Treino de desenho

Desde o final do ano passado eu tenho tentado desenhar casas que eu salvo do Pinterest, utilizando sempre uma mesma estética, praticamente os mesmos materiais e tals. Tem sido uma atividade bem massa e eu consigo perceber uma evolução no quesito desenho de observação e na utilização da imaginação para compor e colorir.
Ano passado ou retrasado, não me lembro, tinha feito uma pintura em aquarela de um conjunto de casas ocupadas. Eu curti muito o desenho e a pintura, mas acho que o céu hoje não me agrada a forma e as cores que utilizei. Depois publico foto dela (acho que me esqueci de publicar ela aqui, rs). Mas isso me deu uma certa vontade de estudar mais, de arriscar mais.
Ano passado cheguei a fazer 4 desenhos/pinturas de casas utilizando marcadores chanfrados e bico de pena com tinta nanquim. Foram experiência interessantes, pude desenvolver bem a imagem e também aprendi muito a usar os marcadores a base de álcool. São os mesmos marcadores “tons de pele” que eu tinha comprado um tempo atrás e que até cheguei a fazer alguns desenhos com eles em um breve teste. Minha amiga Jay tinha comentado que os marcadores a incomodavam pelo fato de que ficam muito “marcados” na imagem (e, de fato, ela faz umas passagens de tons bem suaves, muito diferentes da marca que os marcadores deixam no papel), e eu fiquei pensando em como poderia tentar escapar desse tipo de efeito mais grosseiro. Ainda que várias destas primeiras imagens possuam traços bem marcados, com o tempo eu fui aprendendo a utilizar melhor as potencialidades destes marcadores. As fotos a seguir mostram a sequência dos desenhos no sketchbook que eu separei exclusivamente para isso.

House-sketcher depois de estudar melhor

Depois de um tempo pintando somente com as cores “tons de pele” do kit que eu tinha comprado, decidi investir em mais cores, pois me sentia muito limitado aos tons de marrom. Infelizmente esses marcadores são muito caros, e acabo comprando 1 ou 2 unidades apenas. Mas eu descobri que o ideal é sempre comprar cores parecidas, um tom claro e um tom médio/escuro, pois assim fica mais fácil fazer as passagens entre as cores.
E eu fico falando tudo isso sobre cor, mas eu nem sei se isso necessariamente faz sentido, pois sendo daltônico essa parte técnica é um pouco mais complicada.
Após estes estudos, eu acabei comprando um curso de desenhar casas no Doméstika. É um curso bem básico, mas que eu curti muito. Me senti bem confiante, por exemplo, de desenhar as casas sem fazer esboço com lápis, já começar com o bico de pena e o nanquim, na tora. Me senti muito profissional fazendo isso, rs. Também acho que o curso me ensinou a utilizar melhor o espaço do papel, centralizando a casa e deixando espaços vazios no entorno também. Isso deixa o desenho mais leve. Outra coisa foi a utilização da cor branca. No curso, o professor utiliza uma Posca branca para fazer uns efeitos de luz que eu achei bem interessante. Ele também ensina bem a fazer a degradê com os marcadores, transformando a borda grosseira da tinta em algo beeeem mais suave. Outra coisa foi a confiança em agregar elementos do meu imaginário no desenho. Antes eu seguia a foto à risca, alterando poucas coisas. Nos próximos sketches vocês perceberão que as casas possuem mais elementos e mais ousadia também. Acho que curti esses modelos.

Todos os desenhos foram digitalizados e levemente tratados para se assimilarem melhor ao que está no sketchbook. Subi um pouco o contraste, diminuí o brilho e dei uma calibrada nas cores (mas para um daltônico, pode ser que esteja tudo diferente, hahaha). Quando vocês me fizerem uma visita, peça para ver meus sketchbooks, e aí vocês podem tirar as próprias conclusões.
O projeto final lá do Doméstika pode ser visto clicando aqui.
Enfim, gostaria que vocês pudessem me fornecer opiniães e comentários sobre esse processo também. O que acharam?

Novidades na loja

Simmmm, panos de prato para pessoas revoltadas e descoladas (ao mesmo tempo) estão disponíveis para compra na loja virtual.
Algumas estampas são exclusivas de panos de pratos, outras são aproveitamento de telas das camisetas.
Os panos de prato são feitos daquele material chamado PÉ DE GALINHA, que dizem ser os que mais secam e os que mais duram. Pelo menos é o que reza a lenda.
Infelizmente os de cor preta são levemente mais caros que os brancos.

Queimando olho

Domingo de manhã eu queimei meu olho esquerdo. Eu não estava brincando com fogo, nem olhei um eclipse sem raio-x. Não teve calor, nem chamas e nem foto-ofuscamento. Foi uma queimadura química provocada por agentes tipo C-Corrosivos.
Traduzindo a situação, eu guardei a manhã de domingo para tirar fantasmas das telas de serigrafia. Os fantasmas são manchas químicas e gordurosas que se fixam nas telas, e ainda que não dê nenhum problema, elas podem dificultar a fixação da emulsão fotossensível, fazendo com que a tela abra nas regiões frágeis e a impressão fique manchada.
Eu comprei o Remoclean Removedor Mono, comprei luvas de neoprene resistentes à corrosão, comprei óculos de segurança e máscaras. Foram 3 sessões de limpeza, e a ideia era tirar os fantasmas de quase todas as telas desgravadas que tenho aqui no meu estúdio. Nas duas primeiras sessões ocorreu tudo certo. Passo o produto, aguardo 15 minutos, jateio com água e a tela fica extremamente limpa, sem vestígios que fora outrora utilizada.
Na última sessão, domingo, me aguardavam as maiores telas, que eu uso com menos frequência e por isso eu estava em um clima mais tranquilo e, aparentemente, mais desatento. Eu logo coloco os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e já inicio o processo de passar o Remoclean nas telas grandes. Eis que o primeiro momento horrível de 2024 aparece.
A esponja de nylon agarra na lateral de uma das telas e ricocheteia em minha direção parte do produto químico, corrosivo, ácido. Foi a pior maneira de descobrir que eu havia me esquecido de colocar os óculos de proteção. Várias coisas passaram pela minha cabeça. Com o impacto e o início da ardência, minha primeira reação foi tapar o olho com a mão e correr em direção a um tanque. Segurei minha pálpebra aberta e deixei água corrente escorrer no olho esquerdo, que ardia em chamas. Não, eu não enxergava nada, tudo embaçado à minha frente. O nervoso que eu tenho com qualquer coisa que envolve olhos foi deixado de lado para que eu pudesse salvar minha visão. Meu olho ardia como se fosse uma bola de fogo.
Após alguns minutos debaixo da torneira do tanque, entrei em casa para enxugar a cara enquanto acordava minha companheira com os dizeres: “ACORDA, ME LEVA PRO HOSPITAL, QUEIMEI O OLHO!”.
Foi difícil compreender que eu poderia perder parte da visão naquele momento. Eu lacrimejava muito, e eu ainda não sei se eram lágrimas provenientes da resposta do corpo à queimadura ou ao choro pela ardência e pelo vacilo que eu tinha dado naquela manhã. Minha companheira levanta correndo, estava conversando com alguém no celular. Ela me pergunta “Qual produto que é? Quais os ingredientes?” e eu só consigo responder que eu não sei, só sei que é corrosivo. Ela conversa com uma amiga que é oftalmologista, e nós buscamos por informações na embalagem do Remoclean. R20/21/22-35 S 7/9 – 26-36/37/39-45. Esse código são as únicas informações que aparecem. Acessamos o Boletim Técnico no site da empresa fabricante, e na seção dos ingredientes um belo “Segredo de Fábrica” frustra nossa intenção de descobrir como tratar a queimadura.
Meu olho ardia, e eu seguia segurando minhas pálpebras abertas debaixo da torneira aberta com água corrente. Menos mal que, apesar da ardência e do embaçamento, eu conseguia enxergar alguma coisa. Saímos de casa, seguimos para o hospital para consultar com um plantonista. Após um tempo de espera razoável tenho meu olho esquerdo analisado por um profissional.

Ele me diz que eu tive sorte, pois havia apenas uma irritação na parte branca do olho, nada atingiu córneas.
Ele me disse que eu ainda ficaria uns dois dias com muito incômodo no olho.
Ele me disse que eu deveria pingar um colírio anti-inflamatório de 6 em 6 horas, durante 5 dias.
Ele me disse que eu deveria pingar colírio comum de hora em hora, pra ajudar na lubrificação.

Hoje é meu último dia de colírio anti-inflamatório. Ele arde. Eu nunca tive o costume de usar colírio. Não me agrada o gosto que surge na garganta após pingar qualquer colírio nos olhos. Eu não sabia pingar, sempre errava a mira. Depois de alguns dias pingando, já me tornei expert em pingar somente no olho. A prática leva à perfeição. E eu que jurei que sairia do hospital com um tapa-olhos, saí apenas com uma sensibilidade à luz. Não conseguia ver telas, doíam meus olhos. Eu tinha uma sensação esquisita de que havia areia debaixo da minha pálpebra superior. Meu olho inchou, ficava fechado bastante tempo, e as pálpebras grudavam com a quantidade de remelas que surgiam. Na terça-feira meu olho amanheceu aberto, com muito menos incômodo, mas ainda lacrimejando bastante.
Tudo passou pela minha cabeça nesses dias para cá, tudo.

