Seguiremos

Com os últimos suspiros de 2023 vem a vontade de escrever algo. Hoje estava pensando no que pudesse ser algo similar a uma certa retrospectiva desse ano que termina, mas acho que nada que eu escrevesse poderia representar tudo que foi. Em 2023 minha vida mudou drasticamente, teve aumento do número de clientes, de parcerias, de parceragens, de produção autoral e/ou terceirizada. Ingressei no mundo acadêmico e, ainda que eu esteja tentando me encontrar neste espaço, tenho curtido muito as pesquisas que tenho feito. Me propus a circular mais também, participei de algumas feiras em outras localidades e com isso acho que tenho conseguido firmar alguns laços importantes e ampliar as redes, conheci muita gente que significou muito para mim também. Muitas trocas importantes aconteceram nessas interações. Li bastante, tanto literatura quanto teoria, e produzi muito também na área criativa. Consegui escrever sobre minhas obras no blog, consegui inventar histórias e escrever relatos sobre minhas experiências também. Tenho me arriscado mais, sobretudo em situações em que eu havia perdido algumas das minhas habilidades. Também vivi fora das redes sociais por um tempo e, ainda que eu tenha desaparecido das timelines e feeds, foi a melhor ideia que tive em muito tempo. Vamos ver como será no próximo ano. Enfim, foi um ano ótimo. Obrigado por tudo.
Pego todas essas experiências e só consigo imaginar no porvir. O que será que teremos pela frente? Não importa, tô mais confiante que nunca.
Pego referências de DISCARGA e de FUN PEOPLE para encerrar este ano com um convite à luta, à memória, à resistência, e todas as possibilidades de vida que nos foram negadas/retiradas/arrancadas. Foi graças ao processo de resistir ao poder e às formas de dominação, de conseguirmos nos associar para firmar laços e de construir possibilidades distintas de vida que não desistiremos. Por AMOR seguiremos todxs de pé. Façamos nós mesmos o mundo que almejamos.
Pode vir 2024, estamos preparadxs!

Guaxipunx por Abya Yala de volta em Pré-venda

Roba Y Comparte, o grupo de Fölk, Kümbia, Krüst formado por Guaxicrusties está de volta em pré-venda. Agora em modelo todo preto também.
A Pré-venda será até o dia 15/08, com previsão de entrega para Setembro. A primeira pré-venda feita em março se esgotou rapidamente, e agora é provável que eu não faça tantas unidades extras como na primeira vez.
ACESSE O SITE CLICANDO AQUI PARA RESERVAR A SUA

Camisas dos Guaxininhos – Pré-venda até 18/03/23

COMPRE CLICANDO AQUI

**PRÉ-VENDA ATÉ 18/03**

Previsão de envio: 15/04/23

Guaxinins expropriadores, invadem espaços abandonados para se apresentarem. Assim funciona o grupo ROBA y COMPARTE, cujxs integrantes fazem uma mescla de instrumentos acústicos e mal regulados para tocar as canções mais ousadas do Folk, da Kumbia, e do Krust, compartilhando ideias e experiências. Em 2023 saem em turnê pelo continente Abya Yala, abrindo os corações e as mentes, liberando os quatro muros de qualquer que seja seu proprietário.
“Kontra toda autoridade, a favor da Koletividade!”

Camisetas tipo Raglan, produzida 100% com algodão ecológico Menegotti, de alta qualidade.
Estampa produzida em serigrafia artesanal, no estúdio La Idea (BH-MG)
Camisa branca com mangas pretas.
Disponíveis em vários tamanhos (Do PP ao XG).

Roba y Comparte – Abya Yala gira 2023

Roubar e compartilhar pelo continente é o tema da banda imaginária Roba Y Comparte, composta por Guaxinins vestidos a caráter, enquanto tocam belas canções de protesto ao som de Kumbia, Crüst e FolkPunk. A ideia surgiu a partir de um diálogo com minha amiga Laís, onde ela falava sobre o simbolismo anarquista dos guaxinins, que roubam, furtam e enfrentam autoridades, sempre de forma coletiva. Ela me enviou vídeos para demonstrar isso. A analogia com anarkopunx foi imediata. A ilustração foi produzida no início de 2023, bem como alguns cartazes e em breve será feita estampa de camisas também.
Sobre as bandas colocadas nas estampas, patches e adesivos nas vestimentas e instrumentos dos Guaxininhos, aqui vai uma lista:
– Bestiärio
– Cólera
– GBH
– Days n’Daze
– Against Me!
– Pigeon Pit
– Dead Kennedys
– La Lira Libertária
– Black Flag
– Las Calles
– Los Dolares
– Los Crudos
– Fun People
– Tragedy
– Crass
– Rastilho
– Doom
– DER

O PÔSTER EM SERIGRAFIA, TAMANHO A3, PODE SER ADQUIRIDO CLICANDO AQUI.

Banquinha no 10º Velada Libertária

Dia 28/01 terá a 10ª Velada Libertária, com lançamento da biografia escrita da banda Consciência Suburbana, e gig com Consciência Suburbana, Apatia Social, Distúrbio Sub-Humano, Johnny Álcool e Kaos Attack. O evento será no Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, no bairro Santa Tereza em BH.
Eu estarei com minha banquinha montada, expondo/vendendo gravuras, pôsteres e camisetas. Outrxs expositorxs também estarão por lá com seus materiais, além de rango vegano no local.
Só chegar chegando!!

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 3

Mais de um ano se passou desde que escrevi a parte 2 desta série de análises e reflexões. Fico muito feliz por ter relido minhas publicações anteriores e ter encontrado uma série de falhas, coisas que eu não escreveria hoje. A cada dia aprendemos mais, movimentamos as ideias e alteramos uma série de pensamentos. Viver é se locomover, ainda que seja somente com ideias. Saber reconhecer o quanto evoluímos nesse tempo é, de certa forma, libertador.

Meus estudos sobre educação seguem ativos, e meu interesse está cada vez maior. Ainda sigo com uma certa aversão em relação à instituição escola, e minhas críticas ao sistema escolar engessado se multiplicam a cada dia. Será mesmo tão difícil exercer um processo de aprendizado que forme sujeitos livres? A cada dia escuto mais e mais músicas que dialogam com a educação de alguma forma, e raramente escuto coisas positivas sobre os processos. Fico apenas refletindo sobre nosso crescimento, o contato com novas ideias e as críticas que fazemos à nossa formação. Hoje somos seres pensantes, sujeitos críticos, marginais, porque extrapolamos nossas relações para além da escola. Isso nos traz novas ideias, novos diálogos, novas possibilidades de atuação.

