No auge da minha monitoria na disciplina de litografia, lá na EBA/UFMG, andei testando técnicas pra poder compartilhar com xs alunxs um pouco do conhecimento que eu desenvolvia no atelier.
Nesta gravura, eu usei tousche (bastão gorduroso para desenho na matriz litográfica) diluído e aplicado com bico de pena na coruja, aplicado com pincel na moldura oval, e criei uns efeitos com tousche queimado com aguarrás pra dar uma estética meio envelhecida, manchas de mofo/umidade.
Caracterizando os elementos representados – CORUJA
A Coruja tem essa representação ligada ao conhecimento, sabedoria. Durante algum tempo eu curtia muito essa ave, tinha pequenas esculturas de coruja, em 2012 até cheguei a tatuar uma coruja no meu antebraço. Também as usava como personagens de meus desenhos, gravuras e pinturas.
Enfim, a imagem da coruja foi algo que permeou minha criatividade durante muito tempo, e tê-las feito dentro de temas específicos foi algo que curti bastante nesse período. Foi minha porta de entrada pra trabalhar diferentes estéticas a partir de um mesmo referencial. Também foi minha porta de entrada para vestir animais a caráter, algo que faço com mais frequência atualmente. Ao lado está o esboço que fiz no meu bloquinho A5, utilizando canetas nanquim, Posca e marcador Sharpie Tank.
Esta ideia foi especial, uma coruja com vibe meio Ron Swanson Chicano.
Identidade CHOLO
CHOLO diz respeito a uma identidade fronteiriça existente, sobretudo, na divisa entre México e Estados Unidos. Ciudad Juárez (México) e El Paso (Estados Unidos) são cidades surgidas a partir da separação do povoado de Paso del Norte (México), que foi separada na Guerra de 1846, quando os Estados Unidos usurpou metade do território mexicano e decidiu-se que o Rio Bravo, que cortava a cidade, fosse a fronteira entre os países. Apesar de serem divididas por limites transnacionais, as cidades estão situadas no meio de uma região desértica, e elas possuem trocas muito fortes entre si. Grande circulação de mercadorias e pessoas cruzam a aduana, e o fechamento da fronteira é um fenômeno relativamente recente.
Atualmente, uma cerca do lado norte do Rio separam os países, mas como as cidades são co-dependentes, famílias, negócios, movimentos pendulares, comunidades indígenas e recursos foram divididos, criando uma situação ainda mais complexa de circulação. É nesse contexto que surgem os Cholos. Ainda que eu tenha usado essas duas cidades como exemplo, o fenômeno é algo comum em várias localidades da fronteira, não se limitando à fronteira Chihuahua/Texas.
Cholos são caracterizados como seres fronteiriços, que utilizam da estética para se diferenciarem dos estadunidenses, portanto, são mexicanos (ou, atualmente, descendentes de famílias mexicanas).
É uma identidade que foi desenvolvida a partir dos Pachucos, e isso sim tem um teor geográfico mais localizado, pois El Paso também é conhecida como “Chuco”, e Pachuco seria um termo derivado do “Para el Chuco” (Pa’Chuco), pois muito mexicanos faziam o movimento pendular de morar em Cd. Juárez e trabalhar em El Paso.
Caracterizando a estética Chola, calças pantalones (derivadas do Zoot Suit Pachuco), camiseta canelada branca, camisa flanelada xadrez com apenas o botão superior abotoado, muitos usavam bigode e cabelo penteado para trás (alguns usavam um tipo de redinha para manter o cabelo no lugar), outros usavam bandana (marca registrada de muitos grupos até os dias de hoje). O uso de tatuagens também era muito comum, bem como associação com gangues e grupos identitários como forma de defesa.
Moldura
Pensando na questão dos elementos que eu propus nessa gravura, a moldura é algo realmente especial. Com um estilo bem rococó, com arabescos volumosos e bem marcados, a moldura traz um ar de algo clássico, envelhecido, mas que mantém sua nobreza estética. A mesma ideia eu tive com os efeitos de envelhecimento da “foto”, conferindo um caráter de algo antigo, mas que se mantém ainda firme, apesar das adversidades.
A memória é algo que se cultiva, para que não desapareça.