Ruim demais para ser mentira #6

Doppelgänger

Quando eu era pequeno eu tinha a certeza de que em cada país existiam sempre as mesmas pessoas. Não me lembro bem se eu achava que eram exatamente os mesmos núcleos familiares, mas cada sujeito tinha sua versão em cada país. Todos eram sempre contemporâneos e eu sabia que se eu visitasse algum país, eu iria acabar encontrando a minha versão local. A única diferença era a de que existiria uma barreira intransponível da ordem do idioma.
Passei dias e noites a pensar em como seria este encontro. A lembrança que tenho é de que nos encontraríamos na rua. Eu, passeando com minha família em um lugar qualquer, veria alguém exatamente igual a mim, cruzando e me encarando com tanto estranhamento, que eu teria dúvidas sobre o que realmente estava vendo. Eu me via, eu o via ou ele me via?
Talvez nessa época eu não tenha imaginado um contato mais profundo, pois sabia das limitações do idioma. Hoje eu sei que me reconhecer em algum lugar é algo complicado, pois só conheço quem eu sou externamente através de uma imagem planificada e distorcida de mim. Já me vi em fotografia, em vídeos ou em espelhos, mas nunca me vi com meus próprios olhos.
Essa ideia de existir outros eus em cada país faz sentido para mim. Vira e mexe eu vejo ou conheço pessoas que se parecem muito entre si e que, incrivelmente, têm o mesmo nome. Conheci três Andrés em momentos diferentes, e na minha memória, eles eram muito parecidos. Da mesma forma, Annas, Jéssicas e Natálias também conheci duas de nome e aparência parecidas. Inclusive, as Natálias que conheci que eram parecidas, tinham irmãs gêmeas (porém, com outro nome). Acho que eu pensava nisso inconscientemente como um erro da Matrix, ou algo assim. No Brasil, que eu tinha noção de ser um país tão grande, não é possível que não poderiam ter mais de uma versão da mesma pessoa.
Acontece que eu nunca conheci a minha versão estrangeira. Mas vejo fotografias de pessoas e fico com muitas dúvidas se sou eu na foto ou não. Ainda hoje eu acho isso muito incrível.
***
Me lembro de perguntar pro meu pai quando eu encontraria com minha versão dos Estados Unidos. Meu pai não deve ter entendido nada. Hoje nem tenho como tirar essa dúvida, pois meu pai está presente apenas em outros planos. Mas gosto de saber que minha imaginação fértil me fazia querer pensar e perguntar sobre coisas que as pessoas não faziam a menor ideia do que se tratava. Eu criava minhas próprias teorias sobre tudo e seguia com muito afinco as teorias que eram explicadas para mim.

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La Idea

um gravador, que faz gravuras; um bicicleteiro que anda de bicicleta; um rugbr que joga rugby.

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