Lapsos de Tempo #8

Diário

Hoje acordei nesse lugar estranho. Parece uma caixa com uma porta. Tem outros como eu em outras caixas parecidas. Não vejo ninguém com a cara boa dentro destas caixas. Tem algo ligado na minha veia, parece que estão me injetando um líquido transparente. Sinto uma dor abdominal tremenda, parece que falta algo. Não tenho muitas lembranças de como cheguei aqui, ou o que aconteceu nesse tempo. Tem algo enfiado no meu pescoço que me impede ver o que fizeram comigo, mas sinto uma faixa apertando o abdômen. Acho que estou sem forças…
***
Vejo o casal que cuida de mim na sala de espera desse lugar horrível. Por mais que eu queira sair correndo em direção à eles, sinto muitas dores, acho que estou meio zonzo. Sinto uma fraqueza no corpo. Eles me pegam no colo e me colocam no carro. No trajeto, olho a paisagem, ainda muito desconfiado do que pode ter acontecido comigo.
***
Já fazem alguns dias que sigo a mesma rotina. Me obrigam a tomar vários remédios com hora marcada. Eles são ruins, amargos, e eu sempre recuso esse tipo de tratamento. Essas pessoas que cuidam de mim me colocam deitado de barriga para cima no sofá. Eles limpam o corte fechado com pontos que tem na minha barriga. É um corte grande, e eu sinto um nervoso ao sentir esse produto de limpeza que passam. Nem vou dizer da coceira que dá quando borrifam esse trem marrom no ferimento. Eu sigo sem forças para várias tarefas, mas agora o colchão está direto no chão, eu não preciso me esforçar para dormir no quentinho.
***
Hoje tiraram meus pontos. Foi um baita dum alívio. Não preciso mais usar aquele aparato no pescoço que me impede de fazer tudo. Talvez eu esteja melhor.
***
Toda semana estou frequentando esse lugar, que parece o das caixas, mas que é diferente. As pessoas se parecem, mas a disposição de tudo é diferente. Entro numa sala, sempre a mesma sala quente, e fico sentado nessa mesa de alumínio. Minha pata é raspada com máquina, colocam uma agulha enfiada na minha veia ligada à esse líquido transparente. Injetam algo nessa mangueirinha e sinto algo queimando se misturando ao meu sangue. É bem desagradável. Toda semana é isso. Ao final, recebo umas agulhadas com medicamentos debaixo da pele nas costas, costuma ser bem dolorido. Eu ainda não sei o que aconteceu comigo.
***
Já tem um tempo que não preciso mais ser medicado, já não me sinto mais fraco, minha vida voltou ao normal. Consigo correr, pular, latir e brincar sem sentir dores. Eu engordei alguns quilos, e nem tenho mais a aparência raquítica. Todo dia, antes de dormir, estão me dando um negócio com gosto de peixe, dizem que eu precisarei tomar pra sempre. É gostoso, faço questão de lembrá-los disso antes de deitar.
***
Ultimamente tenho tido dificuldades para urinar. Eu faço bastante força, e costuma sair sangue. Eu não sei o que fazer para que as pessoas percebam essa dificuldade. Mas acho que da última vez eu urinei um pouco de sangue. Acho que eles viram o meu esforço para que saísse isso. Talvez eles me levem ao médico, sei lá.
***
Que dor de cabeça horrível, odeio acordar assim. Nem acredito que estou dentro da caixa com portas de novo. Os rostos nas caixas são outros, não reconheço ninguém. Estou ligado nesse aparelho que enfia líquido na minha veia de novo. Esse troço desengonçado no meu pescoço voltou. Ainda sinto muitas dores e não consigo me lembrar de como cheguei aqui. Estava fazendo alguns exames, enfiaram umas mangueiras em mim, de repente acordo aqui. Não aguento mais isso.
***
Cheguei em casa bem desanimado. Dói bastante para urinar, parece que tem pontos novamente em mim. As pessoas que cuidam de mim limpam a saída do xixi constantemente, talvez os pontos estejam ali. Retomaram com a rotina destes remédios de sabor horrível, são muitos. Me faltam forças para reagir…
***
É estranho mijar por esse orifício que abriram em mim. Eu não sei porque fizeram isso, mas imagino que deva ser pela dor que eu sentia quando tentava fazer xixi. Agora não dói, mas ainda é estranho, talvez seja difícil de acostumar.
***
Fazem alguns meses que me sinto super bem, ativo como nunca. Não me levam na clínica há tempos, não sinto dores. Talvez sejam novos tempos, o sol até brilha mais forte que o normal.
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Ultimamente tenho me sentido desanimado, o sol está queimando mais que o normal, tenho buscado sombras. As pessoas que cuidam de mim jogam uma bolinha ou um ossinho de corda, mas não sei se tenho muitas energias para interagir agora. Eu olho para esses objetos e fico pensando se vale a pena o esforço. Não vale.
***
Hoje aconteceu algo terrível. Fui tentar fazer cocô e senti algo que não devia escapar pelo ânus. Não era cocô, doía bastante e eu fiquei sem saber o que fazer. Corri para uma das pessoas que cuida de mim e fiz um estardalhaço. Ele me pegou no colo e fomos para a clínica. Lá, me deram uma injeção que eliminou a dor, e enfiaram de volta pra dentro o que não devia ter saído. Fizeram alguns pontos para evitar que saísse de novo. Foi horrível.
***
Os últimos dias foram complicados. O que não deveria sair pelo ânus saiu mais 3 vezes. Em duas delas, foi feito o mesmo procedimento de injeção e retorno pra dentro com o conteúdo. Na última vez, me sedaram. Acordei na caixa com porta, bem zonzo, tonto, desorientado. Sentia a dor abdominal, só que desta vez era diferente. Eu não aguento mais esse lugar.
***
As pessoas que cuidam de mim me buscaram, desta vez eu nem fiz festa, não tinha energias para isso, além de estar de saco cheio desse lugar. Em casa voltou a rotina dos remédios e da limpeza nos pontos. Eu já nem me importava mais com nada. Me sentia muito fraco para qualquer coisa.
***
Fazer cocô é uma atividade muito custosa, me traz muitas dores, e não sai nada. Toda vez que faço força, algo que não deveria sair pelo ânus escapa. Eu não aguento mais isso.
***
Me abriram de novo, não quero mais acordar nesse lugar… O que está acontecendo? Desta vez me deixaram aqui por uns 10 dias, morando nesta caixa com porta. Eu observava os rostos, muito desanimados, desolados, tristes… Não desejo isso para ninguém.
***
Estou em casa, as pessoas que cuidam de mim fazem carinho na minha cabeça. Não sei porque, mas minhas patas traseiras estão dormentes, não consigo levantar. Apenas tenho movimento nas dianteiras e no pescoço. Fico encarando as pessoas para ver se elas estão percebendo isso.
***
Minhas patas dianteiras param de funcionar, estão dormentes, não as sinto. Apenas meu pescoço se mexe. Uma das pessoas me carrega para o quarto e me coloca em um pano macio. Ela fica fazendo cafuné na minha cabeça a noite toda.
***
É de manhã, eu apenas consigo mexer os olhos. É uma sensação horrível, parece que não há nada no corpo que não sejam os olhos. Eu solto um grito de dor involuntário, e começa a faltar ar. Um das pessoas se senta ao meu lado chorando, fazendo carinho em mim e dizendo algo que não entendo. Apenas enxergo parte de toda a situação. Eu fico cada vez mais ofegante, respirando muito fundo, escutando um choro ao lado.
***
O último ar que circulou dentro de mim levou consigo toda minha essência. Já não pertenço mais à este lugar.
Obrigado por tudo,
e nos veremos em breve!