“No brain, no gain
Progressão continuada
Aprendizagem massacrada
Desequilíbrio da informação
Aniquilar a educação
Progressão continuada
O estado reduz os custos
Descasos nas escolas
Para formar adultos burros”

No Brain, No Gain – Discarga

Durante nossa formação somos completamente dependentes das instituições formais de ensino. Nossos pais decidem para onde iremos, e isso faz até sentido, porque somos crianças e fomos privados de tomadas de decisões desde sempre. Quando crianças nós apenas executamos as tarefas que nos são dadas. Assim nos acostumamos durante nossa formação, recebemos ordens, as executamos. A diferença em relação à vida adulta, é que as tarefas que executamos nos fornecem verbas para pagar contas e consumir. Mas a apatia segue igual. Nos resta ser só mais uma parte de um sistema explorador.

Provido de um conhecimento 
Que serve apenas como um mero instrumento 
Somos simples engrenagens 
Movendo uma monstruosa máquina 
Desde o início somos vítimas 
De um sistema educativo que anula criatividade 
Castra desejos, encerra a curiosidade pelo auto-sustento 
A sobrevivência nos limita 
A uma erudição falha e carente 
Que estimula a competição e a obediência 
Formando indivíduos controlados 
De gestos repetitivos que garantem grandes produções 
O empreguismo é o prêmio e a ignorância um castigo 
Rudemente ler e escrever ou até mesmo nem isso 
Estrutura cultural zero 
Porque empecilhos do poder afogam nosso potencial 
Escolas Livres 
Educação de verdade

Educação Zero – Abuso Sonoro

E pensando nessa busca constante por conhecimento, me pergunto onde foi que isso parou de ser um objetivo pelas pessoas. Não acredito que a instituição escola tenha causado isso sozinha. Cada um coloca, `a sua maneira, o que seria o ato de educar, ou qual tipo de educação é importante. Entram dogmas religiosos, dogmas políticos, regras morais, e no final os jovens parecem não querer saber sobre a educação. Combatem o menosprezo pelos dogmas e opressões com uma rebeldia superficial anti-sistêmica, sem indicar que sistema é esse, sem aprofundar nas questões sociais causadoras dessas opressões. Descrevem a ação estudo como algo ruim, como se não precisássemos estudar para fazer qualquer atividade cotidiana, como usar um celular ou praticar esportes. Mesmo ações hoje automáticas exigiram estudos outrora. Talvez os conceitos de estudos, de escola, de educação já tragam conotações opressoras, e isso afasta mais ainda as pessoas da busca por conhecimento. E sem interesse não há ação, não há teoria, não há reflexão, não há diálogos. Nada funciona.

Liberdade – Pré-venda

Já está disponível na Loja Virtual, até 31/03 a pré-venda da camisa com a estampa LIBERDADE, uma adaptação punk riot grrrl de uma gravura do Mucha.

A camisa possivelmente será produzida em 100% algodão Menegotti, mais leve e de melhor qualidade. Também será possível escolher entre 4 opções de combinações de cores.

Clique AQUI PARA COMPRAR

Gravura contra o neofascismo

Basta ler o livro de Jason Stanley “Como funciona o fascismo” para entender que não há argumentação que mude a ideia de um fascista. Buenaventura Durruti dizia que ‘o fascismo não se discute, se destrói’. Estamos lidando com os fascistas e suas necropolíticas há 80 anos, lutando a favor de uma democracia falha, que abre espaços para que esse tipo de pensamento ganhe espaço e poder. Todos os anos surgem novos governantes ao redor do globo reproduzindo o mesmo discurso de ódio e purismo como eram apresentados nos anos 30. Lembrando que o fascismo não existe apenas a nível governamental. Está presente no dia a dia, nas ações, nas ideias. Não se deixem enganar. Liberdade de expressão anda de mãos dadas com respeito e solidariedade, nunca com discurso de ódio.

Abaixo o vídeo em timelapse de um projeto para uma capa de uma coletânea que reúne bandas de todo o mundo cantando e tocando contra o neofascismo. A convite do Marcelo, vocalista da banda Las Calles, eu desenvolvi esse projeto. Para destruir o fascismo, necessitamos coletividade, solidariedade, respeito e ação direta.

“Seja de qualquer cor, de onde for, vem meu igual.” Cólera

“Sua tolerância a um regime, onde a essência humana é aviltada, não o torna também o inimigo, aquele a ser varrido de sobre esta terra? Ignorar o fascismo é se tornar fascista. Moscas que fazem parte desta sujeira.” Solstício

“Os assassinos livres no poder
O fascista imune as leis
Limpeza étnica
Fria e brutal”
Ação Direta

“Adolf me lembra só agonia, sangue, dor, lágrimas e melancolia
Adolf me lembra restos mortais que foram resultado das diferenças raciais
Adolf me lembra destruição de assistir ao chumbo quente entrando em um coração
Adolf lembra racismo e me dói ver alguns jovens filiando-se ao seu fascismo
Num mundo sem fronteiras só de cooperação
Seriamos todos amigos, seriamos todos irmãos
Sem estados, sem limites, sem países, sem fronteiras
Vermelho, preto e branco não será mais sua bandeira”
Street Bulldogs

Nova estampa em pré-vendaaaaa

Finalmente vai sair do forno a estampa baseada na música do Discarga (Contracultura) em que eu exalto as ações punks e anarquistas de todo o mundo. Tudo é referência, tudo é história.

Compre na pré-venda pela minha loja online, com previsão de envio e distribuição a partir de março. Clique aqui.

Mais Participação, Menos Expectativa

Em 2002 a banda Discarga lançava a música “Contracultura”, e em seu refrão esse grito ecoava em minha cabeça. O movimento punk/anarquista/contracultural possui a coletividade em sua raíz. Toda ação é construída pelos próprios sujeitos, e a junção de teoria e prática se torna uma ferramenta possível. O diálogo construído de forma coletiva produz mudanças positivas para a sociedade. É necessário, então, descruzar os braços e parar de esperar que as coisas aconteçam de cima para baixo. Devemos nos organizar e planejar/praticar ações que servem de faísca para novas ideias. No punk/anarquismo eu sempre escutei o lema “Faça você mesmo/Do It Yourself”, e talvez isso seja uma crítica e uma auto crítica à nossa inércia.

