Queimando olho

Domingo de manhã eu queimei meu olho esquerdo. Eu não estava brincando com fogo, nem olhei um eclipse sem raio-x. Não teve calor, nem chamas e nem foto-ofuscamento. Foi uma queimadura química provocada por agentes tipo C-Corrosivos.
Traduzindo a situação, eu guardei a manhã de domingo para tirar fantasmas das telas de serigrafia. Os fantasmas são manchas químicas e gordurosas que se fixam nas telas, e ainda que não dê nenhum problema, elas podem dificultar a fixação da emulsão fotossensível, fazendo com que a tela abra nas regiões frágeis e a impressão fique manchada.
Eu comprei o Remoclean Removedor Mono, comprei luvas de neoprene resistentes à corrosão, comprei óculos de segurança e máscaras. Foram 3 sessões de limpeza, e a ideia era tirar os fantasmas de quase todas as telas desgravadas que tenho aqui no meu estúdio. Nas duas primeiras sessões ocorreu tudo certo. Passo o produto, aguardo 15 minutos, jateio com água e a tela fica extremamente limpa, sem vestígios que fora outrora utilizada.
Na última sessão, domingo, me aguardavam as maiores telas, que eu uso com menos frequência e por isso eu estava em um clima mais tranquilo e, aparentemente, mais desatento. Eu logo coloco os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e já inicio o processo de passar o Remoclean nas telas grandes. Eis que o primeiro momento horrível de 2024 aparece.
A esponja de nylon agarra na lateral de uma das telas e ricocheteia em minha direção parte do produto químico, corrosivo, ácido. Foi a pior maneira de descobrir que eu havia me esquecido de colocar os óculos de proteção. Várias coisas passaram pela minha cabeça. Com o impacto e o início da ardência, minha primeira reação foi tapar o olho com a mão e correr em direção a um tanque. Segurei minha pálpebra aberta e deixei água corrente escorrer no olho esquerdo, que ardia em chamas. Não, eu não enxergava nada, tudo embaçado à minha frente. O nervoso que eu tenho com qualquer coisa que envolve olhos foi deixado de lado para que eu pudesse salvar minha visão. Meu olho ardia como se fosse uma bola de fogo.
Após alguns minutos debaixo da torneira do tanque, entrei em casa para enxugar a cara enquanto acordava minha companheira com os dizeres: “ACORDA, ME LEVA PRO HOSPITAL, QUEIMEI O OLHO!”.
Foi difícil compreender que eu poderia perder parte da visão naquele momento. Eu lacrimejava muito, e eu ainda não sei se eram lágrimas provenientes da resposta do corpo à queimadura ou ao choro pela ardência e pelo vacilo que eu tinha dado naquela manhã. Minha companheira levanta correndo, estava conversando com alguém no celular. Ela me pergunta “Qual produto que é? Quais os ingredientes?” e eu só consigo responder que eu não sei, só sei que é corrosivo. Ela conversa com uma amiga que é oftalmologista, e nós buscamos por informações na embalagem do Remoclean. R20/21/22-35 S 7/9 – 26-36/37/39-45. Esse código são as únicas informações que aparecem. Acessamos o Boletim Técnico no site da empresa fabricante, e na seção dos ingredientes um belo “Segredo de Fábrica” frustra nossa intenção de descobrir como tratar a queimadura.
Meu olho ardia, e eu seguia segurando minhas pálpebras abertas debaixo da torneira aberta com água corrente. Menos mal que, apesar da ardência e do embaçamento, eu conseguia enxergar alguma coisa. Saímos de casa, seguimos para o hospital para consultar com um plantonista. Após um tempo de espera razoável tenho meu olho esquerdo analisado por um profissional.

Ele me diz que eu tive sorte, pois havia apenas uma irritação na parte branca do olho, nada atingiu córneas.
Ele me disse que eu ainda ficaria uns dois dias com muito incômodo no olho.
Ele me disse que eu deveria pingar um colírio anti-inflamatório de 6 em 6 horas, durante 5 dias.
Ele me disse que eu deveria pingar colírio comum de hora em hora, pra ajudar na lubrificação.

Hoje é meu último dia de colírio anti-inflamatório. Ele arde. Eu nunca tive o costume de usar colírio. Não me agrada o gosto que surge na garganta após pingar qualquer colírio nos olhos. Eu não sabia pingar, sempre errava a mira. Depois de alguns dias pingando, já me tornei expert em pingar somente no olho. A prática leva à perfeição. E eu que jurei que sairia do hospital com um tapa-olhos, saí apenas com uma sensibilidade à luz. Não conseguia ver telas, doíam meus olhos. Eu tinha uma sensação esquisita de que havia areia debaixo da minha pálpebra superior. Meu olho inchou, ficava fechado bastante tempo, e as pálpebras grudavam com a quantidade de remelas que surgiam. Na terça-feira meu olho amanheceu aberto, com muito menos incômodo, mas ainda lacrimejando bastante.
Tudo passou pela minha cabeça nesses dias para cá, tudo.

Eu ainda não tive coragem de limpar os fantasmas das telas maiores.

Animaçãozinha relax de momentos tensos

Homenagem a Nêgo Bispo

Antônio Bispo dos Santos faleceu dia 3 de Dezembro de 2023. Eu me lembro bem do momento em que fiquei sabendo da triste notícia. Eu estava em Brasília, participando da Feira Gráfica MOTIM, que teve esta edição no Museu Nacional. Eu olhava para minhas gravuras expostas, e com destaque na minha banquinha havia a “Transfluência“, a gravura que fiz a partir de uma entrevista com Nêgo Bispo presente no livro “Mobilidade Antirracista“. Eu me inspirei muito na época ao ler cada palavra de Bispo. Já fazia um tempo que não produzia nada tão significativo e profundo, e esse foi um trabalho de pesquisa conceitual e imagético que me fez gastar muita energia no desenvolvimento. E é curioso porque muitas pessoas se interessam pela gravura, pela postagem que fiz falando sobre o processo de produção dela, mas ela está longe de ser um produto lucrativo pra mim. Acho que até hoje eu vendi apenas 1 cópia dela, para um casal de médicos que haviam parado na minha banquinha numa feira em BH. Mas talvez esse diálogo sobre tentar ~viver de arte~ não seja o mais adequado para este momento. Desde o dia 3 que eu fico pensando no que poderia fazer para prestar essa homenagem à uma pessoa que me tirou um pouco da inércia de ideias, e me fez repensar um pouco sobre a forma como eu produzia algumas coisas, sobre algumas associações que fazia enquanto artista visual. A entrevista dele me fez voltar a pesquisar para produzir. E eu digo que estava em dúvidas se fazia uma homenagem ou não com o receio de cair no oportunismo capitalista de almejar lucro aproveitando o momento do óbito de alguém. E isso não é e nunca será minha intenção aqui. Hoje eu entendo o quanto eu gostaria de agradecê-lo pelas ideias que ele expressou e que ecoaram na minha cabeça. Talvez ele nunca saiba da importância que ele teve na minha vida. Hoje mesmo eu estava pensando se eu tomei conhecimento da existência dele tarde demais… Mas acho que eu o conheci no momento certo em que suas ideias dialogavam as minhas. Tudo vibrou na mesma frequência.

Hoje eu fiz uma ilustração do Nêgo Bispo usando a referência de uma fotografia em que ele apoiava a cabeça nas mãos que se entrecruzavam na nuca. Ele olhava para cima, descansado e tranquilo. Um momento de paz e suavidade. Ao fundo, coloquei a imagem em marca d’água da gravura que fiz baseado nele, Transfluência. Nessa ideia, o conhecimento dele seguirá viagem através de outras matérias, e se recriará em outros povos. Tudo segue conectado.

VIDA LONGA NÊGO BISPO! OBRIGADO POR TUDO!

Fragmentos #3

Leia os capítulos anteriores na seção Fragmentos do Menu

Capítulo 3

A semana passou voando. Muitas reflexões de como conseguir ministrar uma oficina nestas condições e pensando em como minimizar os efeitos dos conflitos que poderiam ser gerados ali. Fiquei pensando que seria interessante se os jovens pudessem continuar o desenho que começaram na última oficina, dando um acabamento ao desenho que talvez pudesse conferir à atividade um sentimento de que o processo funciona e que é importante, e o acabamento é o último que fazemos. É o ponto final que damos à imagem depois de esboçar todas as partes necessárias. 
Pareceu-me uma ótima ideia, ao mesmo tempo em que uma insegurança voltou a tomar conta de mim. E se houvesse jovens que não estavam ali no dia da última oficina? E se os jovens que não se interessaram pela oficina seguissem apáticos sentados à mesa, completamente desinteressados? E se os jovens da última semana fossem escalados para a atividade externa e eu tivesse que lidar com jovens ainda desconhecidos por mim?
Tive que me sentar novamente e repensar todas essas possibilidades. Se fossem jovens novos eu ministraria a mesma atividade da semana passada. Se fossem os mesmos, eu falaria para eles darem acabamento ao desenho que iniciaram na última semana. Se fossem jovens mistos, eu mesclaria as atividades. Sim, agora estava mais seguro. Mas e aqueles jovens que fizeram desenhos que foram considerados apologias? Eles deveriam começar outros desenhos? E os que escreveram ao invés de desenhar, como proceder com estes? Por mais que eu planejasse cada passo dentro da Casa, na hora da oficina provavelmente eu teria que lidar com várias questões espontâneas. Precisaria lidar com várias angústias ao retornar pra casa também. Tudo que acontece nesse espaço-tempo chamado trabalho, reflete no meu descanso, nas minhas horas vagas. Estamos sempre trabalhando a cabeça, maquinando formas de fazer diferente, de melhorar, de desenvolver algo mais interessante.
Depois do almoço, pego minha mochila, subo na bicicleta rumo à Zona Norte. A sensação de distância durante o trajeto já começa a parecer mais curta. Aprendo novas rotas e ruas para cortar caminhos. Mas quando chega na lagoa não tem jeito. Talvez seja a parte mais longa e plana do trajeto, de onde não há escapatórias ou atalhos. Ali é um misto de brisa úmida com sol a pino. Ingresso no bairro por uma avenida larga, com ciclofaixa no canteiro central. Me mantenho na avenida por um tempo tão curto que não vale a pena o risco de atravessar a via para alcançar a ciclofaixa. Desço rápido pela direita, satisfeito com o espaço da pista ocupado por mim. Morros vêm e vão, e chega a descida íngreme antes do ribeirão. Desacelero e vou com cuidado já sabendo dos riscos iminentes. Mais uma subida e chego à Casa.
Novamente aperto a campainha, um funcionário pega meus documentos e me deixa na rua esperando por alguns minutos. Isso me irrita um pouco, não era minha primeira vez ali. Após um tempo eu entro, cumprimento todos que estão presentes na sala principal trabalhando e vou direto pra sala ao fundo. A Terapeuta vem conversar comigo. Ela diz que hoje tem menos jovens. Houveram algumas situações na Casa no decorrer da última semana, e que hoje a oficina seria para apenas cinco jovens. Houve evasão de vários deles, que saíram para suas atividades rotineiras, como trabalho e escola, e não retornaram. Os juízes responsáveis emitiram mandados para buscar esses jovens, mas ainda não sabem seus paradeiros. 
Eu separo material suficiente para cinco jovens, praticamente os mesmos utilizados na semana passada, mas adiciono materiais como caneta esferográfica, hidrográfica e marcador permanente. Agora iremos trabalhar com contraste, com acabamento também. Separo vários papéis virgens e também os desenhos inacabados da semana passada. Pode ser que tenham jovens ali que queiram finalizar seus desenhos. O Agente não me aguarda descer para fazer a contagem e conferência do material. Ele sobe até a sala onde eu estava com os materiais. Enquanto ele conta e anota, me faz várias perguntas pessoais, onde moro, de onde sou, porque venho de bicicleta? Eu respondo, não tenho nenhuma questão com isso. Ele afirmou que eu era louco de pedalar isso tudo. Ele me disse que morava mais perto que eu e fazia questão de vir de carro. Eu disse que não tinha carro, e nem fazia questão de ter. 
Desci portando o material. Um outro Agente abriu o portão que dá acesso ao pátio para mim. Os jovens estavam dispersos, e o local não estava preparado para receber a oficina. Dois jovens vieram me perguntar o que eu fazia ali. Eu não os reconheci, devem ser novatos ali na Casa. Eu disse que dava oficinas de artes visuais e solicitei que me auxiliassem na organização do espaço para receber a oficina. Pegamos a mesa grande, a colocamos em uma parte coberta, e dispusemos os bancos ao redor. Chamei o restante dos jovens para nos acompanhar à mesa na oficina, e os três se sentaram conosco. Eu também não os reconheci, tampouco eles me reconheceram. Eram cinco jovens que eu desconhecia, e que não haviam produzido nada comigo na semana passada. Tive que me apresentar de novo. 
Novamente um Agente seleciona o material que eu coloco na mesa, levando para sua sala o apontador e afirmando que os jovens precisam solicitar à ele para apontar os lápis. Eu dou as instruções de como seria a oficina, e começo a esboçar formas básicas com a finalidade de construir a imagem aos poucos, planejando os tamanhos e as posições de cada elemento. Os cinco jovens parecem mais interessados que os da semana passada, e observam atentos às explicações e aos esboços que faço no papel. Eles também arriscam, criando suas composições, encaixando cada elemento onde devem ficar. Um deles me diz que vai fazer uma rosa dentro de um rolo de dinheiro. Ele diz que já foi grafiteiro, e que usava essa técnica de esboço para pintar nos muros do beco onde ele ralava. Na hora eu fico em dúvidas se um maço de dinheiro configura algum tipo de apologia. Nunca se sabe qual interpretação a Instituição terá de determinada imagem. Eu ignoro essa dúvida e digo para ele seguir desenvolvendo seu projeto.
Os outros quatro jovens têm mais dificuldades em desenvolver seus desenhos. Fico imaginando se isso é falta de referências visuais, de prática de observação ou de má compreensão da atividade. Tento iniciar algumas conversas que podem auxiliar no desenvolvimento do desenho e faço perguntas do tipo “Imagina algum objeto que vocês gostem, como ele é?” ou “essa paisagem que você está desenhando é real ou imaginária?”. Minha intenção é tentar com que busquem diferentes referências, em diferentes espaços da memória. O jovem já iniciado no graffiti também tenta ajudar. Ele esboça alguns objetos que ele se lembra e diz para outros jovens copiarem e complementarem em seus desenhos.
Os jovens estão bem tranquilos, me dizem que a Casa está bem tranquila esses dias, e que eles ainda estão lá para cumprir os primeiros 45 dias de reclusão. Um deles diz que vai voltar a estudar para sair da vida do crime, que nada daquilo compensa. Ele fala sobre sua mãe enquanto tenta desenhar uma máquina de costura. A mãe dele sempre costurou e ele diz que ela fazia colchas com os retalhos que ele buscava atrás das confecções do Centro quando era criança. Hoje ele diz ser uma decepção na família.
O jovem iniciado no graffiti fala que não se arrepende de nada. Faria tudo de novo. Os outros três jovens apenas observam o diálogo. Não falam nada, mas escutam atentos às palavras proferidas naquela mesa. Eu não pergunto muito, prefiro não invadir o espaço deles, e eu até prefiro não saber sobre seus crimes. Eu entendo que isso não irá interferir na oficina em si, mas nós vivemos em sociedade e aprendemos a conviver julgando outras pessoas, mesmo que pelas costas. Isso iria acabar me trazendo alguns conflitos também, e eu preferia ter uma relação mais profissional ali.
A Pedagoga desceu neste momento para verificar o andamento da oficina. Ela chamou dois dos jovens para conversar em particular. Eles subiram com ela, restando apenas três jovens no pátio participando da oficina. Depois de esboçar os desenhos, iniciamos o processo de acabamento, reforçando as linhas e zonas de contraste com marcadores permanentes. Eu ensino a técnica de hachura, fazendo traços paralelos e/ou cruzados para demarcar zonas de sombra e de penumbra. Os jovens tentam reproduzir a hachura em seus desenhos. Alguns com sucesso, outros com mais dificuldades.
O tempo de oficina termina e eu peço para que assinem seus desenhos. Os três jovens se despedem de mim e retornam aos alojamentos. O Agente me ajuda a recolher o material que estava na mesa, e aproveita para fazer a conferência também. O Agente abre o portão e me autoriza subir. Recolho todos os materiais e fico pensando que nenhum dos jovens perguntou se podia ficar com seus desenhos. Talvez eles não tenham gostado da atividade. Subo as escadas e vou em direção à sala dos fundos para guardar os materiais e preencher o Livro de Relatório. A sala está ocupada pela Pedagoga com os outros dois jovens. 
Dirijo-me à sala principal e fico aguardando a liberação da sala. O Advogado me cumprimenta e pergunta como foi a oficina. Eu digo que foi boa, mais tranquila, mais fácil de trabalhar assim. Além do mais, os jovens presentes pareceram mais interessados nas atividades. Ele me disse que cada dia ali iria ser diferente, que eu poderia me preparar para isso. Em cada dia seriam diferentes jovens, diferentes dinâmicas, e que tudo que acontecia ali não poderia me afetar tanto, que deveria se restringir àquele espaço. Eu disse que isso seria complicado, pois o planejamento de uma oficina começa muito antes da minha presença na Casa. É impossível chegar para trabalhar sem um planejamento, sem um programa, sem ter nada definido. 
Essa fala do Advogado me incomodou um pouco. Fiquei pensando nessas hierarquias laborais, em como ele deveria receber um salário muito maior que o meu, e que o tempo de pensar o trabalho dele era restrito àquele espaço. Em compensação, eu recebia R$120 a cada ida à Casa, mas haviam várias horas de planejamento de oficinas não remuneradas, e que eram impossíveis de serem desconsideradas ou ignoradas enquanto eu não estivesse trabalhando na Casa.
Fiquei um tempo olhando para o Advogado, sem saber muito bem o que responder naquele momento. Fiquei sem saber se era um momento de desconforto ou constrangimento de minha parte, pois visivelmente fiquei incomodado com essa situação. 
A Pedagoga liberou a sala, saiu com os dois jovens que se despediram de mim ao me cruzar no corredor, e eu pude guardar os materiais. No relatório eu não registrei nada demais. Como não havia ninguém vigiando a oficina, eu simplesmente escrevi o nome dos jovens, e que eles participaram como desejado das atividades propostas. Essa talvez seja a parte mais chata deste trabalho. É como se fosse elogiar por mérito burocrático, sem compreender minimamente a diferença que aquela atividade possa exercer na vida daqueles jovens. Eu fiquei desejando, por um momento, que fossem representados qualquer coisa que poderia ser considerada apologia. Gostaria de enxergá-los pela ousadia representada através de imagens, criar diálogos a partir de seus desenhos. Talvez assim conseguiríamos compreendê-los.
Olhei para os papéis: Uma rosa dentro de um rolo de dinheiro, uma máquina de costura, nuvens flutuando com um sol triste, um pergaminho inacabado, um campo de futebol inacabado. Tudo para se manter dentro das regras da Instituição. 
Guardo os desenhos na pasta e vou embora. Durante o trajeto fico pensando na funcionalidade daquela Casa, para que ela serve? Jovens precisam ir ali cumprir penas alternativas. São todos menores de idade? Que diferença aquela Casa de passagem irá representar no futuro desses jovens? Porque uma oficina de artes visuais existe em um espaço onde tudo é enclausurado, limitado, excluído, reprimido? Tudo o que estudamos sobre a expressão, a comunicação e a criação de sentidos que a arte proporciona não funciona naquele lugar. A arte deveria se adaptar ao meio. E como fazer tudo isso dar certo, ser interessante? Como fazer com que essa passagem pela Casa seja proveitosa para esses jovens?
Foram tantas reflexões que eu nem percebi o tempo passar. Chego em casa sem ter sentido o caminho. Foi um daqueles dias que tudo pareceu tão automático que nem me senti cansado ao pedalar. Repouso no sofá pensando o que fazer em uma semana, em como mudar essa situação. Minha mirada está perdida em algum lugar da parede. Eu adormeço sem perceber.