Lapsos de Tempo #7

Em casa

Escuto um barulho que me acorda. Abro os olhos, ainda estou deitado nesse objeto macio. Gosto de dormir nele porque meu corpo se encaixa muito bem e minha cabeça fica apoiada nessa parte lateral. Daqui eu consigo ver esses dois gigantes que roncam muito alto. Um deles se levantou para tomar líquido transparente e acabou trombando em algum objeto de madeira no caminho. Foi esse barulho que deve ter me acordado. Não tá na hora de levantar ainda, aquele aparelho eletrônico ainda não tocou a música horrível. Eu adquiri esse péssimo hábito de não conseguir mais dormir depois que a música horrível toca. Para me vingar, eu subo no quadrado macio que os gigantes dormem e faço questão de raspar minha língua na cara deles. Se eu não posso dormir, eles também não poderão. Raspar a língua na cara também vai fazer com que eles desliguem a música horrível, essa aberração tonal que toca todo dia de manhã…
Sigo deitado, apenas observando a horário que a música horrível vai tocar. A partir daí eu posso seguir com minha rotina. Os gigantes são muito frágeis no bueiro gigante, e eu faço questão de acompanhá-los quando eles estão lá. Eles vão todos os dias no mesmo horário. Não sei como aguentam essa rotina. Não sei como eu aguento essa rotina. Eles também possuem um aparato fino para usar após se levantarem do bueiro gigante, eu ainda não sei para que serve. Gosto apenas de desenrolar ele todo pra tentar entender os porquês da existência disso. Sigo sem saber.
Na cozinha o líquido transparente é colocado num objeto de metal, depois começa a pegar fogo por fora enquanto borbulha por dentro. Enquanto isso vou para a sala aproveitar o sol da manhã. Me disseram que é a melhor vitamina D que existe. Gosto de sentir os raios solares adentrando meus pelos enquanto sinto o cheiro agradável do líquido transparente se tornando líquido preto. Nunca me deram isso para beber, só me dão líquido transparente. Talvez seja uma coisa de gigantes.
Começou a ficar quente demais, me levanto e vou para a sombra. Faço isso enquanto observo os gigantes bebendo líquido preto e comendo algo que eles não me deixam comer. Eles proferem sons em concordância, até parece que se entendem. Um emite um som enquanto o outro não emite som. Às vezes eles emitem esses sons se direcionando a mim, como se eu soubesse do que eles estão proferindo sons.
Ambos saem desse local, fico aqui pensando no que devo fazer em todo esse tempo que ficarei sozinho. Tem vários objetos macios onde posso deitar, mas não sei se quero dormir agora. Tem um buraco no local ao lado, parece que tem algo acontecendo ali. Acho que será um bom passatempo observar dentro do buraco. Fico de saco cheio, deito um pouco em cima de um objeto de madeira, só que ao lado da vegetação. Vou na cozinha ver o que está de fácil acesso e que mate minha fome. Não há nada. Até tento saltar na borda do objeto de madeira, mas não há migalhas desta vez.
Olho pra sala e algo brilha, chama minha atenção. Vou para lá correndo e me deparo com um objeto de plástico no chão. Ele possui algum líquido dentro, mas tem uma coisa de plástico que parece impedir que o líquido saia. Me coloco a missão de retirar esse plástico que impede o líquido de sair. Isso ocupa boa parte do meu tempo sozinho. Meus dentes são fortes, mas acho que tiveram dificuldades com esse objeto. Quando eu consigo remover o plástico, o líquido escorre no chão. Eu não sei o que fazer, como que se limpa uma sujeira? Devo raspar a língua? Os gigantes devem voltar e eu não sei como esconder isso. Deito em cima como se a sujeira fosse um objeto macio. Mas logo me levanto por me sentir incomodado com a sensação do líquido na pele. Tento raspar a língua, mas o gosto não é legal e eu acabo desistindo.
A tensão me deixa imóvel e eu não sei o que fazer. Olho para a sujeira que o líquido fez e a fico encarando, maquinando possibilidades. Adormeço sem ver.
Escuto um barulho na rua e desperto rapidamente. É o barulho do objeto de metal que protege o buraco que entra o equipamento mecânico. Os gigantes estão chegando. Me lembro da sujeira e começo a correr e latir, sem saber o que fazer. Não encontro a sujeira, talvez alguém tenha limpado.
Tô aliviado. Corro para o buraco por onde os gigantes entram no local. Estou feliz, eles não perceberão que fiz sujeira e eu não fico mais sozinho.