Eu ainda não tive coragem de limpar os fantasmas das telas maiores.

Animaçãozinha relax de momentos tensos

[Stencil] A Grande Onda de Kanagawa

Interesse

Não me lembro bem quando foi que essa imagem se fixou tanto no meu imaginário. Mas gosto de pensar que o interesse que tenho em fenômenos da natureza geraram essa fixação. Em 2004, acompanhei atentamente todos os vídeos curtos e de baixa qualidade que circulavam na internet mostrando o tsunami da Indonésia. Tragédia que eu assistia o tempo todo, cada segundo de gravação. Quando entrei no curso de Geografia em 2009, devorava os livros de geologia e de cartografia, minhas áreas preferidas. A primeira e única vez que vi um vulcão foi em 2012, sobrevoando a Cidade do México. Paixão à primeira vista. Vejo vídeos de terremotos em diferentes localidades e fico imaginando como será essa sensação da terra se mexendo. Vi praticamente todos os vídeos do tsunami de Fukushima, 2011, além de ver vários vídeos de erupções vulcânicas, inclusive o canal ao vivo das Ilhas Canárias. Me lembro bem da minha professora Mônica, de geologia, falar sobre vulcões que expeliam lava continuamente na América Central. E até hoje eu tenho o desejo de ver isso ao vivo. Natureza que tudo destrói. Não é um sonho de destruição, mas uma certa admiração da nossa pequenez frente ao mundo.
Esse interesse que eu tenho de vivenciar certos fenômenos que inexistem atualmente nesse pedaço de terra em que vivo são algo que me movem. Imagino que observar a gravura “A Grande Onda de Kanagawa”, do mestre Katsushika Hokusai, talvez me traga um pouco dessa sensação. Não me lembro qual a primeira vez que a vi, mas me lembro bem de analisar cada centímetro desta gravura.

Produção

Foi em 2013 que eu tive a ideia de começar a reproduzir “obras de arte” com a técnica do stencil. Me propus a cumprir o desafio de logo começar com a imagem que circula no meu imaginário. De tanto observar os elementos da gravura, já tinha uma noção de como fazer. O processo não foi nada fácil. Na época, eu não sabia fazer separação de cores no Photoshop, e o processo foi completamente manual. Fiz uma impressão da gravura em tamanho aproximado de A3. Separei uma dúzia de radiografias, papel carbono branco, e fiz o decalque e as separações de cores de forma completamente manual. Não tinha noção de como iria ser o resultado, até porque tinha dúvidas se meu daltonismo me permitiria compreender as diferenças tonais. Mas não perdi muito tempo com a ansiedade e logo já comecei os cortes.
As camadas possuíam diferentes níveis de complexidade. O que era água, seriam três cores, sendo a primeira com muitos detalhes e dando contra forma à parte branca da onda, e outras duas camadas tonais complementares.
O céu, apenas duas camadas, envolvidas em borrifos e degradês para simular os tons da gravura original. As canoas, duas camadas de cores, tom sobre tom. As pessoas, apenas a camada das roupas.
Por último, o mais complexo. Uma camada de linhas finas que estariam em toda a imagem; repleta de pequenos detalhes essenciais para uma boa visualização; e uma última camada com as bolhas brancas saindo das ondas, além do papiro de informações sobre a obra que, nesta imagem, está presente no céu. Ambas camadas apenas funcionariam se todo o encaixe das cores anteriores estivessem perfeitos.

Uma questão que me deixou bastante inseguro no início foi a utilização das cores. E, nesse sentido, me esbarrei em duas questões:
– Em primeiro lugar, cada referência da imagem que eu encontrava nas buscas online me traziam cores distintas para a água e, de forma ainda mais evidentes, para o céu ao fundo. As variações eram enormes.
– Em segundo lugar, eu estava sujeito à disponibilidade das cores em spray que eu encontrava. Não é uma tarefa fácil achar a tonalidade certa, depende da marca e da disponibilidade da loja em ter o que precisamos. Isso, sem contar, que a cor de referência da lata nem sempre é a mesma da tinta quando pintada.

Lágrimas

Em 2015, tive a oportunidade de ver uma impressão da gravura ao vivo, no Metropolitan Museum. Vi tudo com meus próprios olhos e boatos dizem que algumas lágrimas escorreram. Ver a gravura in loco é muito diferente de ver as digitalizações, com suas correções de matiz e contrastes. Ver de perto cada veio da madeira que aparecia na impressão, a utilização das cores e degradês, cada detalhezinho de entalhe. Tudo isso me emocionou bastante.

Acho que essa experiência me trouxe uma sensação de que tudo que eu tinha visto antes era bem diferente, que as imagens de internet são em muito superadas pelas experiência ao vivo. Pra quem curte pensar na técnica, no processo, penso que somente o contato direto dos olhos com a impressão nos permite ver a grandeza e a riqueza dos detalhes, a forma de entalhe e tratamento da madeira, o sangue e o suor que ali foram depositados.
Por incrível que pareça, ver a gravura ao vivo me deixou mais confiante em experimentar outras combinações de cores, tentar criar outras atmosferas, ousar mais.

Acho que a experiência de ter feito esse stencil, todo de forma manual, me trouxe uma sensação das próprias limitações das técnicas, apresentando suas diferenças estéticas e uma sensação de que, cada vez mais, a xilogravura é algo muito mais complexo que uma mera estética.
“A Grande Onda de Kanagawa”, com toda sua fúria e sua beleza, abraçando o Monte Fuji, enquanto navegantes são espectadores e participantes deste momento, é algo que me toca profundamente.

Vídeo curto sobre as etapas de produção

Talvez as pessoas não tenham noção do que foi pensar e produzir essa impressão em stencil. Do trabalho em cortar, do trabalho em imprimir todas as 9 camadas de matrizes, com aproximadamente 14 cores sendo utilizadas. A dimensão disso tudo se perde com o tempo, e apenas o produto é apresentado, com suas falhas de impressão, borrões de tintas, inexatidão de cores. Mas acho que talvez tenha sido um processo tão relevante e significativo para mim que não posso ignorá-lo do meu histórico. O tempo de observação, os cuidados com o corte, a reflexão sobre as cores. O processo de impressão em time-lapse pode ser conferido a seguir. Produção de várias impressões em spray, muitas delas com cores experimentais e muita paciência.

Processo completo de impressão de todas as camadas

Seguiremos

Com os últimos suspiros de 2023 vem a vontade de escrever algo. Hoje estava pensando no que pudesse ser algo similar a uma certa retrospectiva desse ano que termina, mas acho que nada que eu escrevesse poderia representar tudo que foi. Em 2023 minha vida mudou drasticamente, teve aumento do número de clientes, de parcerias, de parceragens, de produção autoral e/ou terceirizada. Ingressei no mundo acadêmico e, ainda que eu esteja tentando me encontrar neste espaço, tenho curtido muito as pesquisas que tenho feito. Me propus a circular mais também, participei de algumas feiras em outras localidades e com isso acho que tenho conseguido firmar alguns laços importantes e ampliar as redes, conheci muita gente que significou muito para mim também. Muitas trocas importantes aconteceram nessas interações. Li bastante, tanto literatura quanto teoria, e produzi muito também na área criativa. Consegui escrever sobre minhas obras no blog, consegui inventar histórias e escrever relatos sobre minhas experiências também. Tenho me arriscado mais, sobretudo em situações em que eu havia perdido algumas das minhas habilidades. Também vivi fora das redes sociais por um tempo e, ainda que eu tenha desaparecido das timelines e feeds, foi a melhor ideia que tive em muito tempo. Vamos ver como será no próximo ano. Enfim, foi um ano ótimo. Obrigado por tudo.
Pego todas essas experiências e só consigo imaginar no porvir. O que será que teremos pela frente? Não importa, tô mais confiante que nunca.
Pego referências de DISCARGA e de FUN PEOPLE para encerrar este ano com um convite à luta, à memória, à resistência, e todas as possibilidades de vida que nos foram negadas/retiradas/arrancadas. Foi graças ao processo de resistir ao poder e às formas de dominação, de conseguirmos nos associar para firmar laços e de construir possibilidades distintas de vida que não desistiremos. Por AMOR seguiremos todxs de pé. Façamos nós mesmos o mundo que almejamos.
Pode vir 2024, estamos preparadxs!