Transfluência

O trabalho de pesquisa e produção de arte perpassa algumas atividades que precisam nos afetar de alguma maneira, mexer com o sensível, uma faísca que será o disparador de algo mais forte. Eu tive isso enquanto lia “Mobilidade Antirracista”, obra organizada por Daniel Santini, Paíque Santarém e Rafaela Albergaria e que foi publicada pela Autonomia Literária e pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2021. O livro todo, em si, é um espetáculo de ativismo pela mobilidade universal e acessível, mas um capítulo me tocou de maneira mais forte: Capítulo 4.1 – Entrevista com Nego Bispo.

Sobre Nego Bispo e as formas de resistência

Logo no início da entrevista, Nego Bispo se apresenta. Eu não sabia nada sobre ele. Nasceu em uma comunidade onde a linguagem escrita não exista, somente a oralidade, e pela facilidade com que ele apropriou-se das diferentes linguagens ao ingressar na escola, foi escolhido para ser tradutor da linguagem escrita para a linguagem oral, evitando, assim, que a comunidade fosse “passada pra trás” nos contratos com o colonizador. Assim, foi forçado a compreender o pensamento colonialista para se defender dos ataques, e compreender o pensamentos dos seus iguais para fortalecer o campo de defesa. Nego Bispo diz que sua vida está na fronteira do pensamento, lidando com as escrituras e com a oralidade o tempo todo.
Nego Bispo usa muitas analogias para fazer uma relação em como os animais são ou podem ser domesticados, e a forma bruta e violenta com que os colonos tentavam domesticar seus escravos. Enquanto pessoas negras transitavam nos mares nos fundos de caravelas, sendo sujeitos à vários tipos de torturas e desumanidades, outro tipo de deslocamento não previsto pelos colonos também exercia sua força: transfluência.
Transfluência é um conceito desenvolvido por Nego Bispo para tratar sobre as relações cósmicas que carregam, simultaneamente ao transporte físico nos navios negreiros, uma memória ancestral. Povos negros que chegavam no continente se comunicavam com povos indígenas (que possuíam cosmologias parecidas) para resgatar esses saberes e dar início ao processo de resistência contra a colonização.

O que houve com Palmares e todos os Quilombos foi exatamente essa relação de transfluência.
Mesmo os quilombos que não se visitavam fisicamente transfluíam através da cosmologia.
A relação com o mar, com o vento, as estrelas, as plantas.

Nego Bispo, página 211

A questão que Nego Bispo coloca é a forma de saberes que foi desenvolvida tanto do lado de cá do Atlântico, quanto do lado de lá. Como esses conhecimentos eram compartilhados, desde muito antes das navegações acontecerem. “Como era possível a comunicação do Rio São Francisco com o Rio Nilo, se tem um oceano no meio?”

Pelos Rios do Céu, pelas nuvens, pela evaporação.
A imagem que mais me convence sobre a transfluência é esse movimento das águas doces, pois elas evaporam aqui no Brasil e vão chover na África transfluindo pelo oceano sem precisar passar por ele.
Dessa forma que a nossa memória ancestral está aqui, ela vem pelo cosmos.
Esta é, de ponto de vista cósmico e físico, a imagem que tenho da transfluência.

Nego Bispo – página 213

Pensando, refletindo e gravando

Depois de muito tempo sem produzir algo significativo derivado de alguma pesquisa mais intensa, finalmente apresento minha última produção em gravura denominada TRANSFLUÊNCIA.
Esse conceito colocado à mesa por Nego Bispo chegou a mim em um momento de baixíssima criatividade de minha parte. Estava envolvido com outros tipos de trabalho, sobretudo não artísticos, e ter lido esse capítulo reacendeu em minha mente uma chama que parecia estar quase apagada. As palavras de Nego Bispo ressoaram na minha cabeça, enquanto pensava o que poderia fazer com um termo tão potente.
Meus esboços inicias começaram bem objetivos, funcionou quase que como uma nuvem de palavras, um brainstorming do óbvio. Cabeça, mente, chuva, rios, pensamento, ser humano, ciclo. E logo comecei a expandir um pouco essa ideia de comunicação.
Nego Bispo coloca a evaporação e a precipitação como uma analogia dos saberes que são compartilhados nas duas margens do Oceano Atlântico. Minha ideia foi ir um pouco além.
E se todos os conhecimentos forem compartilhados/transmitidos/ensinados através dos mais diversos fenômenos naturais, climáticos e geológicos?
E se a gênese dos saberes está todo na concepção de mundo, e os povos precisassem de todos os elementos do planeta para compreenderem a si e ao outro?

E se as formas de organização, luta e resistência fossem auxiliadas e indicadas por todos esses fenômenos?
Essas indagações que faço a partir da leitura de transfluência talvez sejam o comum, se pensarmos a partir de cosmovisões tradicionais, mas pra mim foi um ponto de partida para pensar uma concepção de mundo bem diferente. Começar a expandir um pensamento, uma ideia, a partir deste conceito colocado por Nego Bispo me possibilitou retornar a criar, pensar em uma imagem que pudesse traduzir um pouco minhas pesquisas e reflexões.
O esboço foi feito de maneira digital; a matriz foi gravada manualmente numa placa de microduro (~linóleo); as impressões foram feitas manualmente com tinta preta em papel de arroz (industrial e artesanal); o tamanho gira em torno de um A2.
Essa gravura será lançada na Feira MOTIM, dias 6 e 7/05, em Brasília. Depois desta data poderá ser adquirida pela loja virtual.


Processo completo, do esboço à impressão final

O Silêncio é Inútil

Fever 333 é uma banda bem daora, que consegue manter as letras altamente politizadas ainda que estejam no mainstream da indústria musical. Lembra algo de Rage Against The Machine, político e popular, requisitados para serem absorvidos pelo capitalismo e se tornarem mais um produto. São sons violentos, de ataque pesado ao sistema. Estão no sistema, mas não se curvam à ele.
Jason Butler, vocalista do Fever 333, é um sujeito bem relacionado, tira fotos e interage com vários ícones da música pop e do cinema estadunidense. Ainda assim, suas letras, desde a época em que cantava no Letlive., são carregadas de conteúdos políticos, de ataque ao capital, à opressão, à autoridade, e fortalecendo a atuação dos movimentos de lutas identitárias, sobretudo ligadas ao levante da população negra.
O grupo iniciou sua carreira tocando em um estacionamento, com pouquíssimos recursos, instrumentos e caixas de som no baú de um caminhão, e uma demonstração de energia intensa em cada movimento que os 3 membros da banda faziam. Uma presença de palco (se é que o chão do estacionamento possa ser chamado de palco) impressionante, inclusive do baterista. De fato, conhecer a banda foi praticamente interesse à primeira escutada. Som cru e direto do jeito que gosto.
O segundo disco da banda, Strenght In Numb333rs (2019), chegou com um desenvolvimento musical impressionante, mais pesado e mais bem trabalhado, e ainda com letras bem profundas e críticas. Duas músicas me chamaram mais atenção: Inglewood (que trata da questão da gentrificação na cidade de Inglewood, CA, que também é um dos temas trabalhados na série Insecure, da HBO) e The Innocent (que eu irei desenvolver um pouco mais sobre essa música nos próximos parágrafos.)

The Innocent

Essa música, particularmente, me tocou muito. Ela fala sobre violência policial, sobre essa política de identificação visual do corpo negro como merecedor de diversos tipos de violências, inclusive a morte. Essa letra não existe por acaso, os diversos vídeos existentes na internet mostram as atrocidades cometidas por agentes de segurança que enforcam, torturam, atiram e matam corpos negros diariamente. Essa prática racista, genocida e eugenista não é exclusiva dos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, ocorrem situações bem similares e com o aval do Estado. A Ponte Jornalismo é uma mídia que divulga a maior parte dos casos, e muitos deles nem aparecem na grande mídia. Se não fossem essas pessoas corajosas para ir atrás dos fatos e divulgar, seguiríamos alienados em relação à violência sofrida pelo povo negro, pobre e/ou periférico.
A letra desta música me tocou muito nesse sentido. “Sem mais desculpas, nós temos que recusar isto, o silêncio é inútil, vida longa aos inocentes. Eles nos contam histórias, das mais belas glórias, este é o seu aviso, vida longa aos inocentes.”. Ela me traz um pouco da questão da história oral/oralidade, do conhecimento que é transmitido por gerações, de histórias das pessoas que lutaram antes de nós, das pessoas que perderam suas vidas para que as verdades sejam mostradas. Das vidas que as pessoas vivem, e daquelas que possuem o direito institucional de violentar e matar pela cor da pele e classe social.