Digo isso até sobre a minha atuação também. Tenho o desejo de fortalecer os coletivos e retomar esse espaço de estudo, agitação e propaganda, fortalecer as redes de apoio e de diálogo que construímos/construir novas.

Eu acredito na influência que as ideias punk/anarquistas exercem na sociedade, e essa estampa diz muito sobre isso.

Sobre as referências que utilizei nesta colagem, são basicamente ideias de tudo que me fez sair do lugar. Essas referências me dão ideias para produzir, para viver. Aí vai uma lista das imagens que utilizei nesta colagem:
– Emma Goldman;
– Piotr Kropotkin;
– Buenaventura Durruti;
– punks ingleses sentados em um banco;
– punk com cara tapada e moicano de pé;
– foto de faixa “No Pasarán” durante a Guerra Civil Espanhola;
– Combatente da FAI (Federação Anarquista Ibérica);
– Ian Mackaye da banda Minor Threat;
– Isabella da banda Dominatrix;
– Rebeca da banda Anti-Corpos;
– Manifestante do Maio 68 em paris;
– Reunião de greve;
– Stage Dive/Mosh, capa do disco do GBH;
– “Mais participação, menos expectativa”letra da banda Discarga.

“Essa é a nossa contra cultura
Mais participação, menos expectativa
Centenas de pessoas envolvidas
Meia dúzia de sempre que organiza
É mais fácil do que pensam
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Atue e conteste”

Discarga – Contracultura

Punk é Apoio, não competição

Parece uma coisa boba, mas falar sobre isso é algo que me parecia tão óbvio, que nem precisava ser dito. Mas não, hoje é algo necessário.

Já faz um tempo que eu percebi que o punk perdeu o sentido de existência, talvez porque aqui em BH a atuação tenha sido muito confusa, talvez desorganizada, e muita gente não compreendeu muito bem do que se tratava.

Digo punks de forma bem generalizada, porque a atuação coletiva sobreviveu durante pouco tempo por aqui. Ser punk é muito mais do que ter uma banda ou um visual a caráter, rebelde. Ser punk é aliar teoria e prática de ação direta buscando sempre o bem coletivo. Em BH houve vários grupos atuantes que dialogam com o anarquismo, promovem ação direta, grupos de discussão e reuniões de confraternização, mas não necessariamente essas pessoas são ou foram punks.

Em uma LIVE recente promovida por integrantes das bandas Mercado Negro (CE) e Las Calles (RJ), esse assunto veio em pauta, relacionando o atual hardcore e punk rock conservador e/ou politicamente isento, com essa questão da falta de organização e de crítica coletiva da galera que participa do rolé. E qual o papel da galera envolvida com o punk, com o anarquismo e com o hardcore nesses tempos de ascensão do ultra nacionalismo, do moralismo religioso e da extrema direita?

Muitas pessoas apenas esperam as coisas acontecerem, nunca correm atrás de organização, e me lembro até do pessoal do No Gods No Masters Distro falar sobre isso também, o quanto a galera rala muito para fazer as coisas acontecerem enquanto o público apenas tece críticas sem ajudar em nada.

O movimento hoje tem suas falhas, talvez, por essa falta de diálogos e de organização entre a própria galera no decorrer do desenvolvimento do punk, do anarquismo e do hardcore. Só de pensar que o Brasil foi um terreno fértil de bandas nos anos 90 e na primeira metade dos anos 2000, e que muitas dessas bandas hoje não existem, suas ideias se perderam, e a força geradora desse sonho em comum também enfraqueceu muito. Não me levem a mal, mas se hoje há pessoas que se dizem punks mas possuem comportamentos fascistas e intolerantes, alguma coisa foi compreendida de forma muito equivocada.

Vejo muita gente envolvida com o hardcore, mas pouca gente realmente ativa, que faz as coisas acontecerem. Isso é uma crítica à mim também, tive que lidar com as minhas questões e o coletivo ficou de lado, mas nunca parei o ativismo na forma de arte urbana, na forma de difusão de ideias, mesmo que em micro escalas.

Eu estou disposto a retomar essas conexões e voltar a formar uma rede, afinal, só conseguiremos chegar a algum lugar se o coletivo for forte o suficiente para tal.

Deixar de lado a ideia de ser o melhor em algo (afinal, não queremos nenhum tipo de competição) e focar no bem coletivo, em atitudes positivas, em agitação, em cultura, em ideias.

Essa estampa tem a ver com isso.

Isso não é uma competição.

Nostalgia em meio ao distanciamento social

Em meio a vídeos de asiáticos construindo casas de madeira com piscinas, recordes de dominós derrubados em sequência e que formam desenhos, trens em miniatura rodando por trilhos em toda a casa e vídeos impressionantes de pessoas descendo toboáguas ao redor do mundo, há coisas mais interessantes que merecem espaço na minha memória. Não estou falando dos vídeos impressionantes do tsunami de 2011 no Japão, ou dos vídeos informativos do Meteoro ou do Greg News, e, na real, nem tem a ver com vídeos de YouTube. A real é que eu fui um jovem que, como muitos nascidos no final dos anos 80, cresceu antes do mundo virtual, e isso foi muito massa.

Ontem estava conversando com minha esposa e com uma amiga, e ficamos lembrando, um pouco, como era na nossa época de jovens, onde circulamos em show de punk e hardcore no início dos anos 2000. Tivemos realidades bem diferentes, pois as criações sempre mudam dependendo dos pais, do local em que vivemos e dos nossos interesses. E aqui eu vou escrever sobre as minhas experiências.

Quando jovem, eu passava boa parte do meu tempo no final de semana andando de skate, bebendo bebida barata (famoso tubão) e indo em portas de show de punk e hardcore. Sim, eu ia na porta dos shows, raramente entrava, pois nem sempre eu tinha dinheiro o suficiente para pagar por um ingresso. Falando assim parece bobo, mas essas portas de eventos me proporcionaram grandes amizades, ótimos momentos ao lado de amigos e foi onde conheci muitas ideias e bandas novas. Os eventos, ou shows/gigs, eram importantíssimos na época para a gente conhecer bandas e ideias. Eu conhecia muitas bandas vendo as camisas que as pessoas usavam, trocávamos fitas k7, cd’s, e muita informação vinha através de zines. E vários amigos que fiz na época me ensinaram a fazer uma “intera” para pagar ingresso de algum evento.

