[xilogravura] Propaga Tus Ideas

Essa é uma gravura produzida, provavelmente, nos idos de 2018. Eu já estava com o antigo atelier no bairro Aparecida, ainda em suas primeiras semanas de atividades. Eu gostava bastante de experimentar novas formas de desenvolver gravuras. E esse daí foi um experimento que deu muito certo.

Na minha pesquisa por imagens, encontrei esta fotografia de Jamel Shabazz. Esse tipo de fotografia que marca uma época de desenvolvimento e efervescência de várias movimentações underground, ligadas à subculturas é algo que me agrada muito. Martha Cooper e Jamel Shabazz são fotógrafos que registraram toda uma cena que envolvia os 4 elementos: RaP (Ritmo e Poesia), Graffiti (intervenções visuais), Break Dance (danças de rua), DJ´s/MC´s (quem domina os scratchs e os samplers/quem domina a rima).
E eu costumo buscar referências nessas fotografias pra desenvolver algum trabalho, ou treinar alguma técnica.

Essa imagem é interessante. Um homem com seu boombox, olha pra câmera e faz um aceno de quem tá curtindo muito. Eu recortei a figura em primeiro plano, fiz uma cópia em toner, e fiz uma transferência prum compensado de pau-marfim, que eu costumo usar para as xilogravuras.
Depois quadriculei toda a madeira em espaços de 1×1 cm e tudo que veio depois foram intervenções manuais, com marcadores. Fiz os raios saindo do fundo pra dar uma noção de profundidade, e fiz as letras de forma manual, tentando manter um padrão de escrita.

Depois passei a brincar um pouco com os contrastes, sobretudo nas letras. Ora espaço, ora preenchimento, me diverti enquanto cavucava cada detalhe. Na impressão, o efeito me lembrou um painel luminoso, que ora acendia uma letra, ora outra.
Nesta matriz eu também usei uma micro retífica que eu comprei da China, mas ela era muito vagabunda e mais amassava a madeira que retirava matéria. Acabei desistindo de usar.
No fundo, optei for fazer linhas verticais com a goiva em V, dando uma sensação de passagem tonal pra quem observa.

Propaga Tua Ideas” pode ser traduzido, literalmente, como “Propague Suas Ideias” e foi uma proposta que eu achei que tinha a ver com meus ideais e com a sensação que a foto me transmitia. A Boombox, com seus alto-falantes, consegue fazer soar muitas ondas sonoras, que buscam a captação de ouvidos pelo caminho. Essas ondas podem ser batidas ritmadas, podem ser poesia, e podem ser palavras de protesto. A música sempre foi uma ferramenta interessante para divulgar ideias e agregar mais pessoas nas redes de ação e solidariedade. Elas nos trazem uma sensação de pertencimento e de voz ativa. Uma identificação com algo que está sendo proposto. Além do mais, ouvir música é muito bom. Junta o útil ao agradável.

Primeiros testes de impressão

É uma gravura que eu, particularmente, curto muito. Com certeza não é a favorita da galera que costuma comprar algo da minha produção. Mas ela me traz algo de “Aproveita as ferramentas que estão disponíveis e diga pro mundo a importância do que você tem em mente. Foda-se o estilo, foda-se a estética, foda-se o consumo. Somos tudo e somos nada. Só sei que coletivamente chegaremos em algum lugar!“. Ou talvez algo assim.

A parte mais legal de escrever sobre um trabalho, é relembrar como ele foi desenvolvido. Eu vejo fotografias da época, e vários momentos retornam à memória, não apenas da produção, mas do contexto em que eu estava. Sobretudo nessa época eu já estava em um movimento de repensar algumas ações, algumas teorias e alguns métodos sobre o caminho em que estava traçando. Ainda que, provavelmente, aquele caminho planejado tenha se alterado no decorrer de todos esses anos, acho que hoje me encontro num lugar interessante por conta dessas reflexões e decisões do passado.
Enfim, por hoje é isso.
Me digam depois o que acham.
Abraço.

Pela ferrovia subterrânea

O primeiro livro que li em 2021 foi o “Underground Railroad – Caminhos para a liberdade” do escritor estadunidense Colson Whitehead. Que livro cares leitores, que livro!

Foi impossível parar de ler. Li de uma maneira frenética, adentrando todo esse universo e não consegui parar de ler nem quando o livro terminou. Fui ler o livro extra que a TAG manda, bem como pesquisei sobre o autor.

Não sou crítico literário, então vou escrever o que quero escrever sobre minha leitura aqui. Não espere uma crítica profunda, cheia de relações históricas, análises de personagens e essa coisa toda. Quis escrever sobre esse livro por conta das analogias com o anarquismo que eu encontrei nesse livro.

O anarquismo é uma ideia e um movimento. Age por debaixo dos panos, nas vielas, nos becos, no submundo, nas entrelinhas, na literatura, na ação, na coletividade. A Ferrovia Subterrânea me trouxe muito dessas ideias. Uma rede construída por várias mãos e mentes anônimas, para fazer com que negros consigam sua alforria na fuga para estados não-escravistas. Soa como o anarquismo e toda sua “ilegalidade” na busca pela liberdade e pela autonomia. Existem pessoas dispostas a ajudar e, no final, todos se ajudam por um bem maior. No final, no processo, no começo.

A ideia surge, é compartilhada. E quem são os que ousam buscar os caminhos que chegariam lá?

A Ferrovia são as redes. O Trem são as ideias. O Destino é a liberdade.