Produção de gravura baseada nesta letra

Na minha produção enquanto artista visual busco, na maioria das vezes, aliar minhas vivências, leituras, músicas e interesses políticos nas imagens que crio. Gosto de ter esses itens como ponto inicial de pensar o processo criativo. Por causa dessa letra do parágrafo anterior (e agora completando 5 anos do assassinato de Marielle e Anderson), me deu vontade de falar um pouco sobre essa arte que fiz em 2020 eu acho, ainda numa pandemia restritiva. Eu não consegui, ainda, materializar em gravura essa imagem. Na época eu já andava criando umas xilogravuras aliando imagens centrais e escritos com muitos contrastes para xilogravura, e acabei criando essa a partir da letra de The Innocent. Ao centro e com mais destaque, Jason Butler gritando no microfone. Abaixo, faixas e cartazes com dizerem de protesto contra o genocídio da população negra, contra a violência policial, símbolo antifa, punhos negros em riste, Dandara, Zumbi e Marielle Franco. Acima, a frase “O SILÊNCIO É INÚTIL“, parte do refrão da música. Foi a forma que consegui de aliar essa música à uma história regional, desde a resistência na época da colonização até os dias atuais. O sistema violenta e tenta calar à todo custo as vozes oprimidas. Mas os movimentos de resistência seguem lutando, se defendendo, contando suas histórias e memórias para que não cesse a luta. Agora, mais que nunca, tenho vontade de colocar essa arte para circular. Vida longa à resistência e aos inocentes.

You gon get this now

You think, I know
Wide eyes got a narrow scope
You’d think that they’d know
Not to shoot a man while he’s on the floor
That’s why these youngins they run before talkin to police because they know the deal
See young Trayvon Martin has just left the market with candy and got his ass killed

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

Eyes of the law do not look anything like my own
I can see clearly now that the arraignment is gone
Yes I did go head up with that cop tryina do me like radio Rahim
I looked at the judge said ‘I feared for my life and I pray that you’ll do the right thing’

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

It ain’t what you are it’s what you can be
And I see you, my brotha
All they know is what you show them

No more excuses we must refuse this Silence is useless
LONG LIVE THE INNOCENT
They tell us stories of star spangled glory this is your warning
LONG LIVE THE INNOCENT

The Innocent

Pensando alto sobre o Livro dos Vivos, de Binho Barreto.

O Livro dos Vivos me chamou atenção pelo nome. Me ofereceu um contraponto instantâneo ao Livro dos Mortos, e eu queria entender o que há nesse livro que possa celebrar a vida como celebramos a morte. Namoro este livro já há algum tempo, desde que vi um exemplar em uma promoção no site da Editora Impressões de Minas, mas não tinha recursos para comprar na e´poca. Hoje escrevo isso e parece bobo, mas quando se está desempregado, comprar livros talvez não seja uma necessidade. Consegui comprar o livro nas mãos do próprio Binho Barreto durante a Feira Urucum. Ele estava expondo seus materiais ao lado da minha banquinha, e foi a chance que tive de trocar uma breve ideia com ele sobre a impressão que o livro dele poderia me fornecer. Desde o falecimento do meu pai, em 2021, que as reflexões sobre vida e morte vagam na minha cabeça. Refletir sobre esses processos me traz uma dor boa, dessas de me sentir vivo e saudosista, de rememorar situações em cada lágrima que escorre. Mas, principalmente, me traz uma vontade de vivenciar coisas diferentes, de correr atrás de sonhos e desejos, de não cair na apatia da sociedade consumista e sem sentido que o kapitalismo impôs.
Não faz nem uma semana que adquiri o exemplar, e agora já tentarei escrever sobre essa obra devorada em poucas horas. É uma escrita tranquila, fluida, em que a todo tempo nos questionamos sobre a veracidade das cenas descritas com uma quantidade de detalhes impressionante. É como se durante a leitura você se colocasse no lugar do autor, e observasse com seus próprios olhos cada elemento da cena que foi narrada. A narrativa tem um cuidado enorme com a memória. Sabemos que a memória nos prega peças, e é bem possível que tudo que Binho Barreto experimentou através de seus olhos não seja exatamente assim. Mas são muitos detalhes que ficaram marcados na pressa cotidiana e que são descritos como um observador nato.
São cenas do cotidiano, efêmeras, captadas somente por quem está atento à tudo que acontece ao seu redor. São segundos que te fazem esquecer do mundo para se concentrar somente nesta cena curiosa. De memória ou in loco cada capítulo traz pessoas vivendo, sendo afetadas por uma situação, por uma discussão, por uma vontade, por um problema, por uma curiosidade. São pessoas que se afetam e são afetadas por diferentes estímulos, e tudo isso é registrado por quem está presente. Lendo estas páginas me senti em um espaço-tempo onde só a observação da cena me importava. Fiquei preso na imaginação, e retornei ao fluxo de leitura.
Belo Horizonte é uma cidade jovem, que se desenvolveu com uma mistura de referências artísticas e arquitetônicas, uma atropelando a outra, que criou avenidas como se fossem muros, que vivencia suas contradições desde sua gênese. Binho parece transitar por estes espaços para descrever o que há de interessante nessas passagens, nesta história que é escrita a cada dia, longe dos holofotes da grande mídia ou do turismo. Cenas comuns, banais e efêmeras (utilizando as palavras da Elza Silveira no posfácio do livro) se tornam situações carregadas de significados, sobretudo pra quem, assim como eu, é de BH, e que todo dia tenta entender qual é a proposta desta cidade fincada no alto das serras entre ecossistemas distintos.
Nós que nos interessamos pela lógica das cidades, das vivências e das relações, percebemos as cenas, mas a correria nos impede de registrar esses momentos. Este livro talvez seja um convite à aguçar a percepção, a exercitar o registro, a viver. Parece cliché falar desta forma, mas a morte é a única certeza que temos. Iremos chegar lá algum dia. Até lá, nós viveremos.

O Livros dos Vivos – Binho Barreto – Selo Leme/Impressões de Minas

Afetar e ser afetado

A Sete Palmos (Six Feet Under) – 2ª Temporada, Episódio 13 – The Last Time

Logo nas primeiras cenas deste episódio Nate Fisher vai de encontro ao seu amigo Aaron Buchbinder. Aaron está em uma cama, olhos vidrados no nada, aparelhos respiratórios ligados, e recebe Nate com os dizeres “Vá embora!“. O que se segue disso, é uma encenação de um processo de morte devido a um câncer de pâncreas em estágio avançado que foi desenvolvido no personagem de Aaron. Ele diz para Nate: “Eu quero que isso acabe!“, e logo depois começa a faltar ar, combustível essencial para a existência dos seres vivos. Aaron diz: “Não estou pronto, me ajude!“, e toda uma representação do estado agonizante acontece a partir daí. A cena termina no minuto 5:33, com o personagem de boca aberta, travado na mesma posição, e o escrito clássico da série com o ano de nascimento e de falecimento da pessoa: 1976 – 2002. 26 anos.
O personagem de Aaron apareceu na série apenas na segunda temporada, e teve uma passagem que, apesar de curta, foi bem marcante para mim. Ele foi diagnosticado com câncer de pâncreas em estágio avançado, e os médicos afirmaram para ele que a morte poderia chegar a qualquer momento. A única reação de Aaron diante deste diagnóstico foi esperar a morte chegar. Rompeu qualquer relação que tinha com familiares, com sua namorada, com seus amigos, com seu trabalho e com seus estudos, com o lazer, com a vida social, com tudo. Assim, aguardou solitário chegar o momento certo. Esse tempo durou por volta de 1 ano. 1 ano em que tudo foi deixado de lado, pra viver em função da morte que nunca chegava.
Nate Fisher conviveu com a morte durante sua infância, pois sua família administrava uma empresa de serviços funerários na sua própria casa. Nate fugiu para Seattle para não herdar os negócios, e jurou que não trabalharia com funerária. Após o falecimento do pai, Nathaniel, logo no primeiro episódio da série, Nate se vê colocado um pouco nessa posição de ajudar nos negócios da família, e acaba virando diretor de funerais na empresa. No episódio 11 da segunda temporada, Nate chega até Aaron por uma indicação de uma Rabina, que ofereceu os serviços da Fisher and Sons para Aaron, e indicou Nate para ajudá-lo no processo de “funeral pré-arranjado”. Ao se conhecerem, Aaron questiona os motivos de fazer um funeral para as pessoas que ficam, e ele tem uma mentalidade que se expressa na frase em que ele diz em bom tom para Nate: “E se sua vida foi uma perda de tempo para todo mundo? Até mesmo para você?“, e segue afirmando para Nate que o que ele está vivendo naquele momento é apenas uma prorrogação da vida, pois ele já deveria ter partido. Depois disso, ainda tardou 2 episódios para Aaron falecer.
A nível teatral de conteúdo televisivo de entretenimento, Aaron conseguiu trazer um pouco do drama e da agonia durante sua partida, e Nate participou do processo como o único sujeito a oferecer suporte a quem já havia desistido de viver. Nate viu a morte chegar e carregar Aaron nos ombros. A última cena desta tomada, de Aaron de boca aberta, corpo rígido, olhando para o nada, me marcou profundamente.

2 anos

Hoje completam-se 2 anos do falecimento do meu pai. Da descoberta do tumor até o falecimento foram apenas 3 meses. Infelizmente, não tivemos certeza de nada, porque não foi feita a biópsia. Mas tudo que os exames indicavam, sugeriam uma neoplasia periampular, câncer no pâncreas. Esse tipo de tumor somente dá alguns sintomas quando já está em estágio avançado, por isso é tão fatal. As últimas palavras do meu pai foram “Eu quero dormir!”. Se fosse um episódio da série, apareceria uma tela branca com o nome do meu pai escrito, além dos anos de 1960-2021, logo depois do meu pai conseguir, finalmente, dormir.
Diferentemente do personagem Aaron, meu pai não desistiu de viver. Viveu intensamente tudo que queria e tudo que pudemos fornecer para ele. Diferentemente de Aaron, meu pai perdeu muito peso, perdeu muitos músculos, sentia muitas dores, e acabou ficando um pouco dependente de outras pessoas para ajudá-lo nas atividades diárias. A alimentação era especial, controlada. Eram tempos complicados de pandemia, então as visitas não poderiam ser tão frequentes e descuidadas.
Eu vi a morte chegar e carregar meu pai nos ombros. Retirar-lhe o ar e o deixar agonizando, enquanto olhava vidrado e rígido o sol que nascia pela Serra, no horizonte vasto. Meu pai tardou várias horas para dar seu último suspiro no processo lento da morte, Aaron teve alguns segundos no 13º episódio da 2ª temporada para conseguir partir em paz.

Eu não vejo mais a morte como eu via antes. Talvez hoje eu tenho um pouco dessa certeza de que a morte chegará para todos nós, e o que fica nesse tipo de reflexão é justamente sobre o que fazemos com nossas vidas. Eu tinha conflitos com meu pai, assim como pais e filhos sempre acabam se desentendendo em alguns pontos de suas vidas, e me arrependo de não ter lidado melhor com várias situações, e talvez até aproveitado mais a presença dele. Imagino que ele poderia pensar o mesmo sobre mim, e isso não necessariamente é um alívio. Fico pensando no personagem de Aaron e na relação que tive com meu pai, e o único que consigo pensar são nas coisas que a gente constrói enquanto sujeitos. Nós somos pessoas sociais, políticas, humanos que erram e aprendem, e que precisamos aprender a viver em sociedade de alguma forma.
Aaron desistiu de completamente tudo, meu pai resistiu enquanto pôde, manteve suas relações e alegria de sempre, não quis preocupar ninguém em nenhum momento. E eu vejo o quanto meu pai afetou as pessoas com quem se relacionou. No velório, em plena pandemia, haviam muuuitas pessoas, e várias mensagens de carinho apareciam no Instagram e Facebook dele (Tá, isso eu acho bizarro). A Federação Mineira de Natação fez uma publicação em memória a meu pai, um atleta PCD amador. Aaron entrou na vida de Nate para lhe dar alguma perspectiva de vida. Meu pai entrou na vida de muitas pessoas para simbolizar várias outras coisas.
Imagino que ele deve ter olhado para tudo que vivenciou e disse: “Acho que foi uma vida bem daora!“. E talvez seja isso que devemos buscar em vida, construir relações, afetos, divertir, buscar os sonhos e desejos, não desistir. Imagino que essa ideia seja o simbolismo que eu gostaria de significar a morte, um movimento em busca de afetos.

Ps.: Na série A Sete Palmos, todo mundo ali precisaria de uma terapia de verdade. É muito trauma e muita treta acumulados, sem verbalizar e sem tentativas de lidar com as emoções de uma maneira mais saudável. Parece que todo mundo é egoísta, sem empatia, e tenta impor o que quer o tempo todo. Nenhuma relação assim pode ser saudável, fato.
Ps.2: Margareth, a mãe da Brenda nesta mesma série, é uma péssima terapeuta. Não veja a atuação dela e ache que seja uma regra dentro da psicologia. Obviamente ela está lá para enriquecer em cima das celebridades, e dar pitaco errado na vida das pessoas. Isso não é terapia.

