentos acústicos e mal regulados para tocar as canções mais ousadas do Folk, da Kumbia, e do Krust, compartilhando ideias e experiências. Em 2023 saem em turnê pelo continente Abya Yala, abrindo os corações e as mentes, liberando os quatro muros de qualquer que seja seu proprietário.
“Kontra toda autoridade, a favor da Koletividade!”

Camisetas tipo Raglan, produzida 100% com algodão ecológico Menegotti, de alta qualidade.
Estampa produzida em serigrafia artesanal, no estúdio La Idea (BH-MG)
Camisa branca com mangas pretas.
Disponíveis em vários tamanhos (Do PP ao XG).

Roba y Comparte – Abya Yala gira 2023

Roubar e compartilhar pelo continente é o tema da banda imaginária Roba Y Comparte, composta por Guaxinins vestidos a caráter, enquanto tocam belas canções de protesto ao som de Kumbia, Crüst e FolkPunk. A ideia surgiu a partir de um diálogo com minha amiga Laís, onde ela falava sobre o simbolismo anarquista dos guaxinins, que roubam, furtam e enfrentam autoridades, sempre de forma coletiva. Ela me enviou vídeos para demonstrar isso. A analogia com anarkopunx foi imediata. A ilustração foi produzida no início de 2023, bem como alguns cartazes e em breve será feita estampa de camisas também.
Sobre as bandas colocadas nas estampas, patches e adesivos nas vestimentas e instrumentos dos Guaxininhos, aqui vai uma lista:
– Bestiärio
– Cólera
– GBH
– Days n’Daze
– Against Me!
– Pigeon Pit
– Dead Kennedys
– La Lira Libertária
– Black Flag
– Las Calles
– Los Dolares
– Los Crudos
– Fun People
– Tragedy
– Crass
– Rastilho
– Doom
– DER

O PÔSTER EM SERIGRAFIA, TAMANHO A3, PODE SER ADQUIRIDO CLICANDO AQUI.

Aula de Registro de Impressão de linóleo/xilo – parte 2

Já está disponível no meu canal de Youtube a segunda parte da aula de registro de impressão para linoleogravura e xilogravura. É uma técnica que requer um pouco mais de cálculos em relação à primeira técnica, e que vai funcionar para fazer gravuras com várias matrizes, ou mesmo matriz perdida. Espero que gostem.

Gravura contra o neofascismo

Basta ler o livro de Jason Stanley “Como funciona o fascismo” para entender que não há argumentação que mude a ideia de um fascista. Buenaventura Durruti dizia que ‘o fascismo não se discute, se destrói’. Estamos lidando com os fascistas e suas necropolíticas há 80 anos, lutando a favor de uma democracia falha, que abre espaços para que esse tipo de pensamento ganhe espaço e poder. Todos os anos surgem novos governantes ao redor do globo reproduzindo o mesmo discurso de ódio e purismo como eram apresentados nos anos 30. Lembrando que o fascismo não existe apenas a nível governamental. Está presente no dia a dia, nas ações, nas ideias. Não se deixem enganar. Liberdade de expressão anda de mãos dadas com respeito e solidariedade, nunca com discurso de ódio.

Abaixo o vídeo em timelapse de um projeto para uma capa de uma coletânea que reúne bandas de todo o mundo cantando e tocando contra o neofascismo. A convite do Marcelo, vocalista da banda Las Calles, eu desenvolvi esse projeto. Para destruir o fascismo, necessitamos coletividade, solidariedade, respeito e ação direta.

“Seja de qualquer cor, de onde for, vem meu igual.” Cólera

“Sua tolerância a um regime, onde a essência humana é aviltada, não o torna também o inimigo, aquele a ser varrido de sobre esta terra? Ignorar o fascismo é se tornar fascista. Moscas que fazem parte desta sujeira.” Solstício

“Os assassinos livres no poder
O fascista imune as leis
Limpeza étnica
Fria e brutal”
Ação Direta

“Adolf me lembra só agonia, sangue, dor, lágrimas e melancolia
Adolf me lembra restos mortais que foram resultado das diferenças raciais
Adolf me lembra destruição de assistir ao chumbo quente entrando em um coração
Adolf lembra racismo e me dói ver alguns jovens filiando-se ao seu fascismo
Num mundo sem fronteiras só de cooperação
Seriamos todos amigos, seriamos todos irmãos
Sem estados, sem limites, sem países, sem fronteiras
Vermelho, preto e branco não será mais sua bandeira”
Street Bulldogs

Mais uma xilogravura na área

Desde 2019 que eu estou trabalhando em uma matriz de xilogravura com a temática de imigração. Eu vi essa imagem de um cara pulando a cerca que separa Chiuhuahua do Texas nos idos de 2009, quando ainda assinada Le Monde Diplomatique. 3 anos depois eu fui morar nesse mesmo local, Ciudad Juárez, Chiuhuahua, México. É uma relação de cidade bifronteiriças e binacionais. Nunca tinha ouvido falar de relações deste tipo. Os habitantes passam e voltam a fronteira todos os dias, pois moram no México, trabalham nos estados Unidos, compram coisas nas duas cidades, se divertem nas duas cidades. É bizarro. É uma questão bem diferente se pensar nesse muro/cerca vergonhosos que foi construído ao longo do Rio Bravo, que divide os dois países.