[xilogravura] Pula a cerca/Brinca el borde

Imaginário

Eu não me lembro quando meu interesse por algumas questões que aconteciam no México surgiram. Eu escutava música mexicana, a maior parte ligada ao punk, e bandas de outros lugares que também dialogavam sobre as questões do México. Desobediencia Civil, Molotov, Los Crudos, Brujería e Vieja Guardia são alguns exemplos. Eu gostava de ler as letras que falavam sobre os zapatistas, sobre o narcotráfico, sobre história da região, revoluções, guerras, sobre corrupção, sobre estilo de vida e sobre a migração. Era uma forma de ter certa sensação de curiosidade poder imaginar as diferenças desta região para onde vivo aqui no Brasil, fazer assimilações, também estudar o idioma espanhol. Eu curtia muito escutar punk que cantava em espanhol, eu tinha a sensação de que as letras eram mais complexas, mais diretas e tratavam sobre mais temas que as bandas daqui. Ainda que essa tenha sido uma suposição equivocada da minha parte, escutar bandas como Los Muertos de Cristo, @patia No, Fun People e Sin Dios (uma música desta última gerou o nome que uso desde 2008: La Idea) me davam uma noção do quanto eu poderia aprender e imaginar sobre as diferentes questões do mundo.
Em 2008, eu assinava o jornal Le Monde Diplomatique. Era uma jornal legal, porém muito acadêmico e muito denso, e eu acabava ficando de saco cheio de algumas matérias cuja escrita era técnica demais pra minha compreensão na época. Em abril daquele ano, a edição que chegou trazia uma matéria sobre algumas questões que a região da fronteira estava passando por conta da implantação do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) que entrou em vigor no primeiro dia de 1994, e 14 anos depois os agricultores mexicanos estavam passando aperto com a industrialização forçada e com as isenções tributárias impostas pelos Estados Unidos ao México.
A matéria dizia respeito a um lugar muito específico: Ciudad Juárez. Cd. Juárez é uma cidade que fica no extremo centro/norte do país, no meio do deserto, bem na divisa com o Texas (Estados Unidos). A cidade do lado de lá da fronteira, El Paso, era considerada a cidade mais segura dos Estados Unidos, e a do lado de cá, Cd. Juárez, a mais violenta do mundo. As cidades antes se chamavam apenas Paso del Norte, e com a guerra entre Estados Unidos e México em 1844, onde os Estados Unidos usurparam, através de um acordo, metade das terras mexicanas, o Rio Bravo que cortava Paso del Norte ao meio foi eleito como o demarcador da fronteira, separando a mesma cidade entre dois países distintos. Pelo fato da localidade se encontrar no meio de uma região desértica, as duas cidades se desenvolveram de maneira conjunta e dependente, até o fechamento das fronteiras.

A fotografia que acompanhava a matéria me chamou atenção: Um homem pulava a cerca que divide as duas cidades. Sim, é uma cerca, não um muro. Na real, são várias cercas em sequência, logo após da borda do Rio Bravo, hoje canalizado, com pistas para carros de vigilância. O acesso entre os dois países se dão por pontes, onde tem a Aduana de ambos países, sendo que para entrar no México é super rápido, mas para entrar nos Estados Unidos costumam ter muitas filas e fiscalizações. Em Cd. Juárez se encontram 4 pontes para veículos e 1 para trem de carga, e as pontes são a principal simbologia entre essa confusão que significa ser um cidadão fronteiriço, cheio de aberturas culturais, sociais, identitárias e de fechamentos comerciais e de fluxos de pessoas ao mesmo tempo.
Em 2012, eu deixei de imaginar o que seria essa região e morei em Juárez por 6 meses. Eu e minha companheira fomos estudar na Universidad Autónoma de Ciudad Juárez (UACJ) e pudemos vivenciar um pouco essas contradições e ambiguidades presentes na vida fronteiriça. Sobre a vida em Juárez, talvez seja tema para outra postagem, mas quero deixar registrado essa fotografia que eu tirei de dentro do ônibus quando ia para o campus das Ciências Humanas e Exatas. Era um viaduto que acessava a avenida que corre rente ao Rio Bravo, margeando ele. Na foto, vemos a borda do Rio canalizado, a pista por onde passa “La Migra” (viaturas de controle de migração e de passagens não-autorizadas), a série de cercas que separam os dois países e El Paso ao fundo.

Viver na fronteira é algo muito diferente do tudo que eu pudesse, um dia, ter imaginado. São muitas influências dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que se conserva um identitarismo que se diferencia de quem está do outro lado. Juárez não possui edifícios altos, possui muitas construções antigas, muitas casas abandonadas por conta da violência, pouca vida nos espaços públicos. Mas as pessoas que vivem em Juárez fazem acontecer todos os tipos de corres para que a cidade não morra. Conhecemos vários coletivos de arte, gente que intervém nas ruas o tempo todo trazendo essa memória, agitando a cultura e criando espaços e possibilidades para que qualquer um tenha orgulho de tudo que é produzido ali (não estou falando da indústrias/das maquiladoras!).

Gravando

Alguns anos depois, provavelmente 2018 ou 2019, comecei a trabalhar em uma xilogravura que pudesse trazer um pouco dessa memória que eu tenho, e que me gerou tanta inquietação na época. Eu não quis intervir em absolutamente nada. Todos os elementos da fotografia eu tentei trabalhar de uma maneira simples, porém detalhada.

Fotografia original /// Meu desenho com marcador Sharpie que originou a xilogravura

O processo de gravação foi lento. Várias semanas cavucando a madeira, sobretudo na parte da cerca/grade. Foi um processo desafiador. Eu gosto muito da estética da xilogravura, bem marcada, contrastada, com traços mais expressivos. Ainda que no linóleo eu também consiga efeito similar, a textura que a madeira deixa como se fosse um rastro de destruição é algo que soa bem aos meus olhos.

Acho que a memória sempre traz coisas legais interessantes quando pensamos em produzir algo. Eu gosto de trabalhar com fotografias muito por conta disso também. Elas possuem uma história que, de alguma forma, se entrelaça com minhas experiências. Nunca achei que algum dia eu iria sair do país, nunca tive condições econômicas para tal façanha. E ~de repente~ consigo uma bolsa de estudos para vivenciar algo que eu só imaginava enquanto escutava músicas ou lia reportagens. Acho que esses significados que a gente dá é o que vale a pena todo o processo de se produzir alguma coisa na áreas das artes visuais.
Pula a Cerca pode ser traduzido como Brinca el Borde, nome que dei para esta produção. Mas vou parafrasear uma banda punk muito massa, Propagandhi, e já deixar um “FUCK THE BORDER” bem grande aqui. Por um mundo sem fronteiras!
Abaixo, seguem algumas fotos da gravura impressa, o resultado final, seguida de um vídeo da gravação da matriz que contém imagens de como eu fiz alguns destes detalhes. A gravura pode ser adquirida na LOJA VIRTUAL.
Obrigado pela atenção,
Até.

Homenagem a Nêgo Bispo

Antônio Bispo dos Santos faleceu dia 3 de Dezembro de 2023. Eu me lembro bem do momento em que fiquei sabendo da triste notícia. Eu estava em Brasília, participando da Feira Gráfica MOTIM, que teve esta edição no Museu Nacional. Eu olhava para minhas gravuras expostas, e com destaque na minha banquinha havia a “Transfluência“, a gravura que fiz a partir de uma entrevista com Nêgo Bispo presente no livro “Mobilidade Antirracista“. Eu me inspirei muito na época ao ler cada palavra de Bispo. Já fazia um tempo que não produzia nada tão significativo e profundo, e esse foi um trabalho de pesquisa conceitual e imagético que me fez gastar muita energia no desenvolvimento. E é curioso porque muitas pessoas se interessam pela gravura, pela postagem que fiz falando sobre o processo de produção dela, mas ela está longe de ser um produto lucrativo pra mim. Acho que até hoje eu vendi apenas 1 cópia dela, para um casal de médicos que haviam parado na minha banquinha numa feira em BH. Mas talvez esse diálogo sobre tentar ~viver de arte~ não seja o mais adequado para este momento. Desde o dia 3 que eu fico pensando no que poderia fazer para prestar essa homenagem à uma pessoa que me tirou um pouco da inércia de ideias, e me fez repensar um pouco sobre a forma como eu produzia algumas coisas, sobre algumas associações que fazia enquanto artista visual. A entrevista dele me fez voltar a pesquisar para produzir. E eu digo que estava em dúvidas se fazia uma homenagem ou não com o receio de cair no oportunismo capitalista de almejar lucro aproveitando o momento do óbito de alguém. E isso não é e nunca será minha intenção aqui. Hoje eu entendo o quanto eu gostaria de agradecê-lo pelas ideias que ele expressou e que ecoaram na minha cabeça. Talvez ele nunca saiba da importância que ele teve na minha vida. Hoje mesmo eu estava pensando se eu tomei conhecimento da existência dele tarde demais… Mas acho que eu o conheci no momento certo em que suas ideias dialogavam as minhas. Tudo vibrou na mesma frequência.

Hoje eu fiz uma ilustração do Nêgo Bispo usando a referência de uma fotografia em que ele apoiava a cabeça nas mãos que se entrecruzavam na nuca. Ele olhava para cima, descansado e tranquilo. Um momento de paz e suavidade. Ao fundo, coloquei a imagem em marca d’água da gravura que fiz baseado nele, Transfluência. Nessa ideia, o conhecimento dele seguirá viagem através de outras matérias, e se recriará em outros povos. Tudo segue conectado.

VIDA LONGA NÊGO BISPO! OBRIGADO POR TUDO!