Revisitando obras antigas mais uma vez

Me lembro de um dia, por volta de 2012, em que eu tinha um pedaço de papel preto e tinta nanquim colorida. Queria fazer alguma coisa que desse um contraste no fundo preto, algo tão iluminado que me fizesse compreender aquilo ali como algo especial e não como uma prática qualquer.
Talvez fosse tarde demais para que eu pudesse compreender que o processo de produzir arte não tem um ponto final, muito menos um ponto inicial. Talvez por isso fosse chamado de processo. É algo que é desenvolvido no fluxo de ideias e de pr´áticas, e que pode ou não ter um desfecho. Muitas vezes o desfecho é justamente começar outro projeto a partir de reflexões no decorrer do processo. Algo como a construção de algo a partir do que já existe, desenvolver ideias e conceitos utilizando o passado ou o presente (ou as ruínas do velho) como ponto de partida.
Tudo pode ser melhorado ou piorado, pode agradar ou desagradar, pode gerar uma reflexão profunda ou um mero desdém. Pode afetar e ser afetado. O universo artístico tem muito disso de lidar com a sensibilidade do observador, que nem sempre é um mero espectador, mas pode atuar junto de determinada obra, como se fosse uma intervenção eterna.
Talvez a busca por um desfecho perfeito de fato não exista. Ela não termina quando colocamos um ponto final. Nós que produzimos, finalizamos nossas obras com vírgulas, ponto-vírgulas ou reticências. Nós significamos algo em nossa produção que pode ter outros significados a depender de quem vê, de todo um contexto, e talvez nem tenha significados para muitos. Então porque buscar o ideal individual, se a produção só faz sentido se compartilhada, só serve como potência se sai de nossos espaços de trabalho, de nossas reflexões, de nossos cadernos.
Escutando música me sinto conectado com quem canta, com quem toca. Isso me afeta de forma muito profunda. Muitas das minhas produções são em diálogos com as músicas que escuto. Nem sempre concordo, nem sempre discordo. Mas isso me tira do lugar de inércia e me faz refletir sobre várias das questões que permeiam a minha existência. Nós que buscamos sempre as mesmas referências para produzir, não estamos colocando quem somos, não estamos nos abrindo. Nos fechamos em nossa bolha estética/ideológica. Quando nos abrimos à novas experiências, ao diferente, nós comunicamos com algo que conhecemos, ainda que em outros níveis, e com o que desconhecemos. Por isso que gosto de produzir arte, me faz pensar, planejar, refletir, agir. Me faz perder um pouco do medo que tenho em conhecer quem sou de verdade.
Parece um disco arranhado quando escrevo sobre isso, mas o processo é cheio de falhas, linhas tortas, erros, tentativas mal sucedidas e frustrações. Talvez a perfeição que buscamos nos impede de compreender o processo como algo belo, como algo natural e saudável.
Por uma sanidade produtiva livre de julgamento morais. Por uma arte que transpasse a superfície do óbvio. Por uma produção que não seja covarde.

Porque continuar a viver sob moldes de santos e heróis?
Somos desgraçados seres condenados à morte. Pedaços de carne que pensam e sentem prazer.
O melhor a fazer é encarar nossos medos.
O melhor a fazer é encarar que vitoriosos estão longe demais.
A perfeição é um instrumento de tortura.
Negamos nossa humanidade acreditando que é possível não errar, não sofrer, não sangrar.
Quebre os túmulos de seres vivos. Fale sobre seus sentimentos, sobre sentimentos reais.
Cada um traz dentro de si um inferno. Lâmina fria, em sua carne. A imagem na escuridão.
Criados sob o signo do medo e autocondenação.
Criamos a pureza para ter o que buscar por toda nossa existência.
Algo para temer (pecado, castigo, aberração, diferença).

Colligere – Fuga do Vale das Lágrimas
Desenho de 2012 – bico de pena e nanquim sobre papel preto

Pensando em limites, bordas, fronteiras e essa tarefa de ser humano

Começar um processo de compreensão do conceito de “fronteiras” foi algo que vivenciei em 2012, quando morava na fronteira entre México e Estados Unidos. Ciudad Juárez, na época, era um dos grandes centros urbanos do país nortenho. Uma cidade com uma história bem curiosa, fundada no meio do deserto com o nome de Paso Del Norte, a região foi palco de diversas guerras e conflitos, e em 1888 foi decretado que a nova fronteira entre México e Estados Unidos seria o Rio Bravo, que cortava a cidade de Paso del Norte. Com isso, fez-se a divisão da cidade em duas, Ciudad Juárez, ao sul do rio Bravo, e El Paso, ao norte. Imagina só uma cidade, no meio do deserto, divida em duas e pertencentes à nações distintas. Viver em uma região fronteiriça me fez compreender que as relações entre os dois países são muito diferentes e especiais nestas cidades, com características bem singulares. As duas cidades tinham relações próximas, tinham trocas econômicas, tinham passagens, eram fluidas. Estávamos falando de uma cidade considerada a mais violenta do mundo na época, e de outra considerada a mais segura dos Estados Unidos. Talvez a imagem da cerca patrulhada na borda de lá no rio Bravo era uma imagem muito mais significativa nas tensões fronteiriças do que as relações econômicas, políticas e sociais da região. Uma cidade dependia da outra.

Esse reflexão sobre a vida fronteiriça me desperta muita curiosidade, e as analogias e referências com o que conhecemos como “limites” fornece pistas de algo que podemos vivenciar de forma mais intensa. Outro dia em uma conversa, o assunto era sobre colocar limites, ou ter dificuldades em saber/conhecer nosso próprios limites. Até onde conseguimos lidar com barreiras que são rompidas, seja por um comportamento abusivo, seja por dificuldade em dizer “não” e sustentar esta posição. Eu tenho dificuldades em compreender vários desses limites. Em questão de trabalho, por exemplo, eu assumo muito mais compromissos do que eu realmente dou conta. E fico pensando se essa busca por dinheiro não me faz ser assim. Talvez se minha vida fosse tranquila financeiramente eu recusaria trabalhos com mais facilidade e naturalidade, mas enfim, as contas estão aí e eu me esforço muito pra tentar manter tudo em dia.

Em um diálogo na terapia, conversamos sobre os limites surgidos de forma natural, sem intervenção do ser humano, tais quais cordilheiras, fendas, matas fechadas, rios/oceanos. Esses biomas naturais são barreiras à locomoção por exemplo, e muitos povos nômades criavam o percurso baseado nas regiões por onde poderiam se locomover de forma mais natural. Inclusive, pensar na gravidade como um limite também, pois é ela que nos mantém com os pés no chão. Dito isso, fiquei pensando na obstinação do ser humano em romper com esses limites. Nós construimos botes, barcos, navios, caravelas, aviões, foguetes, helicópteros, automóveis, estradas, pontes e viadutos. Nós desejamos sempre romper com os limites impostos. Inclusive, essas barreiras naturais são construções que dizem respeito ao tempo, e talvez as nossas soluções são apenas formas de romper com o tempo geológico, quase imperceptível para nós humanos.

O professor Silvio Gallo diz sobre o processo educativo em um artigo intitulado “As múltiplas dimensões do aprender” que nós aprendemos quando precisamos lidar com um problema, pois isso nos faz pensar e maquinar possíveis soluções para lidar com as questões postas. Assim se dá o aprendizado: em ter que lidar com diferentes questões e querer/precisar resolvê-las. Trago essa reflexão de Gallo sobre o processo educacional para pensar também se nós nos educamos a cada vez que precisamos romper com esses limites, com essas bordas. Nós construímos aparatos para romper com o que nos impede de seguir adiante. Chegar à borda, ao limite, à fronteira, nos faz correr atrás de conhecimentos, de tecnologias, de soluções.

E se os olhos começassem a fechar? Cada parte do seu corpo morrendo… Perceber os limites é sentir a existência. Experimentar é a única maneira de estar vivo, ou tudo se resumirá a respirar e ver tudo passar. Quero arranhar sua pele e faze-lo sangrar. Faze-lo sangrar! Você sente no ar a tempestade que se aproxima e a eletricidade lhe traz uma sensação agradável. Alguma coisa vai acontecer. Mas e se tudo acabasse por aqui? Viver é encontrar maneiras diferentes de não morrer – e morrer também é aceitar as condições que não nos deixam viver. O problema é não ter escapado vezes o bastante, como se já estivesse enterrado desde o começo. Sem vontade, seu corpo se torna um instrumento, um objeto que não tem razão para existir além do que vem do sentido dado pela vontade exterior. Sem vontade, seu corpo se torna um instrumento. Todo bem e todo mal residem nas sensações. Nas sensações o espírito se realiza. – experimentando a morte, é a única maneira de viver. – Porque um objeto não deseja.

Colligere – Glória é um momento silencioso

Essa letra da banda curitibana Colligere também me traz uma ideia interessante, sobre o que sentimos e a forma como lidamos com isso. “Perceber os limites é sentir a existência”, a cada vez que refletimos sobre a gente, e nossas vivências, e experiências, sentimos um pouco dessa borda que nos define fisicamente. Nós temos sentimentos, afinal não somos objetos inanimados, e tudo que sentimos aparecem em maior ou menor intensidade, a depender da situação. Essa é uma das características que nos faz humanos. Sentir e ser sentido. Sentir e levar todas as sensações ao extremo: sorrir, chorar, alegrar, entristecer, doer, gozar, arrepiar e vários outros verbos que nos fornecem vitalidade. Longe de mim querer incentivar que testemos ou coloquemos a prova os nossos limites, mas sentir a borda nos faz experimentar sensações novas.

Eu, ideologicamente mais próximo do anarquismo, sempre justifiquei a minha falta de reconhecimento dos limites porque sempre associava os limites a fronteiras. E sem fronteiras não haveriam limites. E sim, há muitos limites e bordas que devemos reconhecer e respeitar. Os limites de outra pessoas, os limites éticos, os limites físicos e psicológicos. O que seria de nós, seres humanos, sem alguns desses limites. Talvez o que eu esteja pensando com esse texto, é compreender e destrinchar um pouco esses conceitos que eu coloco no corpo destes parágrafos. Fronteiras, limites e bordas existem, e eu acredito na fluidez e na permeabilidade de todas elas. Acho que essas coisas não são tão rígidas como pensamos ser. A questão, talvez, seja compreender formas saudáveis e respeitosas dessas maleabilidades. Assim como a fronteira entre Juárez e El Paso. Ela existe e impede várias trocas, mas também é fluida e maleável.

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Sobre poder e pertencimento

Outro dia estava indo trabalhar e um girassol me chamou muita atenção no trajeto. Era grande, vistoso, estava aberto e chamava muita atenção no lugar onde estava. Cresceu em um buraco na calçada, junto com uma árvore em desenvolvimento, outras flores amarelas, mato. A calçada era estreita e a flor não passava despercebida por transeuntes que trafegam por ali, ou pelo menos não deveria. Parei e me detive por um tempo. Era uma cena que merecia uma fotografia, um registro daquele momento de contemplação.

Observando com mais calma, percebi uma corda que segurava o caule do girassol à árvore. Achei interessante a intervenção humana que, de forma positiva, ofereceu sustentação ao desenvolvimento da planta. Se ela nasceu e se desenvolveu naquele lugar, talvez ali fosse realmente o habitat dela. Ela gostou dali, fortaleceu suas raízes e estava feliz com sua morada. As centenas de pessoas que devem passar diariamente por ali provavelmente perceberam isso. Ali era o lugar dela. O girassol pertencia àquele espaço. Toda uma comunidade se desenvolveu junto naquele espaço.

Quando me deparo com cenas assim, fico pensando em como nós, seres humanos depredadores, podemos sim conviver com a natureza de forma harmônica. As plantas se desenvolvem, chamam atenção, atraem nossos olhares, intervém no nosso trajeto e nos dá algum tempo de contemplação, tempo este que podemos ignorar problemas e nos ater a um pequeno espetáculo visual e silencioso. Nós pertencemos ao mesmo espaço, nós convivemos, nós criamos diálogos e interferimo-nos de forma mútua. Nós temos poder de fazer com que tudo benéfico possa se desenvolver, ainda que esse benefício sejam alguns minutos de contemplação.

3 dias depois, passando pelo mesmo local, percebi que alguém achou que o girassol não pertencia àquele lugar. Essa pessoa se deu o poder de arrancar a flor do caule e fazer o que bem quiser. O poder de decidir sobre algo que se desenvolveu naquele lugar, e que outras pessoas com poder tinham decidido que o girassol estava bem ali. Conflito de interesses entre pessoas com poder de decisão, e de ação, e de destruição. Essa pessoa se apropriou de algo público, disponível de forma gratuita e acessível, para fornecer um destino privado à planta. Ou talvez um destino fúnebre, não sabemos.

Me detive para clicar outra foto com meu telefone. A contemplação de algo negativo me chamou atenção. Nós temos poder de interferir no que nos interfere, no que nos chama atenção no trajeto. A qualquer momento alguém pode decidir o que pertence e o que não pertence a algum lugar. Não consigo refletir sobre esse acontecimento sem associar à práticas racistas, sexistas, homofóbicas (ou lgbtqiap+fóbicas), classistas… São relações de poder de gente que decide sobre pertencimento. E quem não pertence àqueles locais serão excluídos, violentados, explorados, segregados, mortos. Comunidades estão em risco iminente.

A quem o poder pertence?

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Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 3

Mais de um ano se passou desde que escrevi a parte 2 desta série de análises e reflexões. Fico muito feliz por ter relido minhas publicações anteriores e ter encontrado uma série de falhas, coisas que eu não escreveria hoje. A cada dia aprendemos mais, movimentamos as ideias e alteramos uma série de pensamentos. Viver é se locomover, ainda que seja somente com ideias. Saber reconhecer o quanto evoluímos nesse tempo é, de certa forma, libertador.

Meus estudos sobre educação seguem ativos, e meu interesse está cada vez maior. Ainda sigo com uma certa aversão em relação à instituição escola, e minhas críticas ao sistema escolar engessado se multiplicam a cada dia. Será mesmo tão difícil exercer um processo de aprendizado que forme sujeitos livres? A cada dia escuto mais e mais músicas que dialogam com a educação de alguma forma, e raramente escuto coisas positivas sobre os processos. Fico apenas refletindo sobre nosso crescimento, o contato com novas ideias e as críticas que fazemos à nossa formação. Hoje somos seres pensantes, sujeitos críticos, marginais, porque extrapolamos nossas relações para além da escola. Isso nos traz novas ideias, novos diálogos, novas possibilidades de atuação.

“No brain, no gain
Progressão continuada
Aprendizagem massacrada
Desequilíbrio da informação
Aniquilar a educação
Progressão continuada
O estado reduz os custos
Descasos nas escolas
Para formar adultos burros”

No Brain, No Gain – Discarga

Durante nossa formação somos completamente dependentes das instituições formais de ensino. Nossos pais decidem para onde iremos, e isso faz até sentido, porque somos crianças e fomos privados de tomadas de decisões desde sempre. Quando crianças nós apenas executamos as tarefas que nos são dadas. Assim nos acostumamos durante nossa formação, recebemos ordens, as executamos. A diferença em relação à vida adulta, é que as tarefas que executamos nos fornecem verbas para pagar contas e consumir. Mas a apatia segue igual. Nos resta ser só mais uma parte de um sistema explorador.