Acho que foi importantíssimo para a nossa formação frequentar diferentes eventos, entrando ou se mantendo na porta, porque a informação sempre circulava. Os zines e as camisas de bandas eram diferentes se você ia no Dias de Caos, na União Punk dos Becos das Favelas de Santa Luzia, num show grande no Lapa Multishow que vinha bandas de fora do estado e/ou do país, algum evento no Matriz, um Goró Punk, ou um evento em alguma pista de skate. Circulavam pessoas diferentes, e era massa, porque, apesar das tretas que rolavam, eu sentia muita união entre todo mundo. Frequentei eventos de anarquistas, punks, hardcores, rap, metal, bandas mais melódicas, bandas locais, e sempre encontrava com alguém conhecido. A quantidade de pessoas que conheci sentado na porta ou no meio do Mosh, enquanto rolava um cumprimento após cada música da banda que estava tocando, são memórias que seguem ricas até hoje.

Ainda que eu entenda a falta de maturidade que eu tinha para lidar com as ideias e com as informações, reconheço que foi um período em que tudo circulava nesse submundo. Os zines eram feitos de maneira bem caseira, bem artesanal, os k7 também eram gravados de discos e cd’s e assim eram colocados para circular, e a cópia foi uma ferramente de disseminação de ideias. Pensando bem, talvez por isso eu goste tanto de gravura, de reproduzir minha matriz. Está comigo desde muitos anos.

Repensar a importância desta época tornou-se fundamental para pensar em algumas questões contemporâneas. Hoje os eventos são poucos e estão bem vazios, com pouco público. As informações não circulam impressas, e o profissionalismo faz com que muitos optem pela venda de zines e publicações do underground. Conhecer pessoas e músicas se tornaram tarefas puramente virtuais, e muitas das relações acontecem apenas aí. As ideias hoje circulam mais rápido, e temos acesso a muito coisa que é produzida nos quatro cantos do mundo, inclusive o que produzimos consegue chegar mais rápido a todos esses lugares. Mas as relações humanas físicas e presenciais seguem diminuindo, e acho que isso é uma tendência mundial com toda essa tecnologia da internet mantendo todos dependentes de aplicativos todo o tempo.

Lembro disso tudo, pois foi uma época muito boa. A maioria das músicas que eu escuto hoje são de bandas que conheci nessa época, e muitas das letras das músicas me formaram como pessoa. E sou muito agradecido por isso. Aos amigos da época, que hoje se dividem em conhecidos, grandes amigos e família, deixo aqui meu profundo agradecimento por fazerem parte da época, a tornaram tempos inesquecíveis.

É uma pena perceber essa queda do movimento, sobretudo já há alguns anos, mas feliz por saber que muita gente foi marcada por experiências como as minhas.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 2

Dando segmento à minha pesquisa sobre a relação entre o punk rock e a educação, trago mais algumas letras que eu acho que tem a ver com minhas indagações no post anterior. Escreverei sobre algumas letras das bandas Solstício (RJ), Constrito (SP) e Ayat Akrass (PR). Essas bandas não se encaixam no gênero punk rock, estão mais para um Hardcore, Metalcore, Rapcore, e esses subgêneros. São bandas com letras bem coerentes e conteúdos muito politizados. Apesar de não serem “punk rock“, acho que o meio em que estão inseridas, nesse underground politizado, são bem similares, e eu acredito que poderiam muito bem dividir palco e público no mesmo evento. Para além dessa diferença conceitual, o que desejo com esse texto é fazer pequenas análises, relacionando o contexto educacional com algumas letras de hardcore, trazendo a discussão para uma comparação com a conteporaneidade.

Trago algumas referências ideológicas de Louis Althusser, e concordo plenamente de que o sistema de ensino é um aparelho ideológico do estado, e que a educação, sobretudo pública, vai tentar reproduzir ou impor o que ela entende que seja necessário para manter as engrenagens do estado funcionando corretamente. A existência de escolas técnicas, por exemplo, serve exclusivamente para formar mãos de obra para o mercado, e é o lugar onde as disciplinas de humanas e de criação/expressão são completamente ignoradas. O estado, hoje, sugere que toda educação siga uma linha tecnicista, e ataca diretamente qualquer disciplina que incita o pensamento e a reflexão sobre o ser e sobre o que vivemos. Não estou dizendo que o estado sempre age assim, mas a opinião pública, muito preocupada com o desemprego, pesca esse discurso como se fosse uma referência boa, e se como todos os jovens e adultos devessem tomar essa referência como futuro.

A música “Espaço de Conhecimento” da banda Constrito faz uma crítica direta a esse tipo de política. Baseados em princípios neoliberais e apoiados pelas agências de financiamentos mundiais (Banco Mundial, BID, FMI, Unesco, Unicef, etc), o estado de São Paulo propunha uma reforma educacional na segunda metade dos anos 90 e no início dos anos 2000, e ao que me parece gerou calorosos debates sobre a implantação do sistema. Foi uma imposição que veio de “cima para baixo” e hoje sabemos que os governantes lograram com as reformas. Acredito que esse tipo de política educacional que ignora os anseios dos alunos, colocando todos sob o mesmo patamar de desejos seja uma das formas mais cruel de confinamento dos sonhos. Elas ignoram que os jovens possam trabalhar em qualquer área, e não somente servir de uma futura mão de obra sem especialiades. Contudo elas continuam sendo prioridade nas agendas de muitos governos porque são um prato cheio para a manutenção de políticas conservadoras e ligadas à direita. Manter uma sociedade dividida em classes, com diferentes níveis salariais e cargas horárias de trabalho, é essencial para esse tipo de engrenagem funcionar. Faz o funcionário depender do salário, geralmente baixo, e não permite tempo de pensamentos e reflexões. Isso evita reuniões de trabalhadores para reivindicar melhores condições, afinal só querem manter o salário em dia. A política, assim, atua para manter o mercado aquecido e funcionando, com muita gente produzindo para gerar riqueza para poucos.