[xilogravura] Propaga Tus Ideas

Essa é uma gravura produzida, provavelmente, nos idos de 2018. Eu já estava com o antigo atelier no bairro Aparecida, ainda em suas primeiras semanas de atividades. Eu gostava bastante de experimentar novas formas de desenvolver gravuras. E esse daí foi um experimento que deu muito certo.

Na minha pesquisa por imagens, encontrei esta fotografia de Jamel Shabazz. Esse tipo de fotografia que marca uma época de desenvolvimento e efervescência de várias movimentações underground, ligadas à subculturas é algo que me agrada muito. Martha Cooper e Jamel Shabazz são fotógrafos que registraram toda uma cena que envolvia os 4 elementos: RaP (Ritmo e Poesia), Graffiti (intervenções visuais), Break Dance (danças de rua), DJ´s/MC´s (quem domina os scratchs e os samplers/quem domina a rima).
E eu costumo buscar referências nessas fotografias pra desenvolver algum trabalho, ou treinar alguma técnica.

Essa imagem é interessante. Um homem com seu boombox, olha pra câmera e faz um aceno de quem tá curtindo muito. Eu recortei a figura em primeiro plano, fiz uma cópia em toner, e fiz uma transferência prum compensado de pau-marfim, que eu costumo usar para as xilogravuras.
Depois quadriculei toda a madeira em espaços de 1×1 cm e tudo que veio depois foram intervenções manuais, com marcadores. Fiz os raios saindo do fundo pra dar uma noção de profundidade, e fiz as letras de forma manual, tentando manter um padrão de escrita.

Depois passei a brincar um pouco com os contrastes, sobretudo nas letras. Ora espaço, ora preenchimento, me diverti enquanto cavucava cada detalhe. Na impressão, o efeito me lembrou um painel luminoso, que ora acendia uma letra, ora outra.
Nesta matriz eu também usei uma micro retífica que eu comprei da China, mas ela era muito vagabunda e mais amassava a madeira que retirava matéria. Acabei desistindo de usar.
No fundo, optei for fazer linhas verticais com a goiva em V, dando uma sensação de passagem tonal pra quem observa.

Propaga Tua Ideas” pode ser traduzido, literalmente, como “Propague Suas Ideias” e foi uma proposta que eu achei que tinha a ver com meus ideais e com a sensação que a foto me transmitia. A Boombox, com seus alto-falantes, consegue fazer soar muitas ondas sonoras, que buscam a captação de ouvidos pelo caminho. Essas ondas podem ser batidas ritmadas, podem ser poesia, e podem ser palavras de protesto. A música sempre foi uma ferramenta interessante para divulgar ideias e agregar mais pessoas nas redes de ação e solidariedade. Elas nos trazem uma sensação de pertencimento e de voz ativa. Uma identificação com algo que está sendo proposto. Além do mais, ouvir música é muito bom. Junta o útil ao agradável.

Primeiros testes de impressão

É uma gravura que eu, particularmente, curto muito. Com certeza não é a favorita da galera que costuma comprar algo da minha produção. Mas ela me traz algo de “Aproveita as ferramentas que estão disponíveis e diga pro mundo a importância do que você tem em mente. Foda-se o estilo, foda-se a estética, foda-se o consumo. Somos tudo e somos nada. Só sei que coletivamente chegaremos em algum lugar!“. Ou talvez algo assim.

A parte mais legal de escrever sobre um trabalho, é relembrar como ele foi desenvolvido. Eu vejo fotografias da época, e vários momentos retornam à memória, não apenas da produção, mas do contexto em que eu estava. Sobretudo nessa época eu já estava em um movimento de repensar algumas ações, algumas teorias e alguns métodos sobre o caminho em que estava traçando. Ainda que, provavelmente, aquele caminho planejado tenha se alterado no decorrer de todos esses anos, acho que hoje me encontro num lugar interessante por conta dessas reflexões e decisões do passado.
Enfim, por hoje é isso.
Me digam depois o que acham.
Abraço.

[xilogravura] Andina

O ano era 2014. Havia pouco tempo que eu havia ingressado, a partir do processo de transferência, ao curso de Artes Visuais da UFMG. Eu andava bem frenético no que referia à produção artística. Em 2012 havíamos vivenciado um cotidiano fronteiriço em Ciudad Juárez, México, e minha energia produtiva andava bem aquecida e estimulada por esta riquíssima experiência.
Eu conheci a linoleogravura enquanto estudante de Artes Visuales, no Taller de Grabado que eu frequentava em Cd. Juárez. Foi amor à primeira vista. No México, o acesso a materiais de gravura, matrizes, ferramentas e referências é muito mais amplo que aqui no Brasil. Inclusive, as ferramentas que comprei lá, e que eram as mais baratas, são as mesmas que uso até hoje.
São técnicas beeeem populares, pois existiram (e ainda existem) várias gráficas populares na região. No Brasil, a gráfica ficou restrita por muito tempo apenas à família real, e as ideias não circulavam tanto quanto na parte do continente colonizada pelos hispânicos (Mas essa história do desenvolvimento e popularização da gráfica talvez seja uma pesquisa para outra postagem).
Na minha tentativa de desenvolver mais a técnica, passava boa parte do meu tempo pesquisando artistas, processos, técnicas e temáticas. Que eu incorporei a cultura da região do México na minha produção não é novidade para ninguém. Basta ver meu portfolio que essa temática fica escancarada. Mas algo que eu incorporei foi esse amor ao processo gráfico artesanal, de pensar, refletir, produzir, e trazer ao público minha produção de maneira acessível.
Por isso me recuso a vender gravuras por valores irreais às condições econômicas de pessoas comuns, ainda que algumas tenham valor mais elevado, mas isso se deve, muito, aos materiais que aqui nos custam muito caros. Não gosto de fechar e limitar edições de gravuras cujas matrizes ainda podem ser reproduzidas, e sempre tento levar meu trabalho para outros suportes, como lambe-lambe e camisetas. Assim, garanto uma forma de acessibilidade visual que foge à lógica de galerias, por exemplo.


Os esboços em meus caderninhos são algo que eu curto fazer enquanto processo produtivo. Acho que é a forma mais sincera de se começar algo. Me lembro bem que eu treinava desenhos a partir de fotografias de pessoas, e eu curtia muito trabalhar os tecidos que apareciam. Gostava de observar e de representá-los de alguma maneira gráfica.

Não sei exatamente como essa fotografia surgiu na minha vida. Mas várias coisas me chamam atenção nela. A quantidade de pano, com muitas tonalidades e texturas; o olhar da mulher; o olhar da criança; a paisagem. É uma fotografia interessante aos meus olhos em vários aspectos. Até porque, nesta época, os temas que envolviam maternidade, mulheres e crianças em processos históricos (sobretudo de lutas) era algo que me chamava muita atenção.
Não pude perder a chance de praticar desenhos e logo abri meu bloquinho A5 para esboçar alguma coisa. As tramas do pano foram algo que me trouxeram a ideia de transformar a imagem em uma xilogravura. Várias linhas paralelas, de diferentes espaçamentos e espessuras, ditavam o ritmo. Essa textura parecia maravilhosa para um gravador iniciante.
O processo foi relativamente simples. Digitalizei a página do bloquinho, ampliei para um formato A3, imprimi. Na folha impressa, trabalhei com marcadores a base de álcool na cor preta, para criar os preenchimentos, volumes, vazios. Criei de forma manual uma imagem com linhas e formais mais rígidas, já pensando em uma estética própria da xilogravura. Após todas as marcações em preto estarem prontas, fiz uma cópia em impressora de toner, e fiz uma transferência pra placa de compensado de pau-marfim com thinner e prensa.
Daí, foi só começar o processo de gravação. Utilizei, majoritariamente, goiva faca para todas as bordas, e goiva em V muuuuito afiada pra fazer os detalhezinhos da textura do pano.
Foram algumas semanas gravando, mas acho que valeu a pena.

Após um longo processo de gravação e de testes, acho que fiquei satisfeito com a matriz que eu havia gravado. Precisava de um papel que estivesse à altura, que fosse tão delicado quanto à suavidade e serenidade da imagem. Optei por um papel de arroz tão fino, que praticamente não aparecia. Dava a impressão de que a impressão ríspida flutuava no ar. A impressão foi feita completamente com colher de pau, sem a utilização de prensa, com todo cuidado para que o papel não rasgasse por conta de sua espessura. Processo delicado, trabalhoso, mas que me trazia muita satisfação.
Logo abaixo seguem os resultados.