Provido de um conhecimento 
Que serve apenas como um mero instrumento 
Somos simples engrenagens 
Movendo uma monstruosa máquina 
Desde o início somos vítimas 
De um sistema educativo que anula criatividade 
Castra desejos, encerra a curiosidade pelo auto-sustento 
A sobrevivência nos limita 
A uma erudição falha e carente 
Que estimula a competição e a obediência 
Formando indivíduos controlados 
De gestos repetitivos que garantem grandes produções 
O empreguismo é o prêmio e a ignorância um castigo 
Rudemente ler e escrever ou até mesmo nem isso 
Estrutura cultural zero 
Porque empecilhos do poder afogam nosso potencial 
Escolas Livres 
Educação de verdade

Educação Zero – Abuso Sonoro

E pensando nessa busca constante por conhecimento, me pergunto onde foi que isso parou de ser um objetivo pelas pessoas. Não acredito que a instituição escola tenha causado isso sozinha. Cada um coloca, `a sua maneira, o que seria o ato de educar, ou qual tipo de educação é importante. Entram dogmas religiosos, dogmas políticos, regras morais, e no final os jovens parecem não querer saber sobre a educação. Combatem o menosprezo pelos dogmas e opressões com uma rebeldia superficial anti-sistêmica, sem indicar que sistema é esse, sem aprofundar nas questões sociais causadoras dessas opressões. Descrevem a ação estudo como algo ruim, como se não precisássemos estudar para fazer qualquer atividade cotidiana, como usar um celular ou praticar esportes. Mesmo ações hoje automáticas exigiram estudos outrora. Talvez os conceitos de estudos, de escola, de educação já tragam conotações opressoras, e isso afasta mais ainda as pessoas da busca por conhecimento. E sem interesse não há ação, não há teoria, não há reflexão, não há diálogos. Nada funciona.

Eu aluno e eu professor.

Nesses tempos de estudo sobre o que é uma educação, o papel da escola e o papel do professor, fiquei tentando trazer um pouco sobre o tipo de aluno que eu fui, tanto no ensino básico como no ensino superior. Foram vários momentos estranhos e ser professor/educador/mediador nunca esteve nos meus planos. Onde foi essa reviravolta?

Durante a minha juventude, fui um aluno que foi do 8 ao 80 em 8 anos. Até a 5ª série eu fui um ótimo aluno. Estudava em casa, fazia os deveres, tirava notas boas e até me lembro de ter ganhado uma medalha de “Melhor Aluno em Geografia” na EM Arthur Versiani Veloso. Me lembro também de ter que ler minha redação para toda turma na 4ª série da EM Dom Jaime de Barros Câmara. Na 6ª e 7ª séries eu já não me interessava muito pelos estudos, comecei a “matar” muitas aulas e a jogar truco com meus colegas, e minhas notas caíram drasticamente. Na 8ª série eu nem consigo lembrar muito bem o que eu fazia na escola. No ensino médio, estudei o 1º e o 2º ano no Colégio Municipal Marconi, que era uma referência em bons colégios em Belo Horizonte. Na época eu já era punk e foi um local onde fiz poucos amigos. Me lembro que no turno noturno haviam apenas 3 horários, não havia educação física, nem artes, e era um colégio legal, em que os professores tinham suas próprias salas, equipadas com laboratórios, e os alunos é que mudavam de sala a cada sinal. Eu estudava no turno noturno, junto com pessoas um pouco mais velhas, e eu dividia o meu tempo diário pegando alguns bicos de trabalho, tempo na rua com alguns amigos e nada de estudos. Todo esse período de educação durou uns 10 anos, e eu só cheguei ao final do ensino médio porque no ensino municipal funcionava um sistema chamado Escola Plural, em que não havia repetência por nota, apenas por faltas. Portanto, bastava apenas frequentar as aulas (ou responder chamada e ir embora) que a situação estava completamente tranquila.

No 3º ano eu fui para rede privada, pois o vestibular se aproximava e assim eu teria mais chances de ingressar em uma universidade. Entrei em um local estranho, onde custei a me adaptar (e até hoje tenho minhas dúvidas sobre isso), não conseguia acompanhar meus colegas de sala, e eu lembro de ver minha redação exposta no projetor como “pior redação da sala/como não fazer”. Foi um local onde fiz pouquíssimos amigos e minha interação era com uma amiga que eu tinha feito nos rolés há mais tempo e que estudava no 2º ano, e com alguns amigos que faziam Cursinho no mesmo horário. A interação que eu tinha era basicamente isso. Consegui ficar de recuperação em todos os bimestres, em diversas matérias e até hoje eu não entendi o milagre deu conseguir me formar. Com certeza “fui passado” por professores que eu imagino que tenham entendido a minha situação, mas não tenho certeza.

Depois de me formar, logo consegui emprego de carteira assinada e passei, pelo menos, 2 anos nessa rotina de passar o dia trabalhando em “empregos de merda” e estudando cursinho a noite. Tentei vestibular para Comunicação Social, Educação Física (2x), Design Gráfico, Geografia (3x) e depois de 4 anos formado eu entrei no curso de Geografia em uma faculdade privada. Durou apenas um semestre. Não achei justo pagar para estudar e o curso me pareceu um pouco burocrático também. Nesse tempo eu comecei a pintar camisas com stencil, e algumas pessoas me incentivaram a fazer um curso de artes. Foi quando eu peguei algumas aulas de desenho com alguns amigos e, estudando por conta própria, consegui passar no vestibular da UEMG, em 2011. Fui estudar Artes Plásticas.

Nesse tempo, entre o final de 2005 e o início de 2011 muita coisa mudou na minha vida. Eu andava já bem desanimado com o punk e com as ideias, comecei a caminhar por um trajeto meio estranho, mas tive meu primeiro contato com as ideias zapatistas e com o EZLN, e acho que esse foi meu ponto chave. Passei a ler muita coisa e a buscar informações sobre o movimento. Descobri uma literatura toda voltada para isso, aprendi o prazer da leitura e isso me ajudou muito a chegar em algum lugar, a tomar decisões, e a começar a traçar algum rumo. Em 2008, quando comecei a namorar com a Natália, nossos interesses eram comuns, e juntos compartilhávamos ideias, livros, filmes, música, e nesse período tive um crescimento pessoal enorme. Finalmente conseguia participar de alguma discussão, ser coerente com as ideias, ou ser incoerente e tentar reconstruí-la. Em 2012, quando fomos de intercâmbio para o México, minha mente se expandiu muito mais. Viver 4 meses em uma cidade marcada pela violência e pela corrupção, e ter contato direto com pessoas que resistem diariamente nesse contexto produzindo arte, música, política, ideias, me exerceram muita influência e eu consegui voltar para o Brasil com as ideias renovadas. Chegamos em BH, produzimos muitas coisas contra a Copa do Mundo e os Despejos, tivemos contato com o COPAC, fizemos vídeos para mandar para o exterior, praticamos muitas técnicas e ideias. Foi um momento de alta produtividade.

Em 2013, de transferência para a UFMG, tive contato com a educação, e minhas primeiras experiências em gravura depois das que tive no México. Já possuía bastante noção, mas na Casa da Gravura foi onde consegui compreender a interdisciplinaridade que está contida em cada tarefa que praticamos. Aprendi muito sobre química, física, biologia, matemática, educação física somente produzindo gravuras. Nas artes, aprendi um pouco sobre filosofia, sociologia, estética, história, geografia… Foi na prática dos afazeres que comecei a me interessar por estudar diferentes áreas, pois conseguia relacionar várias áreas de conhecimento em apenas uma tarefa.

Pouco tempo depois comecei a treinar rugby. Não comecei a me exercitar do zero, pois já pedalava e fui para o rugby porque a Natália se interessou primeiro. No início eu ficava muito perdido, mas passei a estudar os documentos oficiais da World Rugby e os estudos sobre as funções dos atletas. Boom. Descobri um novo mundo. Estudando rugby eu aprendi sobre alimentação, anatomia, respiração, potência (vários tópicos da educação física) e sobre física. A física está muito presente no rugby. Desde a forma como você passa ou chuta a bola, a forma como corre e a forma como deve ser um contato entre adversários. Me interessei pelas regras do jogo e acabei me tornando árbitro pela Federação Mineira. É impressionante como todas as áreas de conhecimento se conectam em nossos afazeres diários. Passei a contrair o abdômen nas tarefas mais comuns, como lavar louça, e isso me ajudou a ter mais equilíbrio para pedalar, e mais força para estabilizar exercícios isométricos. Contrair o abdômen e compreender os movimentos musculares e de respiração me fizeram produzir litografias com muito menos cansaço e muito mais precisão ao trabalhar na prensa.

Foi com essas informações que passei 2 anos sendo monitor no Atelier de Gravura da Escola de Belas Artes e foi nesse tempo em que comecei a me interessar pela docência. Foi um feedback muito positivo por parte dos alunos que estudaram a disciplina nos meus tempos de monitor que me incentivaram a seguir por esta área. E eu gosto disso. Ser professor/educador na educação formal e não formal, ser professor/treinador de rugby. Essas funções me trazem um certo prazer, pois assim compartilho meu conhecimento com todos que se interessam por isso.

Hoje compreendo que isso só foi possível quando percebi que o conhecimento não é algo rígido, que serve apenas para uma coisa. Meus tempos na escola foram péssimos, e eu achava um local muito careta. E, de fato, falta muito para a escola ser um lugar agradável para os alunos e para o corpo docente. Viver uma cobrança por uma produtividade que não faz sentido. Fragmentar todas as etapas do saber e colocar em caixas separadas só faz crer que o tipo de ensino que temos hoje não vale a pena. O sistema de ensino parece se ligar em políticas de governo, e ignorar os atores que estão presentes no cotidiano das escolas. Hoje eu sou professor, mas tenho pavor de escola. Ontem eu fui um aluno, sem entender a função da escola.

Há um grande vão de experiências que me fizeram compreender a importância dos estudos e do compartilhamento de ideias e de práticas. Ás vezes eu acho que eu entendi isso tarde demais, que eu poderia ter aproveitado muito melhor se eu tivesse descoberto isso antes. Mas acho que cada um tem seu tempo, suas experiências. Em algum momento as coisas passam a fazer sentido, resta a nós seguir estudando nesta grande experiência chamada vida.

Diálogos com Prisca Paes

Para quem não sabe, Prisca Paes é uma grande amiga e artista, e também escreve em um blog sobre seus processos e suas ideias. Recentemente, ela escreveu um post falando um pouco sobre o que é a vida de um artista e como se preparar melhor para isso.

Essa publicação dela contém, de fato, muitas coisas que alguém que quer viver de arte deveria correr atrás ou, pelo menos, já dá uma ideia do que esperar quando você estiver nesse meio. Por mais que eu saiba o quão coerente são as afirmações dela, comigo o processo se deu de uma forma um pouco distinta, e a maioria das vezes essa culpa cabe única e exclusivamente a mim.

Não vou ficar repetindo aqui o que ela escreveu (entra no blog dela para ler, deixa de ser preguiçoso), mas vou falar das minhas experiências e frustrações com algumas das questões que ela colocou. Acredito que de vida acadêmica nós temos, mais ou menos, o mesmo tempo. Ingressamos na mesma faculdade de artes juntos, em 2011, mas em turnos diferentes. Fiquei sabendo da Prisca através de outra artista, Mariana Zani, que estudava nos dois turnos, e na época (2013 ou 2014) iriam utilizar minha estrutura de atelier para fazer serigrafias. Ainda assim, o projeto não foi para frente, e eu fui conhecer a Prisca Paes somente em uma feira de arte e publicações no Maletta, onde estava outra amiga em comum, Fabi Santana.

Apesar de sempre ter um pé nos quadrinhos e na arte urbana, seguir essa carreira nunca foi algo de meu interesse. Ingressei em uma faculdade de artes, porque alguém viu que eu pintava camisas à mão e disse que eu me daria bem na Escola Guignard. Eu acreditei nisso, afinal, depois de vários vestibulares de Comunicação Social, Design, Educação Física e um semestre em Geografia, me agradou a ideia de fugir um pouco dos meus planos.

Depois de 4 semestres estudando Artes Plásticas na Escola Guignard/UEMG me transferi para o curso de Artes Visuais da UFMG. As duas Escolas de Arte possuem características bem diferentes, e um perfil de idade dos alunos também. Se na época eu era um dos mais novos da minha sala na Guignard, na UFMG eu entrei como um dos mais velhos. E como estudante de arte, eu entendi que talvez eu não goste de ser artista, nesse molde contemporâneo, e viver o que as pessoas vivem. Ir em eventos e exposições é algo que me dá muita preguiça, e quando eu vou é para dar moral ou ver algum amigo. Ir nesses eventos é algo que me traz um certo repúdio, esbarrando em ego muito inflado de vários artistas, e sendo julgado o tempo todo por várias pessoas. Eu não gosto disso. E isso tem a ver com a questão de se inscrever em editais também. Durante a faculdade eu vi vários amigos que enviavam seu portfólio para ser julgado nesses editais, e muitos não conseguiam passar. Muitas vezes, o portfólio recebia uma avaliação ruim, e eu me perguntava se quem julgou utilizou de aspectos formais do trabalho ou de mero gosto pessoal, pois nunca há um retorno sobre onde você poderia melhorar. Inclusive eu vi professores que participaram de bancas e que disseram que o trabalho “ao vivo” eram bem melhor que as fotografias do portfólio, quando questionados os critérios de avaliação. O que me deu a entender que quem julga nem coragem possui para dizer sobre o trabalho na frente dos próprios artistas.

Nesse caso, me restam as redes que tecemos no nosso meio artístico para que possamos crescer juntos. É uma ideia interessantíssima, e ela funciona de verdade. Criando coletivos, grupos de discussão, diálogos positivos, isso tudo te faz ser um artista melhor, e também contribui para que a produção local seja melhor. Tenho inúmeros nomes que posso citar e ter a certeza de que são pessoas que me fizeram crescer de muitas formas enquanto artista, Prisca Paes é uma delas (sim, esse post é um diálogo com ela, ela é migs). Mas também é muito frustrante você achar que possui uma rede sólida e ainda assim “tomar na cara”, ver que sua rede funcionou apenas unilateralmente. Isso aconteceu comigo várias vezes, tive muitas decepções com isso, e talvez a minha mágoa em relação aos artistas belorizontinos (aqui eu generalizo, mas não são todos, rs).