Tardou muito tempo até que eu conseguisse concluir essa gravação. Ela tem detalhes precisos em apenas parte dela, mas a questão é que eu sempre deixava outras tarefas para serem feitas antes e sempre adiava a conclusão desta matriz.

A madeira utilizada foi um compensado de pau marfim, no tamanho um pouco maior que um A4. Utilizei basicamente goivas tipo faca, e usei goivas em V e em U para fazer pequenas incisões ou remover o fundo.

Movimentos migratórios sempre existiram e sempre existirão e não será um muro que irá eliminar esse processo. Mx/US, Ceuta, Palestina/Israel, Grande Muralha, Muro de Berlim, construções que trazem vergonha à humanidade.

Os vídeos com os processos de gravação e de impressão podem ser conferidos no canal de Youtube ou no IGTV do Instagram.

Sobre dedicação à madeira

Uma das coisas que tenho sentido um pouco de falta nesses dias é o trabalho de entalhe na madeira. Produzir xilogravuras é algo que me agrada muito, e nesses tempos de pandemia, onde estou prestando muitos serviços, sobretudo, de serigrafia, tenho me dedicado pouco à xilogravura. Tenho planejado algumas aulas relacionadas a esta técnica, porém me falta tempo de planejamento. Isso sem contar os vários projetos que eu tenho, mas que ainda não pude executar.

Comecei a fazer uma série de xilogravuras que relaciona a música com o ativismo, porém não terminei e nem cheguei a imprimir a primeira matriz da série. Também pretendia criar vários cartazes em xilogravura destinados ao ambientes urbano, para intervir em diversos locais, mas também nem comecei as impressões.

Sobre o tema de imigração e a treta das fronteiras, tenho trabalhado em uma matriz de xilo utilizando a música “Cruzando la Frontera“do grupo de cumbia chamado “Fuga”. A primeira matriz, feita em pau-marfim, já está pronta, mas ainda falta a segunda matriz, que será feita em linóleo, e, da mesma forma que tudo que eu planejei fazer nessa pandemia, não tive tempo de dar continuidade.

Bom, de qualquer forma, acho que esse registro vale a pena, se o blog foi criado para colocar minhas questões profissionais e meus desejos em relação à isso, acho que estou no caminho certo. No mais, se tudo der certo, teremos muitas novidades com essa técnica.

Prestação de serviços em serigrafia

Durante a quarentena tive a oportunidade de trabalhar como impressor serígrafo para dois artistas. Na real, os trabalhos eram para ser entregues antes da pandemia, mas o isolamento acabou atrapalhando um pouco meu processo.

O primeiro trabalho foi para o artista André Nicolau, que me procurou para fazer impressões de suas ilustrações, e parte foi para o Projeto Arte Pela Cesta, que trocava cestas básicas por arte e ajudava pessoas e comunidades em situação de carência e vulnerabilidade. A arte em si tava bem massa, a gravação ficou muito boa, mas eu tive um pouco de dificuldade com a mistura de cores pra poder imprimir, rs. Daniel de Carvalho, Natália e o próprio artista André Nicolau me auxiliaram nessa fabricação. O processo em time lapse bem como o resultado pode ser conferido no vídeo a seguir.

Por intermédio do Ricardo Reis Erre Erre, fiz essa impressão em três cores com a ilustração de B. Perini. Essa foi um desafio um pouco maior, pois tive que fazer alterações manuais no laser film que estava causando diferenças tonais e marcas que não deveriam haver. Filmes corrigidos, telas gravadas e 150 cópias em 3 cores (450 impressões, ufa). O processo em time lapse e o resultado da impressão pode ser conferido no vídeo a seguir.

Mais estudos com cromia

Disponibilizei para venda mais um policromia que eu fiz. Desta vez, optei por pontos em formato elíptico que, em teoria, me daria uma riqueza maior de detalhes. Como a foto de referência foi diferente eu perdi a oportunidade de comparação entre as duas possibilidades. Mas o resultado me agradou muito. Para as próximas, talvez eu tente diminuir um pouco os pontos para ter ainda mais detalhes, vamos ver.

A policromia está disponível para venda clicando aqui.

Aula de registro de impressão – parte 1

Já está disponível no meu canal do YouTube a terceira aula online e gratuita desta série que estou gravando durante o isolamento social.

Trata-se da primeira de três técnicas de registro de impressão que irei ensinar. Essa é a mais simples delas. O registro é fundamental para que sua tiragem seja regular, e também para facilitar o encaixe de outras camadas, se houver.

As aulas são gratuitas e estarão sempre disponíveis, mas se você quiser e puder há um sistema de doação voluntária e de qualquer valor para auxiliar na manutenção das oficinas.

Espero que gostem, e se houver qualquer dúvida não deixem de entrar em contato.

Saludos.