La Idea, 2023 – Olympus Pen-EE, Double-X PB 200

Na rua

Escuto alguém me chamar lá fora. Vou correndo para entender melhor o que está acontecendo. Me aproximo da grade e vejo a Pequetita passando pelo lado de lá da rua. Ela anda meio pomposa, empinando o bumbum pro pequeno rabo ficar mais aparente. Mas esse hábito faz com que ela caminhe dando alguns pequenos saltos. Seus pelos são de cor clara, contrasta com a calçada escura. Pequetita me avista e, sem cumprimentar, grita em minha direção que a árvore da rua foi contaminada. No meu tempo de reação eu só consigo perguntar de volta quem foi o autor da contaminação. Ela grita que não sabe, mas foi alguém novo. O perfume que estava na árvore era diferente de qualquer outro lugar da região. Eu agradeço e aproveito o dia claro para me deter no sol por alguns minutos. Logo após a Pequetita, o Caquito passou pela rua. Ele me viu, mas fingiu que eu não estava ali. Prefiro contar sobre a contaminação para quem quer saber, Caquito me esnobou, não gostei. Sigo olhando para a rua, Suzi passa e eu aviso que a árvore está contaminada. Ela me responde, diz que a Pequetita já avisou a ela, mas que ela precisava ir na árvore conferir a nova fragrância. Eu digo que só irei de noite, mas que gostaria de saber as atualizações no decorrer da tarde. Suzi segue caminho e se detém na árvore da rua. Eu fico observando. Ela sente o cheiro e olha para mim, confirmando que é alguém diferente. Isso me deixa mais curioso. Tinoco vem descendo a rua. Ele é mais parrudo, curte subir numas árvores. Já fiquei sabendo que ele até já subiu muro. Da rua, eu acho que ele é o mais ágil. Mas eu o vejo pouco, ele vive um pouco mais distante, mas sempre cumprimenta quando passa por aqui. Uma vez ele disse que me traria um pedaço de osso e deixaria aqui na minha porta, eu agradeci, mas recusei a oferta. Ossos não me fazem bem. Tinoco parou na árvore, trocou algumas palavras incompreensíveis com Suzi, e me olhou. Será que a Suzi falou de mim? Tinoco desceu mais e parou aqui em frente, perguntou o que eu já sabia do caso da árvore. Eu disse que havia uma nova fragrância que contaminou a árvore e que era de alguém desconhecido. Ele me confirmou a informação, disse que eu deveria ser mais enxerido pra coletar informações. Eu disse que tentaria, mas nem sempre dá tempo. Tinoco fingiu que estava caçando lugar para defecar enquanto conversávamos. Depois de um tempo despistando, ele seguiu viagem. Ver ele despistando me deu vontade de mijar. Aqui neste espaço tem plantas, e eu posso liberar o xixi aqui sem perder as atualizações sobre a contaminação da árvore da rua. Fiquei algum tempo olhando para a árvore da rua, o que poderia ter contaminado ela? Preto e Branco estão subindo a rua. Eu acho que eles são irmãos, mas não tenho certeza. Eles são parecidos, exceto pela cor curiosa de seus pelos, um é claro e o outro é escuro. Eu nunca sei quem é quem. Quando os vejo subindo eu só os chamo de Zé. É muito mais fácil e ambos atendem. Eu aviso que a árvore da rua foi contaminada por alguém desconhecido. Eles apenas acenam, não dizem nada de volta. Acho que eles têm medo de gritar muito alto e serem punidos por isso. Pelo menos fiz minha parte em avisar. Eu apoio a cabeça na grade e me concentro na árvore da rua. Quero sabe em primeira mão a origem da fragrância que contaminou a árvore da rua. Mas depois de tanto tempo, não avisto nada de anormal. Pingolino mora em frente à árvore, em breve tá na hora dele sair pra dar uma volta. Talvez ele tenha mais informações sobre o caso. Roger passa antes, avisando que talvez não seja bom verificar o odor, pois se contaminou a árvore, sabe-se lá o que pode fazer com a gente. Margarete diz que é uma fragrância meio doce, estranha, que deixa a gente enjoado. E se todos adoecermos por causa dessa contaminação? Avisto o portão abrindo e Pingolino está dando as caras, finalmente. Ele sai, analisa a árvore, e começa a buscar possíveis ouvintes pro seu caso a solucionar. Ele me avista e vem na minha direção. Ele me diz que viu algo preto sair de um negócio vermelho, cair na árvore da rua e começar a borbulhar. Foi isso que contaminou a árvore. Não foi um desconhecido, porque não foi um de nós. Eu tento ficar mais tranquilo em saber que não tem desconhecidos contaminando a árvore da rua, mas me preocupa esse líquido preto borbulhante e adocicado que contamina tudo…