Apesar dos pesares, foram as minhas redes que me fizeram conseguir caminhar por esses trajetos e muitos trabalhos que eu fiz foram por conta destas redes. Inclusive, conheci a Prisca através das redes que fomos tecendo. Estou longe de conseguir uma independência financeira através do que faço, geralmente termino o mês com a quantidade certa para pagar as contas e as dívidas, e muitas vezes preciso me ocupar em outras tarefas (pintar casas, fazer transcrição, etc) para minimamente me manter.

Dentro da faculdade de artes existem três questões, que para mim são muito relacionadas entre si, e que dialogam diretamente com os itens 1, 3 e 9 citados pela Prisca. Pelo menos na UFMG, a Escola de Belas Artes propõe um certo elitismo intelectual artístico, que compara a aptidão e competência dos alunos o tempo todo, transformando em uma disputa algo que era para ser um crescimento coletivo. Vi muitos amigos saírem da Escola de Belas Artes por conta disso. Sem contar o fato de que nem todo mundo tem grana para sustentar os gastos com os estudos e com a produção. De fato, se você não tem grana, seu trabalho é dobrado. Você vai custar a conseguir chegar em algum lugar se não tiver uma rede estável e apoiadora. Da mesma forma, tive muitos colegas de sala que possuíam um discurso muito conservador sobre as artes, levando todo tempo ao classicismo moralista de outrora e criticando aqueles que produzem arte para o comércio, para vender e poder se manter. Esses, geralmente, são os que possuem famílias muito ricas, e que não terão problema algum em ganhar dinheiro sendo intelectuais.

Quanto ao segundo item citado por Prisca, existe um grande paradoxo na minha opinião. Todo artista tem (ou deveria ter), pelo menos uma noção, de quanto vale o seu trabalho. Pelo menos aqueles que pretendem viver disso sabem o quanto gastam com material, o quanto tarda para produzir, a quantidade de esforço, e os gastos indiretos (espaço, equipamento, água, luz, internet, tempo de estudo) e acaba totalizando no valor final de cada peça. Esse não é um cálculo bobo, é bem complexo, e nós devemos, como afirmou Prisca, saber matemática sim. Porém, se você é um artista que não possui status, rede forte ou contatos ricos, fica muito complicado conseguir vender alguma peça.

Já passei por vários momentos de perder venda por causa do preço, e inclusive já vivenciei situações de pessoas que falaram que meu trabalho é “barato”, mas mesmo assim pediram desconto pra finalizar a compra. Ou aquela recorrente situação em que faço o orçamento para alguma prestação de serviço, impressão de serigrafia por exemplo, para uma pessoa que deseja um trabalho artesanal, mas compara o preço com um trabalho gráfico, de uma empresa que consegue baratear os custos devido ao equipamento que possuem. Nesses casos, nós artistas nos situamos em uma retórica que até dói um pouco, que é vender mais barato e conseguir pagar as contas ou não vender e passar perrengue por mais um tempo até conseguir outro trabalho. Tem muita gente que não valoriza a produção artística independente (e gasta muita grana com as graaandes empresas), mas foca seu olhar em quem já conquistou muita coisa e hoje, talvez, nem precise mais daquela venda. Fico me perguntando como ter um trabalho acessível financeiramente (que as pessoas da minha rede, que não são ricas e geralmente são amigos e família, possam comprar) e que não me traga prejuízos (afinal, cê já viu os preços dos materiais de arte?).

Ah, e não vamos esquecer o tanto de vezes que eu escutei: “você precisa se valorizar mais”, “as pessoas não dão valor a trabalhos muito baratos, acham que não tem qualidade”. Mas aí voltamos ao paradoxo inicial, como me valorizar se as pessoas não o fazem e como precificar sem elitizar meu trabalho?

No mais, Prisca foi muito feliz em suas afirmações. Cuide das suas contas e finanças, seja organizado, saiba dar valor ao seu trabalho e ao seu tempo. Fortaleça suas redes e estude muito, o tempo todo. Trate tudo que você faz como se fossem estudos e não dê ouvidos à nada que não seja positivo para si, pois muita gente nos machuca com palavras nesses ambientes, mesmo sem o propósito para tal.

Espero não ter sido rude aqui, e estou sempre aberto a diálogos.

Abraços firmes distanciados.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 2

Dando segmento à minha pesquisa sobre a relação entre o punk rock e a educação, trago mais algumas letras que eu acho que tem a ver com minhas indagações no post anterior. Escreverei sobre algumas letras das bandas Solstício (RJ), Constrito (SP) e Ayat Akrass (PR). Essas bandas não se encaixam no gênero punk rock, estão mais para um Hardcore, Metalcore, Rapcore, e esses subgêneros. São bandas com letras bem coerentes e conteúdos muito politizados. Apesar de não serem “punk rock“, acho que o meio em que estão inseridas, nesse underground politizado, são bem similares, e eu acredito que poderiam muito bem dividir palco e público no mesmo evento. Para além dessa diferença conceitual, o que desejo com esse texto é fazer pequenas análises, relacionando o contexto educacional com algumas letras de hardcore, trazendo a discussão para uma comparação com a conteporaneidade.

Trago algumas referências ideológicas de Louis Althusser, e concordo plenamente de que o sistema de ensino é um aparelho ideológico do estado, e que a educação, sobretudo pública, vai tentar reproduzir ou impor o que ela entende que seja necessário para manter as engrenagens do estado funcionando corretamente. A existência de escolas técnicas, por exemplo, serve exclusivamente para formar mãos de obra para o mercado, e é o lugar onde as disciplinas de humanas e de criação/expressão são completamente ignoradas. O estado, hoje, sugere que toda educação siga uma linha tecnicista, e ataca diretamente qualquer disciplina que incita o pensamento e a reflexão sobre o ser e sobre o que vivemos. Não estou dizendo que o estado sempre age assim, mas a opinião pública, muito preocupada com o desemprego, pesca esse discurso como se fosse uma referência boa, e se como todos os jovens e adultos devessem tomar essa referência como futuro.

A música “Espaço de Conhecimento” da banda Constrito faz uma crítica direta a esse tipo de política. Baseados em princípios neoliberais e apoiados pelas agências de financiamentos mundiais (Banco Mundial, BID, FMI, Unesco, Unicef, etc), o estado de São Paulo propunha uma reforma educacional na segunda metade dos anos 90 e no início dos anos 2000, e ao que me parece gerou calorosos debates sobre a implantação do sistema. Foi uma imposição que veio de “cima para baixo” e hoje sabemos que os governantes lograram com as reformas. Acredito que esse tipo de política educacional que ignora os anseios dos alunos, colocando todos sob o mesmo patamar de desejos seja uma das formas mais cruel de confinamento dos sonhos. Elas ignoram que os jovens possam trabalhar em qualquer área, e não somente servir de uma futura mão de obra sem especialiades. Contudo elas continuam sendo prioridade nas agendas de muitos governos porque são um prato cheio para a manutenção de políticas conservadoras e ligadas à direita. Manter uma sociedade dividida em classes, com diferentes níveis salariais e cargas horárias de trabalho, é essencial para esse tipo de engrenagem funcionar. Faz o funcionário depender do salário, geralmente baixo, e não permite tempo de pensamentos e reflexões. Isso evita reuniões de trabalhadores para reivindicar melhores condições, afinal só querem manter o salário em dia. A política, assim, atua para manter o mercado aquecido e funcionando, com muita gente produzindo para gerar riqueza para poucos.

“Diminuir drasticamente a carga horária semanal
Nas escolas da rede pública do estado
Gera milhões de desempregados,
Além dos desdobramentos funestos à formação
Da cidadania dos alunos do estado de são paulo,
A liberdade de criação e desenvolvimento
Das escolas estaduais públicas
Vem sendo continuamente desrespeitada.
Um cenário de desprestígio, (de) demérito,
Para a formação nas áreas de ciências humanas;
Tal como o regime militar operou em décadas passadas,
Medidas impostas de “cima para baixo” somente anunciaram
E realizaram um futuro melhor para poucos,
Implementando-se às custas de enormes prejuízos sociais,
A eles (o governo estadual) importa estabelecer uma
Nova regulamentação do mercado de trabalho.
Mediante uma desregulamentação de profissões,
Disciplinando as classes subalternas via elementos
Coercitivos geradores de um “mal mercado”.
Para dirigirem o processo de “atualização”
Do país aos ditames da globalização.
É impensável a formação de indivíduo
Adaptado ao mercado globalizado
Sem o concurso de uma sólida formação
No campo das ciências humanas.
Acreditamos numa escola
Que seja um espaço de conhecimento
E não um espaço institucional,
Disciplinador e autoritário…”

Constrito – Espaço de Conhecimento

Pensando na questão da educação, a interdisciplinariedade de todas as as áreas de conhecimento é fundamental para a libertação individual e coletiva de qualquer sociedade. É preciso entender que tudo que fazemos em nossas vidas são estudos, desde plantar/colher, a escrever/ler, pensar estratégias, dialogar, criar, produzir, refletir. Tudo  faz parte do pressuposto em que várias áreas de conhecimento estão interligadas, e co-dependem umas das outras para se desenvolverem. Pensa em Leonardo da Vinci, que produzia muita coisa em diversas áreas, pesquisava tudo que o deixava curioso, e só assim conseguiu revoluionar vários campos da ciência, como arte, filosofia, medicina, engenharia, e nunca se limitou unicamente a apenas um campo de pesquisa.

A educação, como é hoje na maioria das instituições, priva os alunos desse tipo de ensino, fragmenta o conhecimento e transforma todo o processo em uma disputa meritocrática. Competições de conhecimentos, melhores notas, provas, fracasso escolar, repetência, prêmios e punições. Valorização de algumas áreas em detrimento de outras, e falta de empatia com os alunos que não se adaptam ao modelo. Esse é o tipo de educação voltado exclusivamente para o mercado. Funciona como uma preparação para o que é a vida hoje, essa competição mercadológica pelo melhor cargo, pelo melhor salário, o desprezo pelas áreas de humanas, que costumam pagar menos (nos empregos públicos e privados) que as biológicas e exatas, por exemplo. A música “Taylor” da banda Solstício exemplifica bem essa ideia.

“Não posso calar ou ceder, me entregar ao torpor. Estou tão cheio de ódio, farto do medo e da dor. Noto que sonho acordado, a realidade é ilusão. Moldando os seus pensamentos te mantêm nessa prisão. E conhecer o inimigo para se opor é impossível, com a mídia ao inteiro dispor da estrutura de domínio que ascende às nações. Donos das nossas vidas, grandes corporações.

Somos partes da linha de produção. Peças descartadas com as variações do mercado.
A cada nova tecnologia nos tornamos mais desgraçados. Buscando liberdade nos encantamos com a servidão.

Uns poucos lutam, gritam, mostram sua revolta. Não quero crer que onde estamos já não há mais volta. Mais-valia é um crime e o povo não acorda. A escola não cria cidadãos mas mão-de-obra. E se a família é uma fábrica de competidores, a favela é destinada aos perdedores. Temos as vidas vendidas na bolsa de valores. Nos alienaram ao nosso próprio destino.”

Solstício – Taylor

A minha questão com o ensino por parte do estado ser uma imposição do que os governantes acreditem ser necessários para a manutenção desse tipo de sistema, se deve ao fato de o estado possuir várias opções de ações,  mas que nem sempre ele opta pelo o que é melhor para a população. Pense nos dias de hoje com toda essa questão do corona vírus e quais ações um governante pode adotar para proteger a sociedade. Há experiências de países que já passaram pelo pior, países que estão passando pelo pior e países que irão passar pelo pior. Há recomendações de cientistas, virologistas, médicos e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o que deve ser feito para que o estrago não seja tão grande. Nesse sentido o governante pode optar por uma quarentena obrigatória, pelo isolamento/distanciamento social e pelo pleno funcionamento de todas as atividades, sem parar nada. Um governante precisa escolher alguma destas alternativas. Ele pode basear suas decisões em estudos científicos, em experiências políticas de países que já estão lidando com o vírus há mais tempo, pelas sugestões da OMS, ou ele pode optar por suas próprias decisões, sem muitos critérios além da convicção pessoal. Cada governante vai decidir pelo que lhe convier politicamente. No sistema de ensino o funcionamento é bem parecido. Os governantes podem optar pelas políticas educacionais que lhe convém, baseado na ciência, na sociedade, nas pesquisas ou no senso comum, que vai funcionar para aquele tempo de mandato. Depois dos 4 anos, pode ser que tudo mude e venha outra política.

A música “Quadro Negro” da banda Ayat Akrass traz um pouco dessa perspectiva. Políticas de estado e de governo que asseguram a manutenção do sistema de acordo com suas próprias convições políticas. É ignorado o que os indivíduos almejam, os estudantes não são escutados e tudo o que irão saber é somente o que o plano político de ensino determina. Óbvio que alguns professores têm ou sentem autonomia e confiança o suficiente para criar seus próprios planos de estudos, mas é difícil fugir do que é imposto, e atualmente a sociedade exige muito mais nesse sentido (isso é uma antítese da participação da comunidade da escola). Eles exigem coisas que não são dever da escola, e reclamam por algo que não sabem o que é, por exemplo, “doutrinar os alunos”.

“Rachaduras e cacos de vidro estilhaçados pelo chão, em frente às mesmas paredes cinza que insistem manter-se erguidas.
O medo conflitando com a perseverança, a esperança e o amor conflitando com a desestruturação e a ruína. A dinâmica neoliberal sangra o ensino defasando o professorado, alienando e destruindo as possibilidades de progresso do proletariado, assegurando a hegemonia burguesa. A mesma parede cinza por trás do quadro negro, silencia perante genocídio previamente calculado da organização popular. Desconstruindo sonhos e programando futuros corpos-bomba.”

