[xilogravura] Andina

O ano era 2014. Havia pouco tempo que eu havia ingressado, a partir do processo de transferência, ao curso de Artes Visuais da UFMG. Eu andava bem frenético no que referia à produção artística. Em 2012 havíamos vivenciado um cotidiano fronteiriço em Ciudad Juárez, México, e minha energia produtiva andava bem aquecida e estimulada por esta riquíssima experiência.
Eu conheci a linoleogravura enquanto estudante de Artes Visuales, no Taller de Grabado que eu frequentava em Cd. Juárez. Foi amor à primeira vista. No México, o acesso a materiais de gravura, matrizes, ferramentas e referências é muito mais amplo que aqui no Brasil. Inclusive, as ferramentas que comprei lá, e que eram as mais baratas, são as mesmas que uso até hoje.
São técnicas beeeem populares, pois existiram (e ainda existem) várias gráficas populares na região. No Brasil, a gráfica ficou restrita por muito tempo apenas à família real, e as ideias não circulavam tanto quanto na parte do continente colonizada pelos hispânicos (Mas essa história do desenvolvimento e popularização da gráfica talvez seja uma pesquisa para outra postagem).
Na minha tentativa de desenvolver mais a técnica, passava boa parte do meu tempo pesquisando artistas, processos, técnicas e temáticas. Que eu incorporei a cultura da região do México na minha produção não é novidade para ninguém. Basta ver meu portfolio que essa temática fica escancarada. Mas algo que eu incorporei foi esse amor ao processo gráfico artesanal, de pensar, refletir, produzir, e trazer ao público minha produção de maneira acessível.
Por isso me recuso a vender gravuras por valores irreais às condições econômicas de pessoas comuns, ainda que algumas tenham valor mais elevado, mas isso se deve, muito, aos materiais que aqui nos custam muito caros. Não gosto de fechar e limitar edições de gravuras cujas matrizes ainda podem ser reproduzidas, e sempre tento levar meu trabalho para outros suportes, como lambe-lambe e camisetas. Assim, garanto uma forma de acessibilidade visual que foge à lógica de galerias, por exemplo.


Os esboços em meus caderninhos são algo que eu curto fazer enquanto processo produtivo. Acho que é a forma mais sincera de se começar algo. Me lembro bem que eu treinava desenhos a partir de fotografias de pessoas, e eu curtia muito trabalhar os tecidos que apareciam. Gostava de observar e de representá-los de alguma maneira gráfica.

Não sei exatamente como essa fotografia surgiu na minha vida. Mas várias coisas me chamam atenção nela. A quantidade de pano, com muitas tonalidades e texturas; o olhar da mulher; o olhar da criança; a paisagem. É uma fotografia interessante aos meus olhos em vários aspectos. Até porque, nesta época, os temas que envolviam maternidade, mulheres e crianças em processos históricos (sobretudo de lutas) era algo que me chamava muita atenção.
Não pude perder a chance de praticar desenhos e logo abri meu bloquinho A5 para esboçar alguma coisa. As tramas do pano foram algo que me trouxeram a ideia de transformar a imagem em uma xilogravura. Várias linhas paralelas, de diferentes espaçamentos e espessuras, ditavam o ritmo. Essa textura parecia maravilhosa para um gravador iniciante.
O processo foi relativamente simples. Digitalizei a página do bloquinho, ampliei para um formato A3, imprimi. Na folha impressa, trabalhei com marcadores a base de álcool na cor preta, para criar os preenchimentos, volumes, vazios. Criei de forma manual uma imagem com linhas e formais mais rígidas, já pensando em uma estética própria da xilogravura. Após todas as marcações em preto estarem prontas, fiz uma cópia em impressora de toner, e fiz uma transferência pra placa de compensado de pau-marfim com thinner e prensa.
Daí, foi só começar o processo de gravação. Utilizei, majoritariamente, goiva faca para todas as bordas, e goiva em V muuuuito afiada pra fazer os detalhezinhos da textura do pano.
Foram algumas semanas gravando, mas acho que valeu a pena.

Após um longo processo de gravação e de testes, acho que fiquei satisfeito com a matriz que eu havia gravado. Precisava de um papel que estivesse à altura, que fosse tão delicado quanto à suavidade e serenidade da imagem. Optei por um papel de arroz tão fino, que praticamente não aparecia. Dava a impressão de que a impressão ríspida flutuava no ar. A impressão foi feita completamente com colher de pau, sem a utilização de prensa, com todo cuidado para que o papel não rasgasse por conta de sua espessura. Processo delicado, trabalhoso, mas que me trazia muita satisfação.
Logo abaixo seguem os resultados.

A única questão sobre esta gravura, é que eu acabei fazendo poucas cópias dela. Em 2015 ou 2016, não me lembro, houve uma infestação de ratos lá em casa. Eu tinha uma gaveta onde guardava todas as matrizes, bem como algumas impressões e revistas. Quando abri a gaveta, havia fezes e urina de ratos para tudo quanto é lado, tudo estava roído e/ou descascado. Eu preferi não arriscar. Coloquei luvas, juntei tudo em um saco de lixo e descartei. Perdi muitas coisas nesse processo, mas o que foi feito, pelo menos, tem fotos…