La Idea, 2023 – Canon BF-800, Fomapan BW 100

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Lapsos de Tempo #6

Pedrinhas – Lugar Mágico

Em toda grande metrópole há um sítio grandemente benquisto por seus habitantes locais. Imagina um lugar que funciona como um ponto de encontro para fortalecer o lado social; um lugar cujos turistas e viajantes fotografam sem piedade e de maneira predatória buscando o ângulo perfeito; um lugar que, de tão nobre, mostrou ao mundo toda sua magia e encanto. Hoje me dedicarei a apresentar Pedrinhas, lugar mágico no pequeno grande povoado de Bonito Cenário Profundo.
Bonito Cenário Profundo emergiu como um povoado a partir da ocupação dos grandes vales que se encontram ao centro de uma placa tectônica estável. Geologicamente monótono, o povoado ganhou fama na década de 30 por apostar alto em uma arquitetura fantasiosa, que remetia à um certo futurismo Jetsoniano, uma visão bem à frente de seu tempo. O povoado desenvolveu-se com vários campos tecnológicos de extração, exploração, estudos e indústrias do mineral abundante em seu solo, o Gnaisse, que viria a ser o símbolo de que o porvir já havia chegado ao presente, e que o presente, agora, já era coisa do passado.
O circuito de produção e desenvolvimento era tão complexo para a época, que foram necessários 90 anos para que várias ideias de urbanismo fossem colocadas em prática, mesmo depois da compreensão falida em relação ao modelo de cidade futurista que foi pensada naqueles tempos. O Gnaisse, rocha de extrema dureza, era retirado do solo para servir de estrutura das torres que eram utilizadas de escritórios e residências. O espaço deixado pelas rochas no solo, era ocupado por água de rios, fazendo com que os vales se enchessem rapidamente e inundassem as cavernas rochosas por baixo da cidade.
Com o passar do tempo e a indisponibilidade de recursos para extração e estudos, além do baixo investimentos em tecnologias de produção, as construções em Gnaisse tiveram que ser abandonadas, transformando o povoado de Bonito Cenário Profundo em um povo fantasma, um grande vale úmido com imensas torres de pedra.
A virada de jogo apareceu quando pessoas de várias partes do mundo, aterrissavam na região para conhecer a cidade perdida de Gnaisse. Várias lendas, mitos, boatos e rumores correram os quatro cantos do globo terrestre, e a cidade compreendeu um verdadeiro boom populacional, com muitas pessoas interessadas em viver na região.
Acontece que com o passar dos anos, parte da história se perdeu. Quem vivenciou o auge político-econômico da região já não se encontra mais neste plano. Porém, um resquício da história pode ser vista a olhos nus na região que ficou conhecida como “Pedrinhas”. Pedrinhas é um complexo de três grandes blocos de Gnaisse, possivelmente utilizados na construção civil, e que se tornaram parte definitiva da história que é contada hoje. Os blocos já foram solo, já foram torres, e agora são bancos.
Os moradores que costumam se encontrar no sítio arqueológico são autodenominados Gnaissianos, e eles podem sentir forças mágicas que atuam na região dos blocos. Há quem diga que existe um momento do dia em que se pode escutar vozes vindas dos blocos, mas é apenas em um momento específico em que o sol ilumina por igual as três grandes rochas.
O Governo local conseguiu um alvará no Ministério Internacional de Exploração do Turismo em Lugares Mágicos para utilizar o rótulo de “Lugar Mágico”, comprovando que muito do que se falava sobre a região é, de fato, realidade. Pedrinhas entrou na lista dos lugares mais visitados do mundo, perdendo apenas para Paris na França, mas conta com o maior número de hashtags publicadas nas redes sociais, liderando as buscas por turismo fotográfico.
Pedrinhas, Lugar Mágico, badalado e agitado no coração cêntrico da região monótona de Bonito Cenário Profundo.