Ayat Akrass – Quadro Negro

Pensando um pouco na questão coletiva nesse momento de incertezas quanto ao futuro e de paralização das atividades educacionais como forma de conter a contaminação por Corona Vírus, a educação entra em discussão novamente. Em Minas Gerais o governo suspendeu as aulas sob pressão social, mas a todo tempo tenta criar alguma política de retorno às aulas, ao ensino por distância, ou dar afazeres para os professores que estão de férias obrigatórias nesse período. Incomoda muito o governo manter os professores parados, e há também uma pressão por parte dos pais, que não sabem o que fazer com os filhos em casa. Se você não acredita, basta ver as várias notícias sugerindo atividades e afazeres para praticar com os filhos dentro de casa. Talvez por isso a cobrança em cima da escola sobre a educação com os filhos. Os pais parecem não saber o que fazer, em como educar, e delega isso ao sistema educacional. Mas não é apenas deixar na escola para que a escola ensine. Eles colocam na escola e querem que a escola ensine o que eles acham adequado. Isso inclui não somente as disicplinas tradicionais, mas ideologias e costumes, travestidos de moral. Essa é a minha ideia sobre o que a sociedade entende por papel da escola.

Eu penso, e volto a repetir aqui, que a escola deveria sim existir, porém como um lugar de construção de liberdade, autonomia, respeito e coletivismo. A educação acontece dentro e fora do embiente escolar, e o aprendizado existe em todas as tarefas que exercemos como indivíduos e em nossa interação com outros. Imagine o que estaríamos passando se não houvesse essa competição por insumos médicos, essa pressão de ter que ficar em casa entediado e, sobretudo, essa briga política na corrida pelo bem estar (ou mal-estar) social? Tudo parte da educação e o reflexo dessa sociedade que vemos hoje são resultados das políticas educacionais que vivemos. A relação com os professores é importante, bem como a relação com os colegas, com a família, com a cidade, com os amigos e com os inimigos. Tudo é educação.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 1

Escutar músicas de bandas punk é algo que eu curto desde minha adolescência. Boa parte dessas bandas e suas respectivas letras formaram meu caráter. Felizmente, o caráter é algo que sofre metamorfoses todos os dias, e nem tudo que eu acreditava há 15 anos atrás eu acredito hoje. Muitas ideias e atitudes mudaram com o tempo e eu acho legal que isso aconteça. Acredito que é uma forma de reconhecer a maturidade das ideias, e também de entender que tudo é um acumulado de bagagem teórica e prática que larga mão de alguma coisa para poder acoplar outra que faça mais sentido.

Recentemente, apresentei meu TCC onde reflito um pouco sobre a influência do hardcore/punk/anarquismo na minha vida e nas metodologias de educação contemporâneas. Tentei fazer um estudo sobre educação e anarquismo, mas isso é muito denso para o tempo que eu tinha, portanto eu acabei me concentrando na comparação dos sistemas de educação formais e não-formais em que pude trabalhar, e algumas reflexões sobre os espaços e métodos. Utilizei como referência, principalmente, Ana Mae Barbosa, Paulo Freire e Silvio Gallo, e cruzei temas sobre educação para a liberdade, papel da arte-educação e educação libertária. Meu objetivo era criar uma discussão sobre como ser professor/instrutor/facilitador para formar sujeitos livres. Nesses tempos de quarentena eu irei reformular meus capítulos, e se tudo der certo eu lanço uma edição física e em pdf para poder compartilhar, pois muita gente se interessou pelo tema.

Para começar a discussão coloco uma epígrafe onde transcrevo, de forma literal, a letra “O Poder do Pensamento Negativo” da banda Colligere. Essa talvez seja a letra que mais me provoca no sentido de refletir sobre nossas ações que possuem como finalidade alcançar a “liberdade”. Claro que cada ser, a partir de seus preceitos e conhecimentos, possui um conceito diferente sobre ‘ser livre’, e eu não quero, de forma alguma, impor algo.

“As lições estão no quadro – a salvação no altar
Nós trocamos os desejos por aceitação
Pessoas têm o seu papel – você aprende o seu
Te ensinam o destino, mas não de onde provém
Talvez isso explique a existência de heróis
Pessoas como nunca vamos ser – livres e fortes
Você aprende o que comprar
Para esquecer sua falta de poder e de liberdade
Sua vida vai embora – você reza pro tempo passar
No final, é tudo uma questão de aceitar as regras
Abrir mão de algumas coisas para ter outras
Natureza é conflito. Sociedade é submissão
A conveniência se impõe sobre a liberdade
E o poder se impõe sobre a vontade
Quem constrói a verdade controla sua vida.
Cansados de perder, alguns tentam mudar por dentro.”

Colligere – O Poder do Pensamento Negativo

Essa música abre o álbum “Sobre determinação e desespero”, lançado no ano 2000. Faz 17 anos que essa letra me gera incômodo, pois cada vez que eu escuto, eu compreendo o quão ainda estou longe de ser um sujeito livre. E estando longe de ser um sujeito livre como eu poderia formar sujeitos livres? Ser um sujeito crítico significa ser livre?

Colligere não é bem uma banda punk. É uma banda de hardcore cujas letras me estimulam refletir, pensar, propor e discutir algum tema. É uma chama disparadora de questionamentos sobre diversas situações, e durante muito tempo foi fonte de referências para produzir e para sobreviver. Suas letras possuem fragmentos de diversas obras literárias, de ficções, de teorias, de poesia, de outras músicas, e muitas vezes, ao escutar, você cria as associações: “Esse trecho é de tal livro!”. Já encontrei Fernando Pessoa, Guy Debord, Milan Kundera, só para citar alguns, e tenho certeza de que você encontrará outras referências também.

Durante muitos anos venho analisando as letras de musicas de bandas punk e percebo que elas escancaram realidades cotidianas da sociedade e do sistema politico numa perspectiva muito direta. São letras que citam, reclamam, protestam e que passaram a me provocar um desejo de aprofundar e estudar sobre questões de liberdade, justiça social, política, etc. Na minha pesquisa para o TCC, andei escutando novamente algumas letras e percebi que elas servem como disparador de algo muito maior, que ha alguns anos atrás não compreendia. 

A música “Ódio³” da banda Ratos de Porão é algo que exemplifica bem esse sentimento. É um ataque direto às intituições de ensino e religiosas que, apesar de entender, eu discordo. Logo nas primeiras estrofes a letra diz que o sujeito odeia a escola, parou de estudar e que o ensino é uma ditadura cultural. Logo depois os professores são chamados de raça superior, senhores do saber, são odiados e que é um ritual medíocre. Eu realmente entendo esses ataques, e acho que as experiências de cada ser são bem distintas. A Escola é uma instituição que tende a homogeneizar seus alunos, e cada qual que foge da linha sofre punições e restrições, e nenhum tipo de escuta ou empatia.

“Eu odeio escola
Parei de estudar
É inútil prosseguir
A ditadura cultural

Odeio professores
Raça superior
Senhores do saber
Medíocre ritual

Detestar, odiar, desprezar
Detestar, odiar, desprezar

Tudo o que sei
A rua me ensinou
Tudo o que faço
É pra me divertir

Ninguém manda em mim
Falo alto, faço pouco
Não tenho educação

Odeio padres
E a falsa castidade
O voto da pobreza
Do banco Itaú

Odeio igrejas
Imagens irreais
Não atendem os pedidos
Do otário sonhador

Meu ódio é normal
Pode destruir
Ação radical
É o nosso poder”

Ratos de Porão – Ódio³

A música “Sistema de enseñanza” da banda espanhola Sin Dios segue na mesma linha, criticando o sistema educacional, que confina os alunos em disciplinas rígidas, sem lazer, formando pessoas para serem brutas e apenas úteis à sociedade. De fato, boa parte das escolas utilizam o lema “mercado de trabalho” como forma de angariar alunos, e isso transforma todo sistema em uma competição por aprovação. Quantos são os casos de “fracasso escolar” que encontramos na literatura da educação? São jovens que não se adaptam a esse sistema de pressão e disputas e que não entendem que esse sistema não funciona para todos. O sistema impõe e os pais acatam. São poucos métodos alternativos que são acessíveis e/ou públicos, e a maioria dos pais não costumam confiar em educações que prezam pelo crescimento do ser, das relações construídas no dia-a-dia, na prática, na compreensão.

Em diversas oportunidades, o ambiente escolar é comparado com o sistema prisional. Foucault já escreveu sobre essa comparação e ela é realmente muito válida. Foi num dos capítulos do meu TCC em que falo um pouco sobre as oficinas no Sistema Socioeducativo em que trabalhei, onde comparo as diferenças e similaridades da prisão com a escola. Há até um jogo online onde eles mostram um fragmento de foto e você responder se é escola ou se é prisão (depois procurem no Google esse jogo. É difícil diferenciar). Me lembro bem de uma aluna de uma escola do ensino regular/formal, onde já houve vários casos de suicídio e depressão dos alunos, solicitando psicólogo para os alunos e a escola dizendo não ter verba, enquanto que no sistema socioeducativo tinha psicólogo, terapeuta educacional, pedagogo e advogado trabalhando e atendendo os jovens que ali estavam presos. Acho que, apesar de serem abordagens e situações diferentes, ambas instituições deveriam ter profissionais qualificados para atender seu público, pois sabemos que há demanda para o serviço, mas não há boa vontade do poder público.

A música do Sin Dios termina clamando que queimem o sistema burguês de ensino. Antes eu concordava muito com isso, mas depois analisei outros fatores. Imaginando a situação brasileira e a história do ensino no país, devo lembrar que a educação deu início com os jesuítas e, somente com a expulsão deles do país, o estado se viu obrigado a prestar esse serviço. Hoje temos educação privada, religiosa, pública, informal, não formal. Infelizmente, a maioria dos bons projetos educacionais estão concentrados na iniciativa privada, por vezes religiosa, e não é culpa somente dos burgueses. É de todo o sistema. O estado, cada vez mais, sucateia os recursos educacionais, e sobretudo agora, sucateia os lugares de pesquisa e extensão, cortando verbas de bolsas de pesquisadores. As consequências dessas ações políticas são cada vez mais descredibilizar o ensino público e fortalecer o sistema privado. Esse processo ja aconteceu em alguns países, como o caso do Chile, e começamos a ver isso acontecendo atualmente no Brasil, quando governantes propõem sistemas de controle e qualidade da educação através de um processo puramente mercadológico, empresarial. Os projetos de educação não formal/informal também fazem parte desse jogo. O governo não apresenta condições de ofertar e subsidiar projetos e programas, fazendo com que estes dependam de ações de empresas privadas ou sobrevivam através de doações. Contudo, doações nunca são suficientes, o trabalho é bastante insalubre e os profissionais desvalorizados. Os projetos não sobrevivem de forma autônoma, e são poucos que tiveram sucesso nessa linha. A burguesia apenas manipula o sistema para que isso ocorra. 

“Desde pequeños ¡domesticación!
Premio y castigo es la educación
Juego en el patio, dura media hora
La disciplina, diez horas mas

Deberíamos quemar todos los colegios
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El instituto es otra cárcel
Donde aprendes poco y mal.
Días de examen, selectividad
Algo que pronto olvidarás

Deberíamos quemar los institutos
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El sistema de enseñanza
No estimula el aprender
Persigue embrutecerte
Ser útil a la sociedad
Se sumiso y no cuestiones
Acepta la autoridad
Inculto, sigue la norma
No pienses mas que los demás

La facultad, crítica muerta
Profesorado, mediocridad
Los contenidos manipulados
Juegas tu futuro en un tribunal

Deberíamos quemar la universidad
Deberíamos quemarla ¡ya!
Deberíamos quemar el sistema burgués de enseñanza
Deberíamos quemarlo ¡ya!”

Sin Dios – Sistema de Enseñanza

A letra também pontua a necessidade escolar de formar pessoas que sejam úteis à sociedade. E sobre isso eu entendo que “ser útil” significa servir de mão de obra sem questionar, pera seguir alimentando a lógica de produção capitalista, mercantil. Talvez, por essas razões, as áreas de humanas, de criação, artísticas são tão perseguidas e reprimidas, pois são os locais onde se formam sujeitos críticos, pensantes. A metáfora utilizada pela banda Ação Direta na música “A vida sem a arte” é bem certeira nesse sentido. A comparação de uma vida vazia, que apenas segue e obedece é o mesmo que acontece com uma vida sem as artes, fadado ao fracasso.

“Sem forças para arrebentar os elos desta corrente
Nem noções básicas de cultura e cidadania
Milhares de histórias giram em torno do sofrimento
Caminhos que levam ao mesmo destino

Um grito no vazio
Como a vida sem a arte
A mentalidade miserável
O fracasso humano

Representando um universo inexpressivo
Mentes condenadas à ignorância e ao analfabetismo
O exército se multiplica por todos os lados
Só a esperança mantém os oprimidos respirando.”

Ação Direta – A Vida sem a arte

A Escola deveria ser um ambiente de desenvolvimento dos sujeitos, formação de seres livres, críticos, pensantes. Mas como se compreender como anarquista (ou próximo disto) e sempre depender do estado ou de investimento privado para conseguir este objetivo? Parece contraditório e nós temos que conviver com nossos conflitos conceituais enquanto tentamos alternativas. A música Fator Crucial” da banda Ação Direta me abriu um pouco a percepção para discutir um pouco isso. O estado, como um ator politico, consegue alcançar lugares que nem imaginamos, e se não fosse por isso, o acesso à educação seria muito mais limitado. Por mais que eu discuta muito a função do estado, eu entendo que o sistema educacional estatal é muito necessário, pois é onde outros sujeitos têm contato com informações que não chegam de forma satisfatória na zona rural, por exemplo. Certo que hoje existe a internet, e que tudo anda muito mais conectado, a informação corre rápido, mas eu acredito no papel do professor como elemento disparador de ideias.

As licenciaturas possuem esse papel de transformar o professor como alguém que está ali para formar pessoas. Recentemente, trabalhando para uma ONG, eu visitei várias escolas em diversos interiores e zonas rurais, e eu vi muito mais coerção religiosa e moral do que libertação. São regiões muito mais conservadoras, e aqui eu caio em outra contradição. A educação que eu acredito é a mesma que essas pessoas também acreditam? Quando criticamos a educação, que tipo de situações criticamos? É nosso dever ir em todas as escolas apontar o dedo para os “erros”? Esse tipo de educação funciona para eles?