A única questão sobre esta gravura, é que eu acabei fazendo poucas cópias dela. Em 2015 ou 2016, não me lembro, houve uma infestação de ratos lá em casa. Eu tinha uma gaveta onde guardava todas as matrizes, bem como algumas impressões e revistas. Quando abri a gaveta, havia fezes e urina de ratos para tudo quanto é lado, tudo estava roído e/ou descascado. Eu preferi não arriscar. Coloquei luvas, juntei tudo em um saco de lixo e descartei. Perdi muitas coisas nesse processo, mas o que foi feito, pelo menos, tem fotos…

Impressão do livro Haicaipiras

Uma das coisas curiosas que ~felizmente~ surgiram com a pandemia, foi a capacidade de nos aliarmos de maneiras mais sólidas com outrxs artistas. Nos víamos todxs em situação de vulnerabilidade, passando apertos pra pagar as contas, isoladxs da vida social, dos contatos, das redes, e a vida virtual de repente surgiu como uma possibilidade de interação (e hoje eu acho isso um saco, hahaha, mas eu entendo que ficamos muito dependentes das redes nesse período, era uma necessidade). Não que as associações, parcerias e colaborações não existissem antes, mas acho que no contexto pandêmico, sobretudo no início, estávamos mais abertxs à produção coletiva.
Uma das pessoas, que logo se tornaram duas e três, que conheci nesse contexto foi o Vitor Pedroso, aka Piruá Gravuras. O mano tem formação em Grego Clássico e Violão Clássico (ou algo assim) , e descobriu a gravura em uma oficina. Logo foi encantado pela técnica e desenvolveu uma rede enorme de artistas gravadorxs, e durante a pandemia conseguiu desembolar tantos contatos que foi o responsável pelo planejamento da maior troca de gravuras que o mundo já viu, o Escambo Gráfico. E eu digo que logo se tornaria duas e três pessoas, porque é impossível acompanhar as atividades do Vitor e ignorar o corre da Lud e do Joca. O Escambo, hoje, é tocado pelxs três (em maior ou menor proporção, rs) e o trabalho que elxs têm desenvolvido merece toda admiração e respeito possíveis.
Digo isso tudo porque, desde que nos conhecemos virtualmente, eu e Vitor trocamos muitas ideias, sobre técnicas, sobre artistas, sobre grego (hahahaaha) e sobre a vida também. Me lembro que meu pai havia adoecido com menos de 1 ano de pandemia por conta de um tumor, e eu andava meio mal da cabeça por conta de tudo que estava se passando. Conversar com o Vitor sobre isso, sobre minhas tensões e preocupações, e sobre tudo que estava rolando foram momentos importantes nesse processo todo.
Esta poderia, muito bem, se tornar uma postagem de boas memórias e elogios, mas eu gostaria de falar sobre outra questão. Eu e Vitor conversamos várias vezes sobre fazer alguma produção em parceria, mas a logística ou o tempo sempre iriam atrapalhar de alguma forma. Até que o Vitor chegou com uma ideia sensacional: produzir uma edição de um livro de haikais de maneira 100% artesanal. O livro já tinha nome, Haikaipiras ~haikais com a temática caipira.
O projeto demorou algum tempo para sair do papel, mas, para minha surpresa, Vitor já havia se associado a outros dois escritores/poetas para dar corpo à obra. Ele me enviou as páginas já diagramadas no tamanho A5, eu orcei o valor do meu trabalho e dos materiais que iria utilizar, incluindo todos os papéis.
Quando ele me pediu para iniciar a produção, já estava tudo pronto. As telas de serigrafia gravadas com toda a parte de texto só aguardavam a passagem da tinta.
Após a impressão de todas as páginas feitas de forma manual, enviei tudo pelos Correios para Araraquara/SP, localidade onde vivem Vitor e Lud (e Joca). Lá, Vitor pegou as páginas do Papel Pólen Bold que sobraram das impressões, e que foram enviados juntos com as páginas impressas, e imprimiu suas ilustrações em xilogravuras, dialogando com o texto e com a temática da obra.

Recentemente chegou um exemplar aqui em casa. Fiz 54 impressões de cada página, e foi o suficiente para criarmos uma edição fechada de 50 cópias, mais 1 cópia para cada pessoa que participou do processo de produção. O resultado não poderia ser diferente. O acabamento e a costura, também feitas de forma manual, é um espetáculo à parte. O resultado é uma obra incrível, que dá gosto de ver, de manusear, de ler, de observar. O projeto foi manual e artesanal em todas etapas possíveis, e nele é possível perceber cada gota de suor nas páginas impressas em serigrafia e em xilogravura.

Talvez a palavra “orgulho” seja pouco para definir a sensação de ver a matéria desta obra. Ver algo produzido de forma artesanal, com vários mãos e mentes em ação, é algo que dá gosto. Enfim, só tenho a agradecer ao Vítor, Lud, Emmanuel e Fábio (e Joca) por me possibilitarem fazer parte deste processo. Cada haiku que leio me tira desse lugar rígido que é a cidade, me leva prum lugar mais suave, mais sereno, mais maleável. Cada ilustração que vejo me faz lembrar de um tempo mais leve, menos corrido, mais contemplativo. A obra me trouxe uma sinestesia que há muito não sentia. São memórias que retornam, sobre pessoas, locais, gestos e situações. Sem palavras que possam descrever o que se passa na minha cabeça quando escrevo sobre a obra.

Obra: Haicaipiras (2023)
Haikus: Emmanuel Santiago
EpiGrama: Fábio Cairolli
Ilustrações em xilogravura: Vitor Pedroso aka Piruá
Impressão do texto em serigrafia: La Idea
Encadernação e Acabamento: Ludmila Siviero e Vitor Pedroso
Tiragem limitada/numerada em 50 cópias

Finalmente saiu a parceria que tanto almejávamos. A primeira de muitas (assim espero). Foi um prazer e um privilégio produzir com vocês. A minha parte do processo de produção foi toda gravada e pode ser vista no vídeo abaixo.
Obrigado.

Webb Ellis, o mito fundador e os 200 anos de Rugby

Rugby é uma cidade de 78.000 habitantes, localizada 134 km ao norte de Londres, na Inglaterra. No início do século XIX, era muito comum os pais enviarem seus filhos para a Grammar School de Rugby para estudar, sobretudo, línguas.
Em 1823, William Webb Ellis, aluno da instituição, enquanto jogava um tipo de futebol com as regras existentes na época, quebrou as regras pegando a bola com a mão e correu em direção às traves, enquanto seus adversários tentavam agarrá-lo para impedir que Ellis chegasse ao fundo do campo.
A partir daí, começaram as divisões de quem queria seguir com a bola exclusivamente nos pés e quem queria seguir com a bola também nas mãos. Em 1845 três alunos da Escola de Rugby escreveram as primeiras regras conhecidas do esporte, separando, definitivamente, o “Football” do “Football Rugby”. As regras do futebol comum foram escritas apenas em 1863.
Existem muitas dúvidas sobre o mito fundador do esporte, mas essa história do ousado jovem estudante Webb Ellis segue sendo a mais aceita como pontapé inicial do esporte.
Apesar da Inglaterra ter inventado o esporte, várias de suas colônias conseguiram desenvolver muito suas habilidades, criando várias inovações e desafiando, inclusive, as leis vigentes. Tanto é que todo ano a World Rugby faz uma revisão geral das leis do jogo para adaptar a novas situações surgidas em campo, ou para aumentar a segurança dos atletas. E é um calhamaço de 300 páginas que é revisto todo ano, e todas as pessoas envolvidas com o Rugby devem estudar e fazer uma prova para ter o certificado de que estão aptos à participar das atividades do esporte.
O Rugby foi um esporte muito restrito, que evitou seguir os passos do futebol, mantendo-se amador até 1995. A partir de 1995, os clubes, atletas e associações puderam profissionalizar-se. Esse fato reflete-se hoje com uma enorme discrepância de salários, investimentos e ligas, criando um enorme abismo entre as confederações profissionais e as que se mantiveram amadoras. No ranking e nos jogos oficiais da World Rugby, vemos pouca mobilidade das equipes amadoras, que não suportam disputar partidas contra equipes de alto nível profissional.
Pensando nesse sentido, Inglaterra e França são os países do hemisfério norte que mais investem em suas equipes e ligas, pagando altos salários, contratando jogadores de Confederações amadoras e trazendo o rugby pro mundo do marketing com muito mais efetividade. Mas também as Irlandas, País de Gales, Escócia e Itália não ficam para trás. Também a Geórgia tem conseguido desenvolver o esporte para ingressar nesse seleto grupo de potências.
Países do hemisfério sul, como África do Sul, Nova Zelândia e Austrália, sempre tiveram o esporte muito bem desenvolvido, disputando de igual para igual partidas contra as potências do norte. Não é a tôa que são os maiores campeões da Copa do Mundo de Rugby, disputada desde 1987. Essas três equipes mantém franquias, que são times que disputam torneios a nível internacional, e seus atletas abastecem as seleções nacionais, mantendo um nível de jogo sempre muito elevado. A Argentina é um caso à parte: não possui equipes profissionais, apenas ligas amadoras, e ainda assim conseguem manter um nível de jogo altíssimo, conseguindo bons resultados a nível internacional. O Japão é a equipe do “sul” que tem investido muito em suas bases e ligas, e nos últimos anos percebemos a ascensão do esporte no país. Isso sem contar com os “Guerreiros do Pacífico”: Fiji, Samoa e Tonga, que são equipes sempre muito fortes e rápidas, ainda que com pouco investimento.
O Rugby é um esporte de contato, porém não é um esporte violento. Possui uma jogabilidade baseada nos princípios de continuidade e disputa: O jogo é contínuo, dinâmico e sempre que precisar ser reiniciado será através de uma disputa. Ele possui 5 valores que devem ser seguidos: Disciplina, Paixão, Solidariedade, Integridade e Respeito. No rugby, sabemos que só existe jogo porque temos um adversário, porque temos um árbitro, e porque temos apoiadores. Todos devem ser tratados com respeito. Sim, os árbitros são respeitados pra caramba, não precisam levantar voz e falam somente com o capitão da equipe.
Em 2023 acontece a Copa do Mundo de Rugby, evento que é realizado na França. Marca o aniversário de 200 anos do esporte, e esse ano, a África do Sul é o país austral que mais tem chances de vencer o Mundial, e pode ser seu quarto título, sendo que também são os atuais vencedores. Para o hemisfério setentrional, Irlanda (Irlandas unificada) e França (que joga em casa) são as equipes que podem dar bastante trabalho e talvez chegar ao título também. O troféu da competição tem o nome de Webb Ellis Cup, em homenagem ao jovem fundador do esporte.
Fato curioso: o Mundial é disputado de dois em dois anos, sendo que a cada edição alternam-se entre as modalidades feminina e masculina.
Na edição masculina, África do Sul e Nova Zelândia possuem 3 títulos cada, Austrália possui 2 e Inglaterra possui apenas 1. Na edição feminina Nova Zelândia lidera com 6 títulos, seguidos de Inglaterra com 2 e dos Estados Unidos, com apenas 1.