La Idea, 2023 – Olympus Pen-EE, Shangai GP3 100 BW

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Lapsos de Tempo #5

Trajetos com pensamentos fluidos

Para dar movimento impulsiono com meu pé direito ao mesmo tempo em que salto passando a perna por cima do banco. A rotação do pedivela me permite fazer todo o movimento sem parar a aceleração. Com o pé esquerdo posicionado ajusto meus ísquios para ter maior apoio. Olho adiante e traço uma rota imaginária, meu pensamento como se fosse um drone transitando nas ruas e deixando um rastro de sua passagem. Tenho meu caminho planejado, só preciso transita-lo. Um quarteirão adiante está situado o local onde se produz minha pizza favorita. Lembro de uma massa fina, com molho de tomate, folhas, queijo vegetal, alguns legumes e palmito. Meu estômago ronca ao perceber a fragância suave do forno que está com a chama acesa. Passo direto e viro a primeira esquerda, no semáforo. É uma rua mais larga, mais movimentada, mais longa. Desço até o semáforo que está aberto, cruzo a avenida e sigo adiante. Nesta rua estudei por dois anos. Fiz algumas amizades, tive alguns amores, aprendi bastante nesta época. Tinha acabado de sair da adolescência, já era um adulto, mas ainda possuía a vitalidade juvenil de perambular por estes lados. Vejo o local onde estudei, abandonado, sujo, morada de ratos e entulhos. O que aconteceu para chegar à essa situação? Passo direto, vejo o restaurante que não me deixaram entrar para almoçar enquanto estudante na região. Afinal, “um punk vestido a caráter não pode frequentar um lugar como esse!”, é proibido. Melhor passar fome do que me misturar com essa gente de caráter duvidoso. O restaurante está razoavelmente cheio, alguns poucos lugares vazios, todas as pessoas desfilando seus melhores trajes empresariais e sorrisos falsos. Dou uma risada irônica ao pensar nisso tudo, e sigo rotacionando o eixo do pedal, que rotaciona o eixo central de bicicleta. O movimento é contínuo. Depois do próximo semáforo, cortaremos uma avenida larga, de oito pistas, mão e contramão. É uma avenida interessante, com coqueiros no canteiro central. Desvio de duas tampas de bueiro que indicam que embaixo do pavimento há córregos, presos e algemados na claustrofobia da tubulação canalizada. Sigo adiante na descida para a praça da Igreja. É uma descida relativamente íngreme, onde preciso ter cuidado para não ser atropelado. Na primeira esquina, um carro se detém ao ver o sinal de “PARE” bem em frente a um outro restaurante onde eu costumava almoçar. Era caro, mas pelo menos me deixavam entrar para comer. A comida era boa, com muitas opções para quem é ovolactovegetariano. Na esquina de baixo chego na praça arborizada, que a Igreja transformou em um grande estacionamento. Penso comigo mesmo que nem se pode mais chamar isso de “praça”. Sigo direto frustrado com a imagem do apocalipse motorizado em um local que poderia, muito bem, estar liberado para o ser humano. Viro à direita, acesso a pista exclusiva de ônibus, mas que não possui separação física em relação às outras pistas, e aumento a velocidade. Esta rua já possui um movimento de automóveis de forma mais intensa. Acesso o corredor que foi criado entre os veículos que aguardam a luz verde, e me detenho por sobre a faixa de pedestres. Olho para a Avenida, sinto um fluxo de brisa fresca misturada com o calor dos motores que roncam atrás de mim. Na luz que me permite seguir, arranco a bicicleta do chão e tento forçar uma velocidade maior. Tenho sempre receio de que algum veículo mais veloz passará por cima de mim nessas arrancadas. Sigo para a região onde se situam vários hospitais e clínicas, logo após a Avenida principal da cidade. Vejo o Pronto Socorro e surge uma memória ruim de um atropelamento que sofri alguns anos atrás. O motorista ignorou minha presença e me acertou de lado. Parei no pronto socorro com fraturas no joelho e no calcanhar, 6 meses de molho, fazendo fisioterapia para conseguir voltar com as atividades rotineiras. Ainda acho que tive sorte de não ter sofrido algo mais grave. Ao passar pela portaria do Hospital agradeço a qualquer força da natureza por não ter sofrido nada mais preocupante. Sigo adiante, vou cruzar o viaduto e já chego em casa. O viaduto possui uma subida leve, mas eu conheço alguns atalhos para cortar caminho e evitar o pequeno morro. Geralmente eu gosto de subir morros, sentir minhas panturrilhas trabalhando, mas hoje eu estou cansado. Só quero chegar em casa, tomar banho e descansar. São dois quarteirões planos por baixo do viaduto, uma leve subida à esquerda, dois quarteirões de leve subida à direita, mais três quadras de plano e já me encontro do lado de lá. É um trajeto onde passo contra a mão dos automóveis. Corro risco, mas é necessário para evitar a fadiga. Cruzo o viaduto fazendo um movimento perpendicular, aproveitando a detenção dos automóveis no semáforo do início do viaduto. Passo em frente um bar onde tem as melhores batatas fritas, aquelas de verdade, pedaços grandes, frescos e com casca. Apesar da água na boca que surge com a lembrança, prefiro seguir mais um quarteirão e já avistar minha humilde residência. Acelero para ultrapassar a linha de chegada imaginária e solto um suspiro aliviado por chegar em casa com vida. Cansado, exausto e endorfinado. Passo a perna por cima do banco fazendo um movimento de saída e salto da bicicleta de forma ágil. Apoio a bicicleta na parede enquanto abro o portão. Guardo a bicicleta com tranca, pois no bairro são vários os furtos e roubos deste tipo de veículo. Abro a casa, tomo um banho e me sento no sofá para relaxar. Não consigo parar de pensar que eu deveria ter comprado a pizza logo quando subi na bicicleta.