“Diminuir drasticamente a carga horária semanal
Nas escolas da rede pública do estado
Gera milhões de desempregados,
Além dos desdobramentos funestos à formação
Da cidadania dos alunos do estado de são paulo,
A liberdade de criação e desenvolvimento
Das escolas estaduais públicas
Vem sendo continuamente desrespeitada.
Um cenário de desprestígio, (de) demérito,
Para a formação nas áreas de ciências humanas;
Tal como o regime militar operou em décadas passadas,
Medidas impostas de “cima para baixo” somente anunciaram
E realizaram um futuro melhor para poucos,
Implementando-se às custas de enormes prejuízos sociais,
A eles (o governo estadual) importa estabelecer uma
Nova regulamentação do mercado de trabalho.
Mediante uma desregulamentação de profissões,
Disciplinando as classes subalternas via elementos
Coercitivos geradores de um “mal mercado”.
Para dirigirem o processo de “atualização”
Do país aos ditames da globalização.
É impensável a formação de indivíduo
Adaptado ao mercado globalizado
Sem o concurso de uma sólida formação
No campo das ciências humanas.
Acreditamos numa escola
Que seja um espaço de conhecimento
E não um espaço institucional,
Disciplinador e autoritário…”

Constrito – Espaço de Conhecimento

Pensando na questão da educação, a interdisciplinariedade de todas as as áreas de conhecimento é fundamental para a libertação individual e coletiva de qualquer sociedade. É preciso entender que tudo que fazemos em nossas vidas são estudos, desde plantar/colher, a escrever/ler, pensar estratégias, dialogar, criar, produzir, refletir. Tudo  faz parte do pressuposto em que várias áreas de conhecimento estão interligadas, e co-dependem umas das outras para se desenvolverem. Pensa em Leonardo da Vinci, que produzia muita coisa em diversas áreas, pesquisava tudo que o deixava curioso, e só assim conseguiu revoluionar vários campos da ciência, como arte, filosofia, medicina, engenharia, e nunca se limitou unicamente a apenas um campo de pesquisa.

A educação, como é hoje na maioria das instituições, priva os alunos desse tipo de ensino, fragmenta o conhecimento e transforma todo o processo em uma disputa meritocrática. Competições de conhecimentos, melhores notas, provas, fracasso escolar, repetência, prêmios e punições. Valorização de algumas áreas em detrimento de outras, e falta de empatia com os alunos que não se adaptam ao modelo. Esse é o tipo de educação voltado exclusivamente para o mercado. Funciona como uma preparação para o que é a vida hoje, essa competição mercadológica pelo melhor cargo, pelo melhor salário, o desprezo pelas áreas de humanas, que costumam pagar menos (nos empregos públicos e privados) que as biológicas e exatas, por exemplo. A música “Taylor” da banda Solstício exemplifica bem essa ideia.

“Não posso calar ou ceder, me entregar ao torpor. Estou tão cheio de ódio, farto do medo e da dor. Noto que sonho acordado, a realidade é ilusão. Moldando os seus pensamentos te mantêm nessa prisão. E conhecer o inimigo para se opor é impossível, com a mídia ao inteiro dispor da estrutura de domínio que ascende às nações. Donos das nossas vidas, grandes corporações.

Somos partes da linha de produção. Peças descartadas com as variações do mercado.
A cada nova tecnologia nos tornamos mais desgraçados. Buscando liberdade nos encantamos com a servidão.

Uns poucos lutam, gritam, mostram sua revolta. Não quero crer que onde estamos já não há mais volta. Mais-valia é um crime e o povo não acorda. A escola não cria cidadãos mas mão-de-obra. E se a família é uma fábrica de competidores, a favela é destinada aos perdedores. Temos as vidas vendidas na bolsa de valores. Nos alienaram ao nosso próprio destino.”

Solstício – Taylor

A minha questão com o ensino por parte do estado ser uma imposição do que os governantes acreditem ser necessários para a manutenção desse tipo de sistema, se deve ao fato de o estado possuir várias opções de ações,  mas que nem sempre ele opta pelo o que é melhor para a população. Pense nos dias de hoje com toda essa questão do corona vírus e quais ações um governante pode adotar para proteger a sociedade. Há experiências de países que já passaram pelo pior, países que estão passando pelo pior e países que irão passar pelo pior. Há recomendações de cientistas, virologistas, médicos e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o que deve ser feito para que o estrago não seja tão grande. Nesse sentido o governante pode optar por uma quarentena obrigatória, pelo isolamento/distanciamento social e pelo pleno funcionamento de todas as atividades, sem parar nada. Um governante precisa escolher alguma destas alternativas. Ele pode basear suas decisões em estudos científicos, em experiências políticas de países que já estão lidando com o vírus há mais tempo, pelas sugestões da OMS, ou ele pode optar por suas próprias decisões, sem muitos critérios além da convicção pessoal. Cada governante vai decidir pelo que lhe convier politicamente. No sistema de ensino o funcionamento é bem parecido. Os governantes podem optar pelas políticas educacionais que lhe convém, baseado na ciência, na sociedade, nas pesquisas ou no senso comum, que vai funcionar para aquele tempo de mandato. Depois dos 4 anos, pode ser que tudo mude e venha outra política.

A música “Quadro Negro” da banda Ayat Akrass traz um pouco dessa perspectiva. Políticas de estado e de governo que asseguram a manutenção do sistema de acordo com suas próprias convições políticas. É ignorado o que os indivíduos almejam, os estudantes não são escutados e tudo o que irão saber é somente o que o plano político de ensino determina. Óbvio que alguns professores têm ou sentem autonomia e confiança o suficiente para criar seus próprios planos de estudos, mas é difícil fugir do que é imposto, e atualmente a sociedade exige muito mais nesse sentido (isso é uma antítese da participação da comunidade da escola). Eles exigem coisas que não são dever da escola, e reclamam por algo que não sabem o que é, por exemplo, “doutrinar os alunos”.

“Rachaduras e cacos de vidro estilhaçados pelo chão, em frente às mesmas paredes cinza que insistem manter-se erguidas.
O medo conflitando com a perseverança, a esperança e o amor conflitando com a desestruturação e a ruína. A dinâmica neoliberal sangra o ensino defasando o professorado, alienando e destruindo as possibilidades de progresso do proletariado, assegurando a hegemonia burguesa. A mesma parede cinza por trás do quadro negro, silencia perante genocídio previamente calculado da organização popular. Desconstruindo sonhos e programando futuros corpos-bomba.”