“Um país mais rico que alfabetizado
Uma nação tão desigual
Nenhum investimento, nenhum incentivo
Desperdício de potencial
Sem aprendizado, sem cidadania
Caótico quadro social

Exclusão do mundo letrado
Cidadão humilhado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Distantes do sonho de primeiro mundo
Sem projetos para a educação
Falência do ensino, ausência do estado
Reflexos da degradação
A arma, o crime, novas referências
Agravando a situação
Futuro incerto, gerações condenadas
Carentes de proteção

Exclusão do mundo letrado
Cidadão acuado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Figuramos entre as maiores economias do mundo,
Mas ainda possuímos um dos piores
Quadros sociais, ultrapassando a marca dos
15 milhões de analfabetos
Além de ser um direito
Assegurado pela constituição
A educação é um fator crucial responsável pela
Dignidade do povo e pelo
Desenvolvimento da nação

Exclusão do mundo letrado
Cidadão discriminado
Revolução educacional
Alfabetização crucial”

Ação Direta – Fator Crucial

Sempre fico em dúvidas se entro nessa questão e quero deixar bem claro que isso é o meu ponto de vista. Em várias destas letras que expus acima, a religião é criticada e esse é um ponto em que eu concordo veementemente. Religiões, não importa qual, são carregadas de morais e costumes, e associar a moral religiosa com a liberdade, que a meu ver são antíteses, se tornam um erro. Claro que isso é apenas um ponto de vista, e estou aberto a discussões, e sei que existem pessoas que buscam a liberdade através da religião. E meu questionamento está nesse processo: A religião se torna um meio de buscar a libertação, ou o sujeito entende que a liberdade é o que determina a religião?Acho que são pontos de vista bem distintos e não irei aprofundarme nessa questão agora.

O importante é compreender como traçar um caminho para uma libertação pessoal. Para desenvolver-se como sujeito pensante e crítico é interessante manter um processo de reflexão sobre vários temas, e associar com tudo que possa conectar com tal assunto. Ler, produzir arte, escrever, trabalhar o corpo, todas essas são formas de disparar perguntas sobre o que estamos fazendo. Pensa e atua dizem os anarquistas. Como você recepciona as informações? Você ignora, você pensa, você associa, você discute ou propõe ações para alguém?

A música “Leer para luchar” da banda Sin Dios parece ir nesse caminho. Pensar e atuar, produzir, discutir, ler e mudar conceitos. Aplicar seus conhecimentos para melhorar a vida comum, para tornar sujeitos livres.

“Si sólo repites consignas
Es que no sabes nada
Si sólo sabes de memoria
Una marioneta serás

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas solo
Lo que quieres oír?

Crece, aprende, instrúyete
Fórmate, estudia
No hay que perder
Historia, novela,
Poesía o ensayo
Fanzines, prensa,
O contra información

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo,
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?

Leer para crecer
Leer para luchar

No te autocensures
La curiosidad te debe guiar
Un pueblo formado es
Lo que más detesta el poder

Leer para crecer
Leer para luchar
Leer para entender
Leer y ser libre

La complacencia es
Ignorancia
Gritar por gritar
Es mas bien rebuznar

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?
¡¡Lo que quieres oír!!”

Sin Dios – Leer para luchar

Concluindo essa pequena reflexão, penso que toda ação merece uma discussão mais profunda. Compreender o papel do educador/professor/facilitador e como lograr algum objetivo é uma tarefa importantíssima e depende muito de discutir propostas entre diversos atores. O que dá certo e o que não dá certo, tentativas, erros e acertos, o que existe de produção literária sobre o assunto, como difundir a informação? Fico pensando que o que chamamos de “movimento punk já está em uma curva decadente no gráfico. Muita gente envolvida não tinha noção do que estava fazendo ali, e muito material produzido é muito razo ou não condiz com o que o movimento propõe. No final das contas, quem faz o movimento? Quem acredita no movimento? Quanto mais bandas surgirem e discutirem o sistema educacional de uma forma mais profunda e coerente, sem apenas julgar o que já existe, acredito que conseguiremos chegar a uma certa liberdade. O que almejamos é um bem comum, cidadãos que se apoiem mutuamente e a educação é o primeiro passo para esta finalidade.

“Essa é a nossa contra cultura
Mais participação, menos expectativa
Centenas de pessoas envolvidas
Meia dúzia de sempre que organiza
É mais fácil do que pensam
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Atue e conteste”

Discarga – Contra Cultura

Você que leu até aqui, teria alguma indicação de bandas ou músicas que tratem do tema? E de literatura? Me dá ideia. Estou com as ideias em aberto e gostaria de continuar pesquisando. Comente algo sobre o texto. É a melhor forma de propor algum diálogo e até, quem sabe, promover uma mudança de paradigmas.

Sobre distanciamento social

Já fazem alguns dias que não saio de casa. Atualmente morrem 3.000 pessoas por dia no mundo e isso é sim uma estatística preocupante. O isolamento/distanciamento social é algo necessário para que esse número não seja tão grande, ou não aumente em uma proporção mais catastrófica.

Para além dos casos diários a tarefa de “ficar em casa”tem sido estranha. Treinar desenhos, letras (o que eu faço nessa área estão nos destaques do Instagram), uma técnica ou outra de pintura que eu trouxe do meu atelier e que é mais fácil transportar e guardar, ler algumas notícias, ver séries, ler alguns capítulos de livros, lavar vasilhas, comer/fazer comida. Essa tem sido uma rotina. Parece que eu vivo em um looping de tarefas. Estou sem entender se eu repito muito o dia anterior, ou se isso é normal e vai passar. É uma sensação estranha, não consigo não pensar nisso. Mas imagino que muitos que adotaram a política de isolamento/distanciamento também estão passando por algo similar.

É impressionante o quanto me dá vontade de fazer coisas que antes podia fazer, mas que preferia não fazer por N razões (falta de tempo, dinheiro, trabalho, desgaste), e acho que talvez esse seja o meu maior desejo agora: sair tranquilo, reforçar as interações sociais, minhas redes. Essa coisa de conversar por Skype com as pessoas me fizeram ver o quanto sinto falta delas e de muitas outras, que eu sei que me fazem bem. Se antes eu não saía, hoje me dá vontade de sair a qualquer custo. Mas eu sigo no meu looping diário, pelo menos até esses tempos sombrios terminarem.

Uma coisa que tenho feito muito também é olhar fotos de viagens. Lugares que visitamos e que hoje estão completamente desertos. Tempos muito felizes em lugares muito massas, talvez nunca mais sejam os mesmos. E eu vejo o passado e penso no futuro, o que será dele? Daqui um ano, como será que lembraremos desse 2020? Lembraremos dos momentos difíceis, das interações virtuais, de estatísticas de mortes, das políticas adotadas por políticos? Ou lembraremos do quanto sentíamos falta de nossa vida pública, daquelas amizades que fortalecemos nesse presente bizarro?

Se cuidem!

Sobre vídeos

Ultimamente ando me arriscando na produção de vídeos. São tutoriais, processos, fragmentos de rolés, algumas aulas… Tudo será disponibilizado no canal do Youtube e no IGTV.

É uma ótima forma de registro do processo de trabalho, pois ver o produto sem saber por tudo o que passou antes de se tornar aquilo se perde um pouco da experiência.

O primeiro vídeo é um processo de corte e pintura de um stencil de 4 camadas. Foi todo filmado em Time-Lapse.

 

O segundo vídeo postado são de fragmentos de rolés, com cenas tomadas entre 2012 e 2019, em diversas cidades. São pequenos trechos de colagem de cartazes lambe-lambe e de stickers.

 

No canal do Youtube seguirei postando vídeos, tem muito material guardado aqui, que eu filmei há muitos anos e não sabia o que fazer com isso. Também estou me arriscando na edição, não conheço muito, mas estou fazendo o que posso.

Mais planos

Chegando na reta final de apresentação do TCC, prestes a me formar em Licenciatura em Artes Visuais, o planejamento para os próximos meses começa a maquinar na minha cabeça. Eu já estava pensando em algumas mudanças na estrutura e mobiliário do meu atelier, com a finalidade de liberar espaço para adquirir novos equipamentos e aproveitar melhor o espaço ocioso em alguns lugares.

Começando pela cozinha, necessito urgentemente de um armário ou despensa para guardar utensílios domésticos e mantimentos. Já estamos olhando isso e é capaz da gente adquirir algo barato, para quebrar o galho até conseguirmos uma estrutura melhor. Também é necessário equipar o espaço para a produção de chocolates e bombons, comprar um aparador mais alto para a coluna agradecer no final do dia.

A sala de serigrafia também será alterada. Preciso contratar um serralheiro para criar uma estrutura de apoio para as telas de serigrafia ficarem guardadas suspensas. Também uma estrutura para apoiar as telas de maneira horizontal para secar emulsão no escuro. A ideia é, também, investir em uma mesa de luz a vácuo para gravar as telas, eliminando a utilização de livros como peso, e até para gerar uma gravação mais precisa também. Além disso, adquirir mais dois berços de impressão de estampas e uma mesa mais extensa, para colocar as telas descansando enquanto imprime outras cores. Talvez essas mudanças serão o investimento mais alto no atelier, mas que, no final, vai valer muito a pena.

Na sala principal, a ideia é adquirir mais módulos de estantes para guardar o restante dos livros e mais algumas outras miudezas que estão sem espaço. O móvel da sala também será eliminado, pois não aguentou o peso dos discos de vinil e da televisão e cedeu em diversas partes. Ainda precisamos estudar as possibilidades nesse local.

No quarto de produção, preciso de mais módulos para guardar materiais, ou alguma estrutura tipo mapoteca de gavetas que suporte papéis e matrizes. Atualmente eu uso uma cômoda, que está comigo há mais de 15 anos, e recentemente ela também não aguentou o peso dos papéis, cedendo em diversas partes. A ideia da mapoteca é justamente comprar uma que suporte o peso, e que suporte papéis de grandes formatos, tipo A2, pois eu não tenho onde guardá-los. Também é necessário colocar uma mesa de vidro ou tábua de corte em cima da mesa de trabalho, para esticar tinta de gravura e cortar stencil. Também há a possibilidade de cortar stencil em algum suporte portátil, mas este precisa ser grande, pois estou com projetos megalomaníacos para produzir. Também é necessário a compra de cadeiras e bancos, preferencialmente dobráveis, que possam ser guardados. Há a necessidade, também, de pendurar os quadros nas paredes que não possuem infiltrações (tomando todo cuidado para não mofar os quadros), e construir suportes para os rolinhos de borracha e, assim, liberar os cabideiros para roupas, bolsas e aventais.

Na parte externa, necessito pintar o muro, e já estou olhando isso com alguns amigs para fazer um mural coletivo. Também, colocar plantas para aproveitar a área externa, bem como bancos , caso alguém queira situar-se por lá. Na área externa, também colocarei um tanque para lavar telas, já estou vendo isso com um amigo, e quando instalado, poderei limpar o chão, que anda encardido de tinta, emulsão e químico de serigrafia.

Para finalizar essa parte de reformas, preciso terminar a pintura das portas e janelas, iniciadas ano passado, e que foram descontinuadas. Também, pintar com stencil a parte interna para decorar o espaço, alguns padrões de tom sobre tom, estou estudando ainda como farei, mas acho que vai rolar.

Tudo isso, porque estou com muitos planos de produção e de aulas e quanto mais eu puder investir no espaço, mais eu boto fé que trabalharei. Eu gosto de fazer o que faço, e acho que isso tudo vai ajudar a dar um gás nas minhas ideias.

A Loja Online anda um pouco parada, mas em breve eu volto a colocar novidades.

Fim da temporada de oficinas

Amigxs, seguidorxs, clientes, alunxs, simpatizantes, vim avisar sobre o fim da temporada de oficinas de 2019. A partir de agora ao fim ano, me dedicarei a uma série de viagens junto com o projeto Conexão Comunidade para ministrar oficinas em várias outras cidades, e também me dedicarei aos estudos e escrita do meu TCC em licenciatura em Artes Visuais, a ser apresentado no final do ano.

Sobre as viagens, tentarei escrever aqui sobre as experiências, colocar algumas fotos, vamos ver o que darei conta, mas, de qualquer forma, tentarei manter o blog atualizado.

Sobre meu TCC, estou escrevendo sobre minhas experiências com educação não-formal e a importância delas fora do âmbito escolar. Ainda falta muita coisa, estou em um ritmo lento de escrita, mas acho que vai rolar um trabalho massa.

Foram tempos de muita aprendizagem, novxs amigxs, muita troca e compartilhamento de experiências, boas conversas e muitas ideias. Muitos cursos e oficinas não rolaram por falta de interessadxs, mas muitos outros cursos e oficinas rolaram por que haviam pessoas interessadas nas técnicas. Muita coisa dá certo, muita coisa dá errado, e é assim que seguimos a vida, contornando as dificuldades e refletindo sobre os possíveis erros para seguir trabalhando e produzindo.

Só tenho a agradecer à todxs que botaram fé no rolé, que me incentivaram, à toda Rede que ajudou a divulgar, pois todo o processo foi importante para mim.

Seguirei ofertando cursos e oficinas em 2020, fiquem de olho.

A Loja Online seguirá ativa, porém o envio dos produtos poderá demorar um pouco, pois estarei longe do meu atelier.

¡Hasta luego!

 

Setembro para pagar contas

Neste mês de setembro, a loja online estará com 30% de desconto na maioria dos produtos. Além disso, há uma seção de livros usados para venda. Eu, meu pai e minha mãe separamos muitos livros que estavam parados aqui em casa para tentar fazer algum dinheiro. Deem uma olhada na Loja:

https://laidea.minestore.com.br/

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De acordo com a minha planilha, onde registro todos os meus ganhos e gastos com o trabalho, meu salário médio mensal é de 470 R$. Isso é que sobra para ser gasto com alimentação, higiene pessoal, lazer, vestuário, serviços, esportes, faculdade, transporte. Sinceramente, não dá para pagar todas as contas. Esse valor é apenas uma média, pois há meses em que os ganhos são bem menores que isso, outros em que são maiores. Nos que os ganhos são maiores, consigo guardar dinheiro para pagar algumas dívidas. Nos que são menores, eu me “fodo” completamente. E isso porque não existe férias nem 13º. Ser MEI é viver assim, na eterna insegurança, na eterna dúvida se no fim do mês tudo poderá ser pago ou não.