Sobre a ilustração

No primeiro plano, o troféu da Webb Ellis Cup, também conhecida por Copa do Mundo de Rugby. Em seguida, Lukhanyo Am (Springboks) e Portia Woodman (Black Ferns), atletas que admiro muito.
Logo atrás, a bola Gilbert, pois foi o velho Gilbert, sapateiro, que teve a ideia de fazer uma bola oval utilizando solas velhas para que a atração principal do jogo parasse de estourar quando os jovens caíssem por cima dela.
Por último, o palco de jogo, com suas pinturas seccionadas e um grande H, símbolo máximo de pontuações.
É minha singela homenagem ao esporte que amo.
Felicidades.

*Texto escrito originalmente em Agosto/23, antes de começar o Mundial. Enquanto faço essa postagem, mais da metade das partidas já foram disputadas. Minhas previsões estão certas até então.

Testando marcadores “tons de pele”

Uma das coisas que mais sinto dificuldades quando vou fazer trabalhos que envolvem pessoas é compreender, a partir de cores comuns, como reproduzir tons de pele. Meu daltonismo me impede de ter segurança para fazer essas coisas. Nesses kits de marcadores, tintas ou lápis de cor eu nunca sei exatamente o que estou vendo ou usando. Ultimamente, para conseguir fazer alguns estudos (e eu tenho certeza que meu amigo Daniel de Carvalho iria dizer que eu não precisaria disso, rs) eu tenho adquirido kits que já vem com a denominação “tons de pele”. Foram 2 kits de marcadores e 2 kits de lápis de cor (esses eu faço um post mais adiante falando sobre). Nesse post eu escrevo apenas sobre os marcadores Cis Graff Dual e o Faber-Castell Super Soft.
E o estudo começou com esboços feitos a partir de fotografias retiradas do Pinterest.

Esboços feitos a lápis numa folha de papel A3

Eu curto fazer o esboço de forma bem solta, sem me apegar muito a proporções ou exatidão à imagem original. Coloco poucos detalhes, poucos preenchimentos. Uso mais como uma referência inicial mesmo. Eu curto fazer assim para usar de uma maneira menos pragmática quando estiver preenchendo com os marcadores na mesa de luz. Eu curto essa maneira mais livre de fazer preenchimentos e detalhes, não me apego muito à representação “ideal” do real não.

Para a versão definitiva, utilizei papel Canson Bristol XL 180g A3, que não possui superfície tão porosa e a tinta adere bem, conferindo um resultado bem suave ao aplicar a tinta dos marcadores. Os brushes Faber-Castell Super Soft possuem uma boa transparência, reagindo bem às superposições de tonalidades, porém deixam em seu rastro uma leve textura, não sei se é por causa do papel. Também achei interessante as tonalidades que são bem quentes e terrosas, com o tom mais claro sendo bem contrastante com o tom mais escuro. Achei que os tons escuros são bem parecidos, fizeram pouca diferença ao meu olhar daltônico.
Os marcadores CIS Graff Duo possuem ponta dupla, uma chanfrada e uma fina, que não é brush, e ambas são bem rígidas. Elas possuem um bom grau de transparência também, e a sobreposição das tonalidades dá uma estética bem massa. Elas não deixam tanta textura no papel como as brushes Super Soft, ficam com uma aparência mais suave a meu ver. Achei a cor das tampas bem diferentes das tintas no papel e senti falta de tonalidades mais escuras. As cores são bem quentes, mas acho que caminham um pouco pr’uma coisa mais “pastel”.
Para alguns acabamentos, utilizei Uni-Pin brush preto e Posca branca 1-M. O resultado está a seguir.

São bons marcadores, fiquei com vontade de adquirir uma gama maior de cores e tonalidades, pra testar de outras formas também, mas acho que dá pra fazer umas peles com o que tenho nesses dois kits. Gosto de me divertir bem solto enquanto desenho e faço os testes, e com certeza essa foi uma experiência bem daora. Podem esperar que em breve eu soltarei mais testes desse tipo.

[litografia] Coruja Cholo

No auge da minha monitoria na disciplina de litografia, lá na EBA/UFMG, andei testando técnicas pra poder compartilhar com xs alunxs um pouco do conhecimento que eu desenvolvia no atelier.
Nesta gravura, eu usei tousche (bastão gorduroso para desenho na matriz litográfica) diluído e aplicado com bico de pena na coruja, aplicado com pincel na moldura oval, e criei uns efeitos com tousche queimado com aguarrás pra dar uma estética meio envelhecida, manchas de mofo/umidade.

Caracterizando os elementos representados – CORUJA

A Coruja tem essa representação ligada ao conhecimento, sabedoria. Durante algum tempo eu curtia muito essa ave, tinha pequenas esculturas de coruja, em 2012 até cheguei a tatuar uma coruja no meu antebraço. Também as usava como personagens de meus desenhos, gravuras e pinturas.
Enfim, a imagem da coruja foi algo que permeou minha criatividade durante muito tempo, e tê-las feito dentro de temas específicos foi algo que curti bastante nesse período. Foi minha porta de entrada pra trabalhar diferentes estéticas a partir de um mesmo referencial. Também foi minha porta de entrada para vestir animais a caráter, algo que faço com mais frequência atualmente. Ao lado está o esboço que fiz no meu bloquinho A5, utilizando canetas nanquim, Posca e marcador Sharpie Tank.
Esta ideia foi especial, uma coruja com vibe meio Ron Swanson Chicano.

Identidade CHOLO

CHOLO diz respeito a uma identidade fronteiriça existente, sobretudo, na divisa entre México e Estados Unidos. Ciudad Juárez (México) e El Paso (Estados Unidos) são cidades surgidas a partir da separação do povoado de Paso del Norte (México), que foi separada na Guerra de 1846, quando os Estados Unidos usurpou metade do território mexicano e decidiu-se que o Rio Bravo, que cortava a cidade, fosse a fronteira entre os países. Apesar de serem divididas por limites transnacionais, as cidades estão situadas no meio de uma região desértica, e elas possuem trocas muito fortes entre si. Grande circulação de mercadorias e pessoas cruzam a aduana, e o fechamento da fronteira é um fenômeno relativamente recente.
Atualmente, uma cerca do lado norte do Rio separam os países, mas como as cidades são co-dependentes, famílias, negócios, movimentos pendulares, comunidades indígenas e recursos foram divididos, criando uma situação ainda mais complexa de circulação. É nesse contexto que surgem os Cholos. Ainda que eu tenha usado essas duas cidades como exemplo, o fenômeno é algo comum em várias localidades da fronteira, não se limitando à fronteira Chihuahua/Texas.
Cholos são caracterizados como seres fronteiriços, que utilizam da estética para se diferenciarem dos estadunidenses, portanto, são mexicanos (ou, atualmente, descendentes de famílias mexicanas).
É uma identidade que foi desenvolvida a partir dos Pachucos, e isso sim tem um teor geográfico mais localizado, pois El Paso também é conhecida como “Chuco”, e Pachuco seria um termo derivado do “Para el Chuco” (Pa’Chuco), pois muito mexicanos faziam o movimento pendular de morar em Cd. Juárez e trabalhar em El Paso.
Caracterizando a estética Chola, calças pantalones (derivadas do Zoot Suit Pachuco), camiseta canelada branca, camisa flanelada xadrez com apenas o botão superior abotoado, muitos usavam bigode e cabelo penteado para trás (alguns usavam um tipo de redinha para manter o cabelo no lugar), outros usavam bandana (marca registrada de muitos grupos até os dias de hoje). O uso de tatuagens também era muito comum, bem como associação com gangues e grupos identitários como forma de defesa.


Moldura

Pensando na questão dos elementos que eu propus nessa gravura, a moldura é algo realmente especial. Com um estilo bem rococó, com arabescos volumosos e bem marcados, a moldura traz um ar de algo clássico, envelhecido, mas que mantém sua nobreza estética. A mesma ideia eu tive com os efeitos de envelhecimento da “foto”, conferindo um caráter de algo antigo, mas que se mantém ainda firme, apesar das adversidades.
A memória é algo que se cultiva, para que não desapareça.