Ayat Akrass – Quadro Negro

Pensando um pouco na questão coletiva nesse momento de incertezas quanto ao futuro e de paralização das atividades educacionais como forma de conter a contaminação por Corona Vírus, a educação entra em discussão novamente. Em Minas Gerais o governo suspendeu as aulas sob pressão social, mas a todo tempo tenta criar alguma política de retorno às aulas, ao ensino por distância, ou dar afazeres para os professores que estão de férias obrigatórias nesse período. Incomoda muito o governo manter os professores parados, e há também uma pressão por parte dos pais, que não sabem o que fazer com os filhos em casa. Se você não acredita, basta ver as várias notícias sugerindo atividades e afazeres para praticar com os filhos dentro de casa. Talvez por isso a cobrança em cima da escola sobre a educação com os filhos. Os pais parecem não saber o que fazer, em como educar, e delega isso ao sistema educacional. Mas não é apenas deixar na escola para que a escola ensine. Eles colocam na escola e querem que a escola ensine o que eles acham adequado. Isso inclui não somente as disicplinas tradicionais, mas ideologias e costumes, travestidos de moral. Essa é a minha ideia sobre o que a sociedade entende por papel da escola.

Eu penso, e volto a repetir aqui, que a escola deveria sim existir, porém como um lugar de construção de liberdade, autonomia, respeito e coletivismo. A educação acontece dentro e fora do embiente escolar, e o aprendizado existe em todas as tarefas que exercemos como indivíduos e em nossa interação com outros. Imagine o que estaríamos passando se não houvesse essa competição por insumos médicos, essa pressão de ter que ficar em casa entediado e, sobretudo, essa briga política na corrida pelo bem estar (ou mal-estar) social? Tudo parte da educação e o reflexo dessa sociedade que vemos hoje são resultados das políticas educacionais que vivemos. A relação com os professores é importante, bem como a relação com os colegas, com a família, com a cidade, com os amigos e com os inimigos. Tudo é educação.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 1

Escutar músicas de bandas punk é algo que eu curto desde minha adolescência. Boa parte dessas bandas e suas respectivas letras formaram meu caráter. Felizmente, o caráter é algo que sofre metamorfoses todos os dias, e nem tudo que eu acreditava há 15 anos atrás eu acredito hoje. Muitas ideias e atitudes mudaram com o tempo e eu acho legal que isso aconteça. Acredito que é uma forma de reconhecer a maturidade das ideias, e também de entender que tudo é um acumulado de bagagem teórica e prática que larga mão de alguma coisa para poder acoplar outra que faça mais sentido.

Recentemente, apresentei meu TCC onde reflito um pouco sobre a influência do hardcore/punk/anarquismo na minha vida e nas metodologias de educação contemporâneas. Tentei fazer um estudo sobre educação e anarquismo, mas isso é muito denso para o tempo que eu tinha, portanto eu acabei me concentrando na comparação dos sistemas de educação formais e não-formais em que pude trabalhar, e algumas reflexões sobre os espaços e métodos. Utilizei como referência, principalmente, Ana Mae Barbosa, Paulo Freire e Silvio Gallo, e cruzei temas sobre educação para a liberdade, papel da arte-educação e educação libertária. Meu objetivo era criar uma discussão sobre como ser professor/instrutor/facilitador para formar sujeitos livres. Nesses tempos de quarentena eu irei reformular meus capítulos, e se tudo der certo eu lanço uma edição física e em pdf para poder compartilhar, pois muita gente se interessou pelo tema.

Para começar a discussão coloco uma epígrafe onde transcrevo, de forma literal, a letra “O Poder do Pensamento Negativo” da banda Colligere. Essa talvez seja a letra que mais me provoca no sentido de refletir sobre nossas ações que possuem como finalidade alcançar a “liberdade”. Claro que cada ser, a partir de seus preceitos e conhecimentos, possui um conceito diferente sobre ‘ser livre’, e eu não quero, de forma alguma, impor algo.

“As lições estão no quadro – a salvação no altar
Nós trocamos os desejos por aceitação
Pessoas têm o seu papel – você aprende o seu
Te ensinam o destino, mas não de onde provém
Talvez isso explique a existência de heróis
Pessoas como nunca vamos ser – livres e fortes
Você aprende o que comprar
Para esquecer sua falta de poder e de liberdade
Sua vida vai embora – você reza pro tempo passar
No final, é tudo uma questão de aceitar as regras
Abrir mão de algumas coisas para ter outras
Natureza é conflito. Sociedade é submissão
A conveniência se impõe sobre a liberdade
E o poder se impõe sobre a vontade
Quem constrói a verdade controla sua vida.
Cansados de perder, alguns tentam mudar por dentro.”

Colligere – O Poder do Pensamento Negativo

Essa música abre o álbum “Sobre determinação e desespero”, lançado no ano 2000. Faz 17 anos que essa letra me gera incômodo, pois cada vez que eu escuto, eu compreendo o quão ainda estou longe de ser um sujeito livre. E estando longe de ser um sujeito livre como eu poderia formar sujeitos livres? Ser um sujeito crítico significa ser livre?

Colligere não é bem uma banda punk. É uma banda de hardcore cujas letras me estimulam refletir, pensar, propor e discutir algum tema. É uma chama disparadora de questionamentos sobre diversas situações, e durante muito tempo foi fonte de referências para produzir e para sobreviver. Suas letras possuem fragmentos de diversas obras literárias, de ficções, de teorias, de poesia, de outras músicas, e muitas vezes, ao escutar, você cria as associações: “Esse trecho é de tal livro!”. Já encontrei Fernando Pessoa, Guy Debord, Milan Kundera, só para citar alguns, e tenho certeza de que você encontrará outras referências também.

Durante muitos anos venho analisando as letras de musicas de bandas punk e percebo que elas escancaram realidades cotidianas da sociedade e do sistema politico numa perspectiva muito direta. São letras que citam, reclamam, protestam e que passaram a me provocar um desejo de aprofundar e estudar sobre questões de liberdade, justiça social, política, etc. Na minha pesquisa para o TCC, andei escutando novamente algumas letras e percebi que elas servem como disparador de algo muito maior, que ha alguns anos atrás não compreendia. 

A música “Ódio³” da banda Ratos de Porão é algo que exemplifica bem esse sentimento. É um ataque direto às intituições de ensino e religiosas que, apesar de entender, eu discordo. Logo nas primeiras estrofes a letra diz que o sujeito odeia a escola, parou de estudar e que o ensino é uma ditadura cultural. Logo depois os professores são chamados de raça superior, senhores do saber, são odiados e que é um ritual medíocre. Eu realmente entendo esses ataques, e acho que as experiências de cada ser são bem distintas. A Escola é uma instituição que tende a homogeneizar seus alunos, e cada qual que foge da linha sofre punições e restrições, e nenhum tipo de escuta ou empatia.