La Idea, 2023 – Canon BF-800, Fomapan BW 100

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Lapsos de Tempo #4

Passagens

Era meados da tarde. O sol vinha na diagonal, forte e intenso. Estou entre automóveis, seguindo a linha tracejada branca que separa as pistas. Tenho olhar atento para setas piscadas e movimentos bruscos. Qualquer coisa pode significar minha queda. Tenho receio de ultrapassar, mas me sinto seguro para acelerar quando vejo os olhos do motorista pelo retrovisor. Ele me observa por tempo curto, segundos que me indicam a segurança da ultrapassagem. Ele me vê, desloca um pouco para a direita deixando vão aberto. Não sei se ele está preocupado comigo em cima da bicicleta e o estrago que eu poderia sofrer em um possível choque, ou com a possibilidade da lataria do veículo dele ser arranhada com meu contato. Eu passo, seguro e confiante, acelero a rotação porque vem uma reta plana. Não há semáforos, mas ainda assim o trânsito de veículos automotores segue em ritmo lento. Atrás de mim uma moto se aproxima. Não há como sair da frente, não há por onde escapar. Eu acelero mais ainda a rotação, pois vejo um vão livre por onde a passagem flui. Conto com minha destreza em costurar para compreender quais os lugares onde posso passar sem maiores problemas. Retrovisores pareados, fluindo a um ritmo lento me trazem tensões, mas ainda consigo passar apertado entre automóveis. A moto fica para trás. Vejo um longo corredor aberto, livre de obstáculos. Foco no ponto de fuga que surge na linha do horizonte, olhar concentrado para a utopia. O vento bate forte na minha cara, secam meus olhos ao mesmo tempo que deixa escapar uma lágrima involuntária. Eu entrefecho as pálpebras para melhorar a visão. Um caminhão ocupa mais espaço de pista que o automóvel a seu lado. Aproveito a brecha deixada por um automóvel, olho para trás, rápido e discreto, e consigo quebrar uma diagonal para mudar de corredor. O carro se assustou e hesitou em frear, mas eu já havia passado. O coração batia forte, a adrenalina estava alta. A respiração começa a falhar pelo esforço, pelo calor e pela poluição. Opto por dar respiradas mais longas, puxando pelo nariz e soltando pela boca. Tarefa difícil de se fazer quando se já está cansado e ofegante. Mas ainda tem muito trajeto pela frente. Neste corredor os automóveis são mais impacientes, mudam de faixa como se fosse adiantar alguma coisa. Não consigo manter velocidade constante. Freio, acelero, freio, acelero, acelero mais, dou a volta. Alguns carros não conseguem mudar de faixa por completo e a parte traseira come parte do corredor. Eu desvio e sigo com rotação intensa. A faixa branca tracejada atropela tampas de bueiro. Me desagrada muito o relevo dos bueiros no meio da pista, instabiliza a bicicleta, fico inseguro. Quero retornar para o outro corredor, mas não encontro espaços para fazer a manobra. Além do que, várias motos já fizeram um grande corredor na pista de lá, com suas buzinas irritantes e escapamentos barulhentos. Decido seguir por cima dos bueiros, pelo menos eles estão com tampa. Mais adiante, vejo um semáforo fechado. Começo a observar se existe algum sinal de que ele irá abrir e eu não precise frear. Estou atento à qualquer mudança de padrão da ordem contextual vigente. Na rua transversal os carros começam a ir mais devagar, o semáforo de pedestres começa a piscar no vermelho, escuto alguns câmbios se encaixando com uma embreagem mal pisada. Escuto controles de embreagem desnecessários em uma reta plana. Aos sinais eu acelero mais ainda a rotação. Confiro se não há pedestres retardatários e me concentro nos próximos movimentos. Quero cruzar todas as pistas, passando pela frente de todos os automóveis que ainda não arrancaram, e acessar a rua transversal. Minha velocidade me permite, minha disposição me encoraja. Eu me arrisco e vou, livre e confiante. Acesso à rua, e um novo corredor se inicia. As pequenas vitórias duram pouco tempo para serem contadas em seus mínimos detalhes.
***
Era fim de tarde, início da noite. Quase naquele momento que gostamos chamar de “luscofusca“. Nem tão claro a ponto de conseguirmos enxergar tudo, nem tão escuro a ponto da luz artificial fazer alguma diferença na luminosidade. Eu andava tranquilo por um viaduto, levemente inclinado para cima. Várias pessoas passavam por mim, todas desconhecidas. Ninguém me cumprimentou, não cumprimentei ninguém. Mal nos olhávamos nos olhos. Ninguém me observou, eu não observei ninguém. Eu olhava para o que seriam meus próximos passos. Olhava os automóveis trafegando em câmera lenta, ora engarrafados. Via os edifícios que se aproximavam a cada passo. Olhava toda a matéria morta que se encontrava ao meu redor. Seguia meus passos sem olhar as pessoas. A gente fica duro quando caminha pela cidade grande…