La Idea, 2015 – Litografia sobre papel Hahnemühle, 300g, 33×44 cm

A litografia pode ser adquirida clicando aqui.

[ilustração] Ride in hell

Essa ilustração foi feita sem nenhum propósito aparente. Tava testando alguns efeitos enquanto esboçava alguma coisa e acabei me dedicando à esta tarefa mais que o necessário. Queria testar essas texturas de luz e sombra com retículas, e acabou que virou um emaranhado de retículas, rs. Mas talvez o que eu mais curti foi a brincadeira que tinha feito no Insta. A ideia era abrir a caixa de mensagens para que as pessoas pudessem sugerir uma fala ou uma descrição da imagem. Surgiram alguns muito bons como “Estou indo ver o filme da Barbie” ou “Até o capiroto é mais saudável que eu”. Algumas mensagens que arrancaram gargalhadas de minha pessoa foram “Pedalar, porque essas coxas não vão se definir sozinhas”, “Indo pra casa do boy sedento de tesão”, “Aff, esqueci a mochila do ifud” e “Preciso cortar a unha, tá agarrando no pedal”.

La Idea, 2023

Enfim, ilustração foi feita no iPad, com texturas do pacote gratuito da True Grit. Obrigado à todxs que participaram. Curti muito compartilhar esses momentos de risos com vocês.

[ilustração] Beco do Chá

Meu amigo Sanchez que cria uns blends de ervas que fazem parte do cardápio do O Infusionista me convidou para ilustrar a lata que iria embalar um novo sabor de CHAI, parte de uma coleção dos 4 elementos. Eu fiquei com o elemento TERRA. Chai é uma das minhas misturas favoritas, e o Sanchez faz uma versão especial, bem tropical.
Eu não perdi tempo. O Sanchez me deu total liberdade de criação com minhas ideias e meu estilo e é lógico que eu já pensei num beco mais underground, quente, com diversidade de pessoas, várias referências estéticas, intervenções, animais e qualquer coisa que a minha cabeça sugerisse na hora.

La Idea – Ilustração Original

E assim surgiu esse beco. Passagem de pessoas e mercadorias, com cartazes e adesivos colados, pixações, graffitis, personagens icônicos que vivenciam o dia a dia daquele espaço, tributos a atrações locais, ervas e temperos pendurados, gente mascarada preparando e servindo infusões, animais exóticos vivendo… Toda uma cena que rodeia o chá.


Obrigado pela confiança Sanches, curti muito o chá e a experiência de ter feito parte desse processo.

Você pode encontrar os produtos clicando AQUI ou AQUI.

Aquecendo os dedos com doodles

Uma forma de exercitar um pouco a criatividade é criando personagens aleatórios a partir de formas aleatórias. Eu pedi pra minha companheira desenhar formas numa página virtual, e a ideia era criar rostos com essas formas. É uma atividade bem divertida, que te ajuda a fugir do bloqueio criativo.

Nenhuma atividade é sem sentido. Eu gosto de usar essa técnica pra testar cores, efeitos, pra aquecer os dedos e os punhos, pra fugir do bloqueio criativo e pra me divertir também, porque não? Imaginar é uma ótima maneira de construir algo, e as diversas artes nos possibilitam materializar o que está em nossas mentes.
Segue abaixo time-lapse da atividade.

Guaxipunx por Abya Yala de volta em Pré-venda

Roba Y Comparte, o grupo de Fölk, Kümbia, Krüst formado por Guaxicrusties está de volta em pré-venda. Agora em modelo todo preto também.
A Pré-venda será até o dia 15/08, com previsão de entrega para Setembro. A primeira pré-venda feita em março se esgotou rapidamente, e agora é provável que eu não faça tantas unidades extras como na primeira vez.
ACESSE O SITE CLICANDO AQUI PARA RESERVAR A SUA

Serigrafia – Brinque com sua fera

Em 2023 eu fui selecionado, mais uma vez, pra participar da troca de gravuras denominada Escambo Gráfico. É uma iniciativa que o Vitor Pedroso (aka Piruá) e a Ludmila Siviero, de Araraquara, organizam anualmente. Eles fazem uma seleção “por ordem de chegada”, separam as inscrições em diversos grupos, recebem as cópias das gravuras de cada participante, criam as pastinhas de cada grupo, e reenviam para cada participante o combo de gravuras de gente do mundo todo. Mó trampo. Mas é com muita satisfação e orgulho que eu digo que gosto de participar destas trocas, conhecer novxs artistas, novas formas e técnicas de gravar e de imprimir, ver novos estilos, novas temáticas, é muita riqueza envolvida em todo esse processo. O Escambo surgiu durante a pandemia e tem produzido ótimos resultados em compartilhar ideias, técnicas e colocar pra circular conhecimentos. Só tenho a agradecer pela existência dele.

Para este ano, eu tive a ideia de criar uma serigrafia de 4 cores em um processo completamente analógico. Desde a pesquisa de referências, de temáticas, até a gravação e a impressão. A pesquisa imagética foi feita exclusivamente a partir de livros. Os esboços foram feitos a lápis em papel, todo o acabamento do desenho foi feito com caneta nanquim. Os vegetais para gravação das telas foram preparados com caneta Posca e mesa de luz. As telas foram gravadas com emulsão pré-sensibilizada (Agabê Unifilm-WR) em poliéster amarelo, 90 fios. Foram utilizadas tintas a base de água Gênesis Grafcryl e a impressão foi feita em papel Vergê Plus, 220g, cor Ônix. Essas últimas informações foram essenciais para se pensar no que é surpresa em um processo de impressão artesanal.

O esboço foi feito em um papel branco utilizando nanquim preto. Já a impressão foi feita em papel preto e o desafio maior foi pensar em como ficariam as cores na impressão, já que eu não usei nenhum tipo de recurso digital para fazer esse teste antes. Todas as sombras, luzes e detalhes foram somente imaginados em como poderiam resultar ou funcionar. Foi um verdadeiro achômetro, ainda mais partindo de alguém que é daltônico. Muita ousadia de minha parte. O resultado foi esse, um caos de linhas, ora luzes, ora sombras, ora pinturas corporais. Uma cena, talvez noturna ou aquática, de duas crianças indígenas brincando com sua fera, enquanto esta utiliza uma máscara de dragão e se emaranha com as sutilezas das crianças.

Não aprisionar, não maltratar, não ter medo. Brinque com a fera.
Esta gravura está disponível para venda clicando aqui.

O Escambo Gráfico é um projeto cuja participação é 100% gratuita. Porém, possui custos elevados de logística. Todos os participantes que podem, doam alguma quantia de qualquer valor para ajudar nos gastos, mas ainda assim há muitos artistas que não podem doar. Se você quer ajudar o projeto, compre a gravura na minha loja virtual que eu repasso parte do valor da venda para ajudar o projeto, ou faça uma doação de PIX de qualquer valor para a chave graficoescambo@gmail.com
Obrigado.

Brinque com a Fera – Serigrafia em papel Vergê Plus 220g – Tiragem: 48 cópias – La Idea 2023
Veja o processo de produção neste vídeo

Transfluência

O trabalho de pesquisa e produção de arte perpassa algumas atividades que precisam nos afetar de alguma maneira, mexer com o sensível, uma faísca que será o disparador de algo mais forte. Eu tive isso enquanto lia “Mobilidade Antirracista”, obra organizada por Daniel Santini, Paíque Santarém e Rafaela Albergaria e que foi publicada pela Autonomia Literária e pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2021. O livro todo, em si, é um espetáculo de ativismo pela mobilidade universal e acessível, mas um capítulo me tocou de maneira mais forte: Capítulo 4.1 – Entrevista com Nego Bispo.

Sobre Nego Bispo e as formas de resistência

Logo no início da entrevista, Nego Bispo se apresenta. Eu não sabia nada sobre ele. Nasceu em uma comunidade onde a linguagem escrita não exista, somente a oralidade, e pela facilidade com que ele apropriou-se das diferentes linguagens ao ingressar na escola, foi escolhido para ser tradutor da linguagem escrita para a linguagem oral, evitando, assim, que a comunidade fosse “passada pra trás” nos contratos com o colonizador. Assim, foi forçado a compreender o pensamento colonialista para se defender dos ataques, e compreender o pensamentos dos seus iguais para fortalecer o campo de defesa. Nego Bispo diz que sua vida está na fronteira do pensamento, lidando com as escrituras e com a oralidade o tempo todo.
Nego Bispo usa muitas analogias para fazer uma relação em como os animais são ou podem ser domesticados, e a forma bruta e violenta com que os colonos tentavam domesticar seus escravos. Enquanto pessoas negras transitavam nos mares nos fundos de caravelas, sendo sujeitos à vários tipos de torturas e desumanidades, outro tipo de deslocamento não previsto pelos colonos também exercia sua força: transfluência.
Transfluência é um conceito desenvolvido por Nego Bispo para tratar sobre as relações cósmicas que carregam, simultaneamente ao transporte físico nos navios negreiros, uma memória ancestral. Povos negros que chegavam no continente se comunicavam com povos indígenas (que possuíam cosmologias parecidas) para resgatar esses saberes e dar início ao processo de resistência contra a colonização.

