Lapsos de Tempo #3

Para cima ou para baixo

– Papai, porque as casas ficam umas em cima das outras?
– Como assim filho?
– Eu olho pela janela, e vejo esse amontoado de casas, uma em cima das outras. Porque elas são assim? Porque os prédios são tão altos?
– Filho, os seres humanos possuem duas formas de interagir com o mundo. Elas são interligadas, uma só existe por causa da outra. Uma tem a ver com a destruição, outra com a construção.
– Não entendi…
– Calma que irei te explicar.

– Já fazem muitos e muitos anos que as pessoas decidiram que gostariam de viver umas perto das outras em espaços de terra que chamaram cidades. Nós hoje vivemos em uma cidade considerada grande. Porém, a cidade não pode existir sem que tenha alguma estrutura que a construa, que abrigue as pessoas, que possa funcionar de alguma maneira. Portanto, dois fenômenos não naturais são muito praticados, e de uma maneira que é bem forte se pararmos para pensar sobre isso.
O primeiro deles diz respeito à construção. As cidades ocupam pequenos pedaços de terra que precisam abrigar um número enorme de pessoas. Portanto, essas pessoas decidiram que queriam subir cada vez mais alto, para caber mais e mais pessoas. Os prédios possuem cada vez mais andares, alcançando alturas inimagináveis. As casas começaram a subir os morros, a ter mais andares pra comportar mais famílias, e ninguém considera o impacto dessa concentração populacional em lugares que já não suportam mais pessoas. As bordas dos rios, córregos e ribeirões já estão tomados por concreto e suas águas já são puro dejetos.
Tudo isso também vem acompanhado de uma produção de bens móveis que são consumidos e descartados aos montes. São coisas essenciais e não-essenciais que fazem parte da vida citadina, mantém o comércio aquecido e a economia girando, geram prazer, deleite, ajudam no social e no profissional. Tudo isto que consumimos hoje são essas coisas que logo serão descartadas. Inclusive alimentos, roupas e itens de higiene pessoal.
O segundo fenômeno é o da destruição. Tudo isso que precisa ser construído sai de algum lugar. Os seres humanos decidiram que era uma ótima ideia criarmos crateras gigantes, de onde pudéssemos extrair de forma predatória todos os recursos do planeta terra, para construirmos mais e mais abrigos, mais e mais itens de consumo essenciais e não-essenciais para a vida no espaço urbano. Acabamos dependendo de tudo isso, da destruição do solo, das matas, dos rios, dos recursos terrenos que são nossa sobrevivência.

– Mas, papai, se precisamos disso para construir abrigos e alimentos, é porque é necessário, não?
– Filho, aqui nós precisamos pensar de uma maneira mais profunda. Nós estamos destruindo o solo e a superfície, esgotando todos nossos recursos para chegar cada vez mais alto com nossos estilos de vida.
Pensa em uma analogia que pode ser interessante: Enquanto construímos nossas casas e abrigos cada vez mais perto do céu, nos aproximamos do inferno a cada vez que destruímos a terra para explorar de maneira predatória seus recursos. O meio termo seria um estilo de vida mais equilibrado, que não fosse tão predatório e que não precisasse amontoar tanta gente num mesmo espaço de terra.
É impensável o que nos aguarda no futuro se mantivermos esse ritmo de construção e de destruição. Lembra daquele cientista que disse que nada se cria, tudo se transforma? E se tudo que passa por uma transformação fosse caminhar para algo pior? Embora hoje tenhamos algumas facilidades, ainda não se justifica o caos do porvir.

– Não sei se entendi bem, papai…
– Quer que eu tente explicar de outra forma?
– Não, você fala muita coisa que não dá pra entender. Melhor deixar pra lá…

La Idea, 2023 – Canon BF-800, Fomapan BW 100

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