“Eu odeio escola
Parei de estudar
É inútil prosseguir
A ditadura cultural

Odeio professores
Raça superior
Senhores do saber
Medíocre ritual

Detestar, odiar, desprezar
Detestar, odiar, desprezar

Tudo o que sei
A rua me ensinou
Tudo o que faço
É pra me divertir

Ninguém manda em mim
Falo alto, faço pouco
Não tenho educação

Odeio padres
E a falsa castidade
O voto da pobreza
Do banco Itaú

Odeio igrejas
Imagens irreais
Não atendem os pedidos
Do otário sonhador

Meu ódio é normal
Pode destruir
Ação radical
É o nosso poder”

Ratos de Porão – Ódio³

A música “Sistema de enseñanza” da banda espanhola Sin Dios segue na mesma linha, criticando o sistema educacional, que confina os alunos em disciplinas rígidas, sem lazer, formando pessoas para serem brutas e apenas úteis à sociedade. De fato, boa parte das escolas utilizam o lema “mercado de trabalho” como forma de angariar alunos, e isso transforma todo sistema em uma competição por aprovação. Quantos são os casos de “fracasso escolar” que encontramos na literatura da educação? São jovens que não se adaptam a esse sistema de pressão e disputas e que não entendem que esse sistema não funciona para todos. O sistema impõe e os pais acatam. São poucos métodos alternativos que são acessíveis e/ou públicos, e a maioria dos pais não costumam confiar em educações que prezam pelo crescimento do ser, das relações construídas no dia-a-dia, na prática, na compreensão.

Em diversas oportunidades, o ambiente escolar é comparado com o sistema prisional. Foucault já escreveu sobre essa comparação e ela é realmente muito válida. Foi num dos capítulos do meu TCC em que falo um pouco sobre as oficinas no Sistema Socioeducativo em que trabalhei, onde comparo as diferenças e similaridades da prisão com a escola. Há até um jogo online onde eles mostram um fragmento de foto e você responder se é escola ou se é prisão (depois procurem no Google esse jogo. É difícil diferenciar). Me lembro bem de uma aluna de uma escola do ensino regular/formal, onde já houve vários casos de suicídio e depressão dos alunos, solicitando psicólogo para os alunos e a escola dizendo não ter verba, enquanto que no sistema socioeducativo tinha psicólogo, terapeuta educacional, pedagogo e advogado trabalhando e atendendo os jovens que ali estavam presos. Acho que, apesar de serem abordagens e situações diferentes, ambas instituições deveriam ter profissionais qualificados para atender seu público, pois sabemos que há demanda para o serviço, mas não há boa vontade do poder público.

A música do Sin Dios termina clamando que queimem o sistema burguês de ensino. Antes eu concordava muito com isso, mas depois analisei outros fatores. Imaginando a situação brasileira e a história do ensino no país, devo lembrar que a educação deu início com os jesuítas e, somente com a expulsão deles do país, o estado se viu obrigado a prestar esse serviço. Hoje temos educação privada, religiosa, pública, informal, não formal. Infelizmente, a maioria dos bons projetos educacionais estão concentrados na iniciativa privada, por vezes religiosa, e não é culpa somente dos burgueses. É de todo o sistema. O estado, cada vez mais, sucateia os recursos educacionais, e sobretudo agora, sucateia os lugares de pesquisa e extensão, cortando verbas de bolsas de pesquisadores. As consequências dessas ações políticas são cada vez mais descredibilizar o ensino público e fortalecer o sistema privado. Esse processo ja aconteceu em alguns países, como o caso do Chile, e começamos a ver isso acontecendo atualmente no Brasil, quando governantes propõem sistemas de controle e qualidade da educação através de um processo puramente mercadológico, empresarial. Os projetos de educação não formal/informal também fazem parte desse jogo. O governo não apresenta condições de ofertar e subsidiar projetos e programas, fazendo com que estes dependam de ações de empresas privadas ou sobrevivam através de doações. Contudo, doações nunca são suficientes, o trabalho é bastante insalubre e os profissionais desvalorizados. Os projetos não sobrevivem de forma autônoma, e são poucos que tiveram sucesso nessa linha. A burguesia apenas manipula o sistema para que isso ocorra. 

“Desde pequeños ¡domesticación!
Premio y castigo es la educación
Juego en el patio, dura media hora
La disciplina, diez horas mas

Deberíamos quemar todos los colegios
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El instituto es otra cárcel
Donde aprendes poco y mal.
Días de examen, selectividad
Algo que pronto olvidarás

Deberíamos quemar los institutos
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El sistema de enseñanza
No estimula el aprender
Persigue embrutecerte
Ser útil a la sociedad
Se sumiso y no cuestiones
Acepta la autoridad
Inculto, sigue la norma
No pienses mas que los demás

La facultad, crítica muerta
Profesorado, mediocridad
Los contenidos manipulados
Juegas tu futuro en un tribunal

Deberíamos quemar la universidad
Deberíamos quemarla ¡ya!
Deberíamos quemar el sistema burgués de enseñanza
Deberíamos quemarlo ¡ya!”

Sin Dios – Sistema de Enseñanza

A letra também pontua a necessidade escolar de formar pessoas que sejam úteis à sociedade. E sobre isso eu entendo que “ser útil” significa servir de mão de obra sem questionar, pera seguir alimentando a lógica de produção capitalista, mercantil. Talvez, por essas razões, as áreas de humanas, de criação, artísticas são tão perseguidas e reprimidas, pois são os locais onde se formam sujeitos críticos, pensantes. A metáfora utilizada pela banda Ação Direta na música “A vida sem a arte” é bem certeira nesse sentido. A comparação de uma vida vazia, que apenas segue e obedece é o mesmo que acontece com uma vida sem as artes, fadado ao fracasso.

“Sem forças para arrebentar os elos desta corrente
Nem noções básicas de cultura e cidadania
Milhares de histórias giram em torno do sofrimento
Caminhos que levam ao mesmo destino

Um grito no vazio
Como a vida sem a arte
A mentalidade miserável
O fracasso humano

Representando um universo inexpressivo
Mentes condenadas à ignorância e ao analfabetismo
O exército se multiplica por todos os lados
Só a esperança mantém os oprimidos respirando.”