O que houve com Palmares e todos os Quilombos foi exatamente essa relação de transfluência.
Mesmo os quilombos que não se visitavam fisicamente transfluíam através da cosmologia.
A relação com o mar, com o vento, as estrelas, as plantas.

Nego Bispo, página 211

A questão que Nego Bispo coloca é a forma de saberes que foi desenvolvida tanto do lado de cá do Atlântico, quanto do lado de lá. Como esses conhecimentos eram compartilhados, desde muito antes das navegações acontecerem. “Como era possível a comunicação do Rio São Francisco com o Rio Nilo, se tem um oceano no meio?”

Pelos Rios do Céu, pelas nuvens, pela evaporação.
A imagem que mais me convence sobre a transfluência é esse movimento das águas doces, pois elas evaporam aqui no Brasil e vão chover na África transfluindo pelo oceano sem precisar passar por ele.
Dessa forma que a nossa memória ancestral está aqui, ela vem pelo cosmos.
Esta é, de ponto de vista cósmico e físico, a imagem que tenho da transfluência.

Nego Bispo – página 213

Pensando, refletindo e gravando

Depois de muito tempo sem produzir algo significativo derivado de alguma pesquisa mais intensa, finalmente apresento minha última produção em gravura denominada TRANSFLUÊNCIA.
Esse conceito colocado à mesa por Nego Bispo chegou a mim em um momento de baixíssima criatividade de minha parte. Estava envolvido com outros tipos de trabalho, sobretudo não artísticos, e ter lido esse capítulo reacendeu em minha mente uma chama que parecia estar quase apagada. As palavras de Nego Bispo ressoaram na minha cabeça, enquanto pensava o que poderia fazer com um termo tão potente.
Meus esboços inicias começaram bem objetivos, funcionou quase que como uma nuvem de palavras, um brainstorming do óbvio. Cabeça, mente, chuva, rios, pensamento, ser humano, ciclo. E logo comecei a expandir um pouco essa ideia de comunicação.
Nego Bispo coloca a evaporação e a precipitação como uma analogia dos saberes que são compartilhados nas duas margens do Oceano Atlântico. Minha ideia foi ir um pouco além.
E se todos os conhecimentos forem compartilhados/transmitidos/ensinados através dos mais diversos fenômenos naturais, climáticos e geológicos?
E se a gênese dos saberes está todo na concepção de mundo, e os povos precisassem de todos os elementos do planeta para compreenderem a si e ao outro?

E se as formas de organização, luta e resistência fossem auxiliadas e indicadas por todos esses fenômenos?
Essas indagações que faço a partir da leitura de transfluência talvez sejam o comum, se pensarmos a partir de cosmovisões tradicionais, mas pra mim foi um ponto de partida para pensar uma concepção de mundo bem diferente. Começar a expandir um pensamento, uma ideia, a partir deste conceito colocado por Nego Bispo me possibilitou retornar a criar, pensar em uma imagem que pudesse traduzir um pouco minhas pesquisas e reflexões.
O esboço foi feito de maneira digital; a matriz foi gravada manualmente numa placa de microduro (~linóleo); as impressões foram feitas manualmente com tinta preta em papel de arroz (industrial e artesanal); o tamanho gira em torno de um A2.
Essa gravura será lançada na Feira MOTIM, dias 6 e 7/05, em Brasília. Depois desta data poderá ser adquirida pela loja virtual.


Processo completo, do esboço à impressão final

Pintando aquarelas a partir de fotografias com muita luz e sombra bem marcada

Pintar com tintas aquarelas é algo que eu ainda tenho dificuldades. Exige-se compreender os efeitos e transparências, trabalhar com quantidades distintas de água, ora com precisão, ora sem, mas exige-se, principalmente, muita paciência. Eu admito que demorou bastante até que eu conseguisse essa façanha de aguardar que a tinta se seque pra fazer mais camadas de cor. Demorou para que eu entendesse que tinta sobre papel seco e tinta sobre papel molhado também criam resultados distintos. Antes deu saber disso, eu pintava com a tinta muito concentrada direto no papel seco, como se fosse uma acrílica. E é óbvio que eu sempre acabava perdendo o ponto de diluição ou de passagem tonal. No final das contas, ficava tudo muito marcado pelo exagero e por grandes contrastes de cor. Não que isso seja ruim, mas acho que não era o resultado que eu buscava.

Foi vendo amigos aquarelistas pintando que eu fui compreendendo várias coisas que poderia fazer diferente, novas técnicas que eu poderia utilizar, e percebendo que a paciência realmente é necessária para alcançar alguns resultados. Artistas como Daniel de Carvalho e Prisca Paes me ensinaram bastante coisa em uma conversa que tiveram em uma Live no Instagram durante a pandemia. Curiosamente, ambos são formados em serigrafia (que é uma das minhas especialidades) mas se dedicam à pintura em aquarela, e ambos já trabalharam comigo aqui na serigrafia. Foi essa conversa e alguns vídeos que eu vi do processo de produção deles é que me fizeram mudar muito meu estilo de pintura, a buscar mais essa paciência de esperar cada processo se completar, de aguardar a secagem, de saber quando e como utilizar água. E é impressionante como que eu acho que deu certo.

Observando “Fotografias de Rua”

Uma das minhas paixões recentes é essa categoria de fotos conhecidas como “Fotografias de Rua” (Street Photography). Esse tipo de fotos eu já curtia, porém não sabia que havia essa categoria específica. São fotos que registram momentos nas ruas, sobretudo de pessoas interagindo com o ambiente urbano de alguma forma. Dentre as que mais me chamam atenção posso destacar aqui, sem sobra de dúvidas, fotos em que se sente o calor vindo do sol, cuja superfície vertical ao fundo fica evidente e a sombra dos objetos sempre muito marcada. Esse estilo tem me chamado atenção, o que me despertou interesse, inclusive, em sair para fotografar esses momentos dessa maneira. Ainda não consegui fazer isso, mas já tracei como metas em dias ensolarados.

Utilizando essa ideia, essa foi a primeira pintura que fiz. A sombra da luminária projetada distorcida na parede, a sombra do sujeito marcada no piso, um ambiente caloroso com um sol forte vindo de frente, amanhecer ou entardecer? Não sabemos. O sujeito caminha em direção ao sol, cabisbaixo.
A parede foi feita com tinta em papel molhado e o chão foi feito com manchas transparentes sobrepostas. Os elementos mais definidos foram feitos com camadas sobrepostas para dar forma, luz e sombra.

A segunda pintura que fiz utilizando essa mesma ideia, representa uma mulher caminhando em frente a um portão de grades. O portão foi isolado com máscara, e toda a parede surge como um elemento mais fresco ao olhar, se contrapondo à mulher que se protege do sol forte com uma sombrinha, óculos escuros, roupas leves. A sombra bem marcada no chão indica um sol a pino, próximo de meio dia na região entre Trópicos.

Nesta outra pintura, o sol vem de lado, forte e intenso, em um fim de tarde ou início da manhã de uma cidade qualquer. O semáforo, aberto para pedestres, também sofre interferência da luz solar. A sombra esticada indica o sol próximo à linha do horizonte, provavelmente entre o Ártico e o Trópico, o asfalto traz uma sensação mais fresca à imagem. O ciclista, sujeito da foto, pedala tangencialmente aos raios de luz, provavelmente fazendo um percurso norte-sul (ou vice versa). É uma imagem que traz consigo algo de paz e tranquilidade, um momento suave e pleno, sem o caos do horário de pico dos grandes centros urbanos. O efeito no asfalto foi produzido com tinta bem molhada e sal grosso, para fornecer uma textura mais rugosa. A sombra, que infelizmente eu escureci mais do que deveria, foi feita apenas com aquarela líquida diluída (ou mal diluída, rs).

Esta última pintura que analisarei talvez tenha sido a que menos curti o resultado. Nesta, a ideia do tempo passando enquanto o sujeito espera algo fica bem evidente. O sujeito está tranquilo apesar do sol direto de meio de tarde. Um período de relaxamento e contemplação do ato de esperar algo (um ônibus, uma companhia?). Uma das questões aqui foi tentar trabalhar a sombra bem marcada em níveis diferentes de paredes. O que me incomodou foi o alto contraste do toldo e da vidraça da porta que está a direita. Sem querer eu errei a mão na diluição e acabou ficando muito marcado, fugindo um pouco da estética que eu usei no restante da pintura. O céu foi feito também com tinta muito molhada e sal grosso, e o rejunte dos tijolos foi feito com máscara vencida.

Enfim, fazer esse tipo de estudo tem me agradado muito, inclusive muitas das minhas pesquisas visuais no Pinterest e no Reddit acabam indo um pouco por esse estilo de fotografias. Buscar o sol, a sombra, sujeitos e o ambiente urbano me permitem sonhar um pouco mais com o artista aquarelista fotógrafo que crio em mim.
Até já.