“A ferrovia subterrânea é maior do que seus operadores. É todos vocês também. Os pequenos aguilhões, os troncos principais, temos as mais novas locomotivas e os motores mais obsoletos, e tem um carro movidos a manivela como aquele. Ela vai a toda parte, há lugares que conhecemos e a lugares que não conhecemos. Temos esse túnel bem aqui, correndo embaixo de nós, e ninguém sabe pra onde ele leva.”

Não lembro a página

Várias pessoas em várias lugares diferentes, construindo a Ferrovia, sem saber exatamente onde chegariam, mas com a certeza que conseguiriam a liberdade. Ideias circulando, redes se articulando. O anarquismo é muito maior que as pessoas. Não pode ser morto, nem acabado. É um conjunto de ideias e ações, experiências e compartilhamentos.

A Liberdade é um conceito diferente para cada ser. Bem como autonomia. Basta compreender o significado dessas palavras e você terá chegado no seu destino? E o que basta saber para que todos chegássemos aos nossos destinos?

A Ferrovia Subterrânea para mim foi uma analogia às redes de contrainformação dos “de baixo”. Não consegui desvincular desta ideia em nenhum momento do livro.

Nostalgia em meio ao distanciamento social

Em meio a vídeos de asiáticos construindo casas de madeira com piscinas, recordes de dominós derrubados em sequência e que formam desenhos, trens em miniatura rodando por trilhos em toda a casa e vídeos impressionantes de pessoas descendo toboáguas ao redor do mundo, há coisas mais interessantes que merecem espaço na minha memória. Não estou falando dos vídeos impressionantes do tsunami de 2011 no Japão, ou dos vídeos informativos do Meteoro ou do Greg News, e, na real, nem tem a ver com vídeos de YouTube. A real é que eu fui um jovem que, como muitos nascidos no final dos anos 80, cresceu antes do mundo virtual, e isso foi muito massa.

Ontem estava conversando com minha esposa e com uma amiga, e ficamos lembrando, um pouco, como era na nossa época de jovens, onde circulamos em show de punk e hardcore no início dos anos 2000. Tivemos realidades bem diferentes, pois as criações sempre mudam dependendo dos pais, do local em que vivemos e dos nossos interesses. E aqui eu vou escrever sobre as minhas experiências.

Quando jovem, eu passava boa parte do meu tempo no final de semana andando de skate, bebendo bebida barata (famoso tubão) e indo em portas de show de punk e hardcore. Sim, eu ia na porta dos shows, raramente entrava, pois nem sempre eu tinha dinheiro o suficiente para pagar por um ingresso. Falando assim parece bobo, mas essas portas de eventos me proporcionaram grandes amizades, ótimos momentos ao lado de amigos e foi onde conheci muitas ideias e bandas novas. Os eventos, ou shows/gigs, eram importantíssimos na época para a gente conhecer bandas e ideias. Eu conhecia muitas bandas vendo as camisas que as pessoas usavam, trocávamos fitas k7, cd’s, e muita informação vinha através de zines. E vários amigos que fiz na época me ensinaram a fazer uma “intera” para pagar ingresso de algum evento.

Acho que foi importantíssimo para a nossa formação frequentar diferentes eventos, entrando ou se mantendo na porta, porque a informação sempre circulava. Os zines e as camisas de bandas eram diferentes se você ia no Dias de Caos, na União Punk dos Becos das Favelas de Santa Luzia, num show grande no Lapa Multishow que vinha bandas de fora do estado e/ou do país, algum evento no Matriz, um Goró Punk, ou um evento em alguma pista de skate. Circulavam pessoas diferentes, e era massa, porque, apesar das tretas que rolavam, eu sentia muita união entre todo mundo. Frequentei eventos de anarquistas, punks, hardcores, rap, metal, bandas mais melódicas, bandas locais, e sempre encontrava com alguém conhecido. A quantidade de pessoas que conheci sentado na porta ou no meio do Mosh, enquanto rolava um cumprimento após cada música da banda que estava tocando, são memórias que seguem ricas até hoje.

Ainda que eu entenda a falta de maturidade que eu tinha para lidar com as ideias e com as informações, reconheço que foi um período em que tudo circulava nesse submundo. Os zines eram feitos de maneira bem caseira, bem artesanal, os k7 também eram gravados de discos e cd’s e assim eram colocados para circular, e a cópia foi uma ferramente de disseminação de ideias. Pensando bem, talvez por isso eu goste tanto de gravura, de reproduzir minha matriz. Está comigo desde muitos anos.

Repensar a importância desta época tornou-se fundamental para pensar em algumas questões contemporâneas. Hoje os eventos são poucos e estão bem vazios, com pouco público. As informações não circulam impressas, e o profissionalismo faz com que muitos optem pela venda de zines e publicações do underground. Conhecer pessoas e músicas se tornaram tarefas puramente virtuais, e muitas das relações acontecem apenas aí. As ideias hoje circulam mais rápido, e temos acesso a muito coisa que é produzida nos quatro cantos do mundo, inclusive o que produzimos consegue chegar mais rápido a todos esses lugares. Mas as relações humanas físicas e presenciais seguem diminuindo, e acho que isso é uma tendência mundial com toda essa tecnologia da internet mantendo todos dependentes de aplicativos todo o tempo.

Lembro disso tudo, pois foi uma época muito boa. A maioria das músicas que eu escuto hoje são de bandas que conheci nessa época, e muitas das letras das músicas me formaram como pessoa. E sou muito agradecido por isso. Aos amigos da época, que hoje se dividem em conhecidos, grandes amigos e família, deixo aqui meu profundo agradecimento por fazerem parte da época, a tornaram tempos inesquecíveis.

É uma pena perceber essa queda do movimento, sobretudo já há alguns anos, mas feliz por saber que muita gente foi marcada por experiências como as minhas.