La Idea, 2023 – Olympus Pen-EE, Double-X 200 BW

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Lapsos de Tempo #3

Para cima ou para baixo

– Papai, porque as casas ficam umas em cima das outras?
– Como assim filho?
– Eu olho pela janela, e vejo esse amontoado de casas, uma em cima das outras. Porque elas são assim? Porque os prédios são tão altos?
– Filho, os seres humanos possuem duas formas de interagir com o mundo. Elas são interligadas, uma só existe por causa da outra. Uma tem a ver com a destruição, outra com a construção.
– Não entendi…
– Calma que irei te explicar.

– Já fazem muitos e muitos anos que as pessoas decidiram que gostariam de viver umas perto das outras em espaços de terra que chamaram cidades. Nós hoje vivemos em uma cidade considerada grande. Porém, a cidade não pode existir sem que tenha alguma estrutura que a construa, que abrigue as pessoas, que possa funcionar de alguma maneira. Portanto, dois fenômenos não naturais são muito praticados, e de uma maneira que é bem forte se pararmos para pensar sobre isso.
O primeiro deles diz respeito à construção. As cidades ocupam pequenos pedaços de terra que precisam abrigar um número enorme de pessoas. Portanto, essas pessoas decidiram que queriam subir cada vez mais alto, para caber mais e mais pessoas. Os prédios possuem cada vez mais andares, alcançando alturas inimagináveis. As casas começaram a subir os morros, a ter mais andares pra comportar mais famílias, e ninguém considera o impacto dessa concentração populacional em lugares que já não suportam mais pessoas. As bordas dos rios, córregos e ribeirões já estão tomados por concreto e suas águas já são puro dejetos.
Tudo isso também vem acompanhado de uma produção de bens móveis que são consumidos e descartados aos montes. São coisas essenciais e não-essenciais que fazem parte da vida citadina, mantém o comércio aquecido e a economia girando, geram prazer, deleite, ajudam no social e no profissional. Tudo isto que consumimos hoje são essas coisas que logo serão descartadas. Inclusive alimentos, roupas e itens de higiene pessoal.
O segundo fenômeno é o da destruição. Tudo isso que precisa ser construído sai de algum lugar. Os seres humanos decidiram que era uma ótima ideia criarmos crateras gigantes, de onde pudéssemos extrair de forma predatória todos os recursos do planeta terra, para construirmos mais e mais abrigos, mais e mais itens de consumo essenciais e não-essenciais para a vida no espaço urbano. Acabamos dependendo de tudo isso, da destruição do solo, das matas, dos rios, dos recursos terrenos que são nossa sobrevivência.

– Mas, papai, se precisamos disso para construir abrigos e alimentos, é porque é necessário, não?
– Filho, aqui nós precisamos pensar de uma maneira mais profunda. Nós estamos destruindo o solo e a superfície, esgotando todos nossos recursos para chegar cada vez mais alto com nossos estilos de vida.
Pensa em uma analogia que pode ser interessante: Enquanto construímos nossas casas e abrigos cada vez mais perto do céu, nos aproximamos do inferno a cada vez que destruímos a terra para explorar de maneira predatória seus recursos. O meio termo seria um estilo de vida mais equilibrado, que não fosse tão predatório e que não precisasse amontoar tanta gente num mesmo espaço de terra.
É impensável o que nos aguarda no futuro se mantivermos esse ritmo de construção e de destruição. Lembra daquele cientista que disse que nada se cria, tudo se transforma? E se tudo que passa por uma transformação fosse caminhar para algo pior? Embora hoje tenhamos algumas facilidades, ainda não se justifica o caos do porvir.

