Revisitando obras antigas mais uma vez

Me lembro de um dia, por volta de 2012, em que eu tinha um pedaço de papel preto e tinta nanquim colorida. Queria fazer alguma coisa que desse um contraste no fundo preto, algo tão iluminado que me fizesse compreender aquilo ali como algo especial e não como uma prática qualquer.
Talvez fosse tarde demais para que eu pudesse compreender que o processo de produzir arte não tem um ponto final, muito menos um ponto inicial. Talvez por isso fosse chamado de processo. É algo que é desenvolvido no fluxo de ideias e de pr´áticas, e que pode ou não ter um desfecho. Muitas vezes o desfecho é justamente começar outro projeto a partir de reflexões no decorrer do processo. Algo como a construção de algo a partir do que já existe, desenvolver ideias e conceitos utilizando o passado ou o presente (ou as ruínas do velho) como ponto de partida.
Tudo pode ser melhorado ou piorado, pode agradar ou desagradar, pode gerar uma reflexão profunda ou um mero desdém. Pode afetar e ser afetado. O universo artístico tem muito disso de lidar com a sensibilidade do observador, que nem sempre é um mero espectador, mas pode atuar junto de determinada obra, como se fosse uma intervenção eterna.
Talvez a busca por um desfecho perfeito de fato não exista. Ela não termina quando colocamos um ponto final. Nós que produzimos, finalizamos nossas obras com vírgulas, ponto-vírgulas ou reticências. Nós significamos algo em nossa produção que pode ter outros significados a depender de quem vê, de todo um contexto, e talvez nem tenha significados para muitos. Então porque buscar o ideal individual, se a produção só faz sentido se compartilhada, só serve como potência se sai de nossos espaços de trabalho, de nossas reflexões, de nossos cadernos.
Escutando música me sinto conectado com quem canta, com quem toca. Isso me afeta de forma muito profunda. Muitas das minhas produções são em diálogos com as músicas que escuto. Nem sempre concordo, nem sempre discordo. Mas isso me tira do lugar de inércia e me faz refletir sobre várias das questões que permeiam a minha existência. Nós que buscamos sempre as mesmas referências para produzir, não estamos colocando quem somos, não estamos nos abrindo. Nos fechamos em nossa bolha estética/ideológica. Quando nos abrimos à novas experiências, ao diferente, nós comunicamos com algo que conhecemos, ainda que em outros níveis, e com o que desconhecemos. Por isso que gosto de produzir arte, me faz pensar, planejar, refletir, agir. Me faz perder um pouco do medo que tenho em conhecer quem sou de verdade.
Parece um disco arranhado quando escrevo sobre isso, mas o processo é cheio de falhas, linhas tortas, erros, tentativas mal sucedidas e frustrações. Talvez a perfeição que buscamos nos impede de compreender o processo como algo belo, como algo natural e saudável.
Por uma sanidade produtiva livre de julgamento morais. Por uma arte que transpasse a superfície do óbvio. Por uma produção que não seja covarde.

Porque continuar a viver sob moldes de santos e heróis?
Somos desgraçados seres condenados à morte. Pedaços de carne que pensam e sentem prazer.
O melhor a fazer é encarar nossos medos.
O melhor a fazer é encarar que vitoriosos estão longe demais.
A perfeição é um instrumento de tortura.
Negamos nossa humanidade acreditando que é possível não errar, não sofrer, não sangrar.
Quebre os túmulos de seres vivos. Fale sobre seus sentimentos, sobre sentimentos reais.
Cada um traz dentro de si um inferno. Lâmina fria, em sua carne. A imagem na escuridão.
Criados sob o signo do medo e autocondenação.
Criamos a pureza para ter o que buscar por toda nossa existência.
Algo para temer (pecado, castigo, aberração, diferença).

Colligere – Fuga do Vale das Lágrimas
Desenho de 2012 – bico de pena e nanquim sobre papel preto

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La Idea

um gravador, que faz gravuras; um bicicleteiro que anda de bicicleta; um rugbr que joga rugby.

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