Ação Direta – A Vida sem a arte

A Escola deveria ser um ambiente de desenvolvimento dos sujeitos, formação de seres livres, críticos, pensantes. Mas como se compreender como anarquista (ou próximo disto) e sempre depender do estado ou de investimento privado para conseguir este objetivo? Parece contraditório e nós temos que conviver com nossos conflitos conceituais enquanto tentamos alternativas. A música Fator Crucial” da banda Ação Direta me abriu um pouco a percepção para discutir um pouco isso. O estado, como um ator politico, consegue alcançar lugares que nem imaginamos, e se não fosse por isso, o acesso à educação seria muito mais limitado. Por mais que eu discuta muito a função do estado, eu entendo que o sistema educacional estatal é muito necessário, pois é onde outros sujeitos têm contato com informações que não chegam de forma satisfatória na zona rural, por exemplo. Certo que hoje existe a internet, e que tudo anda muito mais conectado, a informação corre rápido, mas eu acredito no papel do professor como elemento disparador de ideias.

As licenciaturas possuem esse papel de transformar o professor como alguém que está ali para formar pessoas. Recentemente, trabalhando para uma ONG, eu visitei várias escolas em diversos interiores e zonas rurais, e eu vi muito mais coerção religiosa e moral do que libertação. São regiões muito mais conservadoras, e aqui eu caio em outra contradição. A educação que eu acredito é a mesma que essas pessoas também acreditam? Quando criticamos a educação, que tipo de situações criticamos? É nosso dever ir em todas as escolas apontar o dedo para os “erros”? Esse tipo de educação funciona para eles?

“Um país mais rico que alfabetizado
Uma nação tão desigual
Nenhum investimento, nenhum incentivo
Desperdício de potencial
Sem aprendizado, sem cidadania
Caótico quadro social

Exclusão do mundo letrado
Cidadão humilhado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Distantes do sonho de primeiro mundo
Sem projetos para a educação
Falência do ensino, ausência do estado
Reflexos da degradação
A arma, o crime, novas referências
Agravando a situação
Futuro incerto, gerações condenadas
Carentes de proteção

Exclusão do mundo letrado
Cidadão acuado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Figuramos entre as maiores economias do mundo,
Mas ainda possuímos um dos piores
Quadros sociais, ultrapassando a marca dos
15 milhões de analfabetos
Além de ser um direito
Assegurado pela constituição
A educação é um fator crucial responsável pela
Dignidade do povo e pelo
Desenvolvimento da nação

Exclusão do mundo letrado
Cidadão discriminado
Revolução educacional
Alfabetização crucial”

Ação Direta – Fator Crucial

Sempre fico em dúvidas se entro nessa questão e quero deixar bem claro que isso é o meu ponto de vista. Em várias destas letras que expus acima, a religião é criticada e esse é um ponto em que eu concordo veementemente. Religiões, não importa qual, são carregadas de morais e costumes, e associar a moral religiosa com a liberdade, que a meu ver são antíteses, se tornam um erro. Claro que isso é apenas um ponto de vista, e estou aberto a discussões, e sei que existem pessoas que buscam a liberdade através da religião. E meu questionamento está nesse processo: A religião se torna um meio de buscar a libertação, ou o sujeito entende que a liberdade é o que determina a religião?Acho que são pontos de vista bem distintos e não irei aprofundarme nessa questão agora.

O importante é compreender como traçar um caminho para uma libertação pessoal. Para desenvolver-se como sujeito pensante e crítico é interessante manter um processo de reflexão sobre vários temas, e associar com tudo que possa conectar com tal assunto. Ler, produzir arte, escrever, trabalhar o corpo, todas essas são formas de disparar perguntas sobre o que estamos fazendo. Pensa e atua dizem os anarquistas. Como você recepciona as informações? Você ignora, você pensa, você associa, você discute ou propõe ações para alguém?

A música “Leer para luchar” da banda Sin Dios parece ir nesse caminho. Pensar e atuar, produzir, discutir, ler e mudar conceitos. Aplicar seus conhecimentos para melhorar a vida comum, para tornar sujeitos livres.

“Si sólo repites consignas
Es que no sabes nada
Si sólo sabes de memoria
Una marioneta serás

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas solo
Lo que quieres oír?

Crece, aprende, instrúyete
Fórmate, estudia
No hay que perder
Historia, novela,
Poesía o ensayo
Fanzines, prensa,
O contra información

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo,
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?

Leer para crecer
Leer para luchar

No te autocensures
La curiosidad te debe guiar
Un pueblo formado es
Lo que más detesta el poder

Leer para crecer
Leer para luchar
Leer para entender
Leer y ser libre

La complacencia es
Ignorancia
Gritar por gritar
Es mas bien rebuznar

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?
¡¡Lo que quieres oír!!”

Sin Dios – Leer para luchar

Concluindo essa pequena reflexão, penso que toda ação merece uma discussão mais profunda. Compreender o papel do educador/professor/facilitador e como lograr algum objetivo é uma tarefa importantíssima e depende muito de discutir propostas entre diversos atores. O que dá certo e o que não dá certo, tentativas, erros e acertos, o que existe de produção literária sobre o assunto, como difundir a informação? Fico pensando que o que chamamos de “movimento punk já está em uma curva decadente no gráfico. Muita gente envolvida não tinha noção do que estava fazendo ali, e muito material produzido é muito razo ou não condiz com o que o movimento propõe. No final das contas, quem faz o movimento? Quem acredita no movimento? Quanto mais bandas surgirem e discutirem o sistema educacional de uma forma mais profunda e coerente, sem apenas julgar o que já existe, acredito que conseguiremos chegar a uma certa liberdade. O que almejamos é um bem comum, cidadãos que se apoiem mutuamente e a educação é o primeiro passo para esta finalidade.

“Essa é a nossa contra cultura
Mais participação, menos expectativa
Centenas de pessoas envolvidas
Meia dúzia de sempre que organiza
É mais fácil do que pensam
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Atue e conteste”

Discarga – Contra Cultura

Você que leu até aqui, teria alguma indicação de bandas ou músicas que tratem do tema? E de literatura? Me dá ideia. Estou com as ideias em aberto e gostaria de continuar pesquisando. Comente algo sobre o texto. É a melhor forma de propor algum diálogo e até, quem sabe, promover uma mudança de paradigmas.