– Não sei se entendi bem, papai…
– Quer que eu tente explicar de outra forma?
– Não, você fala muita coisa que não dá pra entender. Melhor deixar pra lá…

La Idea, 2023 – Canon BF-800, Fomapan BW 100

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Lapsos de Tempo #2

Portuñol avançado

– Olá, bom dia! São ameixas?
– Hola mijita, como vá? Son ciruelas, te salen diez Reales la bolsita.
– Mas isso não parece seriguela, parece mais ameixa…
– Pues son ciruelas… Si quieres, las puede elegirlas tu.
– Obrigada… Posso escolher qualquer uma?
– Si, pero estas de la derecha las tengo que botar…
– Botar na sacola?
– No, las tengo que botar, tirar!
– Botar na sacola e tirar da banquinha?
– No, no, no! Ya están malas. No sirven. Hay que desecharlas. No van para la bolsita!
– Hummm… Entendi… Dez Reais, né?
– Diez por la bolsita llena.
– É isso mesmo! Vou pegar o dinheiro!!
Que se sinta segura, pues te cuida el oso!
– Que osso?
El osito, te mira y te guarda.
– Mas onde que tem osso aqui? É tipo um osso da sorte?
No sé si de suerte, pero es una buen línea pa’ que el cliente se sinta seguro!
– E onde que eu acho esse osso?
Te mira desde el vidrio. Le regale una buen sonrisa!
– Óh!! Hahahaha, não tinha percebido.
– A toda la gente él sabe como sacar una sonrisa.

La Idea, 2023 – Olympus Pen-EE, Samsumg 200 color, vencido.

Eu sei o que estou fazendo, Roberto!

– Você está mexendo no lugar errado, Silvano! Essa mangueira liga diretamente no motor!
– Mas eu lembro de como tava antes! O motor pifou, eu vim aqui pra abrir o capô e eu vi essa mangueira soltar!
– Mas eu tô te dizendo que ela liga diretamente no motor. Não faz sentido ligar no reservatório de líquido arrefecedor!
– Não tem líquido arrefecedor aqui, esse motor tem radiador, ele usa água!
– Água? Não tem dessa não! Nenhum carro produzido depois dos anos 60 usa água. Água só se for pra limpar o pára-brisa!
– Deixe eu fazer o trem aqui Sô, cê fica aí dando pitaco errado. Eu sei como estava antes, isso já aconteceu outras vezes.
– Não Silvano, cê tá tentando enfiar uma mangueira onde não tem lugar pra enfiar, deixa de ser ignorante!
– Se bem que o problema parece estar na válvula esquerda, olha como ela está diferente das outras!
– Com certeza não é esse o problema, cê fica testando coisas que não tem a ver nada com nada, e não consegue enxergar o problema principal!
– Bixo, eu consegui arrumar das outras vezes numa boa! Só porque você tá aqui que esse trem num arruma.
– Agora a culpa é minha?
– Sempre foi. Tô te falando que já rolou isso antes e eu consegui arrumar…
– Arrumou tão bem arrumado que deu problema de novo na mesma coisa. Para de fazer gambiarra, Sô!
– Eu sei o que tô fazendo, Roberto! Faria mais rápido se você num tivesse aqui me enchendo!
– O sinal já abriu e fechou 20 vezes e você continua aí achando que sabe de alguma coisa.
– Aqui cê dêxa! Puta merda, eu mereço…

La Idea, 2023. Canon BF-800, Fomapan BW 100

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Lapsos de tempo #1

Um lado que vem e outro que vai

Me detive sobre uma passarela e observei a paisagem que margeava a ponte suspensa. De um lado vinha o ribeirão, rasgando o concreto, com força, com fluxo. Vinha de edifícios carregados, densos. O ribeirão abria passagem em meio ao caos, sua existência nunca pôde ser ignorada. Chegava a mim de forma abrupta, porém silenciosa. Do outro lado, o ribeirão vai se distanciando, sereno. Seu caminho já está traçado, aberto em uma paisagem tranquila. O horizonte está logo ali, apenas esperando sua passagem.
Onde estou? Exatamente no momento da mudança de humor do ribeirão. Onde a cidade, talvez, começa respirar.

La Idea, 2023. Olympus Pen-EE, Doble-X BW 200, vencido.

Caramelitos

“Qué pasó con esa gente? Me han dicho que este haberia de ser un buen punto pa’ ganar platitas. Estoy todo el dia parado aqui, y todavia no vendí lo que necesito pa’ pagar las cuentas. Ahí viene un auto, voy a ver que sale!”

– Oye Señor, buendía! Te puedo ofrecerle caramelitos para tus ninõs, pa’ que regale a alguien que te gusta? Hay muchos sabores, hay de chocolates, de frutas, hay de eses que dejan la lengua azul, todos muy ricos!! Te gustaria? Con solamente dos reales te puedes llevar una bolsita con 5 caramelos! Que crees?”

“Hijo de la chingada, putamadre. Manejas un auto importado y ni siquiera bajó el vidrio para escucharme! No aguanto más esa gente! Piensan que los pobres no son problemas de ellos. Voy por el otro!”

– Buendía papito, como vamos hoy? Todo al cien? Hay caramelitos que saben bien a toda familia, vamos por una bolsita ahora? Hay de muchos sabores…

“Qué coño!! Viste como me ignoras? Puro mamón! Con el semáforo verde solo puedo aguardar el próximo puto que se detiene ahí en la calle. Voy mirar al inicio de la calle, pues de ahí viene mi próximo cliente.”

La Idea 2023. Canon BF-800, Fomapan BW100.

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