2022 está em seus últimos suspiros. E é impressionante a forma como esses marcos temporais nos fazem com que planejemos tudo a partir do próximo ciclo. “Em 2023 tudo será melhor” é uma frase que está latente aqui na minha cabeça. E eu tenho completa noção de que depositar esperanças em situações em que eu não tenho controle não me ajuda a pensar em possibilidades reais de melhorias.
Já fazem 2 anos que meus horários estão completamente confusos, vários trabalhos inacabados, estudos incompletos, perrengues financeiros, dor de cabeça, choros, noites mal dormidas e falta de exercícios físicos. Além da vida social que segue em isolamento involuntário, e eu não consigo sair dessa lógica.
Eu não estou mais aceitando demandas externas de novos trabalhos esse ano. Esse tipo de serviço acaba me desgastando muito, ocupando boa parte do meu tempo e meus projetos pessoais têm ficado cada vez mais esquecidos, incompletos em algum canto do meu atelier, ou perdidos no campo das ideias que não foram desenvolvidas. Minha ideia no fim de ano é concluir os projetos pendentes de terceiros, e iniciar 2023 focando na minha produção autoral, desenvolvendo minhas ideias e publicar aqui sempre que possível for. Eu tenho uma lista enorme de projetos e ideias em post-its virtuais, só esperando alguma dedicação para se tornarem realidades. Não irei cessar de prestar serviços a terceiros, mas irei selecionar melhor aqueles que se encaixam melhor na minha forma de produzir. Acho que me trará menos desgaste, menos dor de cabeça e maior realização profissional.
Também desejo retomar com as atividades físicas, voltar a pedalar com mais frequência. Isso tem feito muita falta. Entre covid’s, fadigas e falta de tempo minhas atividades em cima de uma bicicleta se reduziram drasticamente. Talvez eu precise entrar em uma academia para fortalecer músculos e articulações pra dar conta de retomar as atividades.
Retomar com as aulas de gravura aqui no meu pequeno atelier é uma possibilidade que também me agrada. Era um tempo bom de trocas de ideias e de experiências, conhecer pessoas interessantes e poder exercitar meus conhecimentos na área também. O que seria do conhecimento se ele não pudesse ser compartilhado?
Retomar meus estudos com novas mídias e explorar novas áreas também é uma ideia para o próximo ano. Em 2022 eu fiz alguns cursos online de motion, animação e outros tipos de projetos ligados às artes, com a intenção de expandir minha produção, conseguir alcançar outros lugares e possibilitar novas formas de expressão. Eu cheguei a fazer alguns estudos, mas ainda não consegui levar as coisas adiante da forma como desejo.
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É foda, começo a escrever esta postagem e me vem uma sensação horrível de abandono de sonhos. São muitos projetos inacabados, ou projetos que sequer foram iniciados por falta de tempo ou por estar sempre na busca de trabalhos externos que me fornecem um vencimento mais seguro. Dinheiro, ou a falta dele, parece se colocar sempre acima de qualquer necessidade, nos fazendo desistir de vários desejos por que precisamos pagar contas. Queria escrever uma publicação que pudesse desenvolver uma ideia do que foi 2022, e do que esperar de 2023, mas não consigo pensar em mudanças que me deixem em paz com tudo. Quase tudo depende de dinheiro, e pra ter dinheiro só o trabalho não basta. O dinheiro que entra paga boletos, mas não paga paz e nem elimina a minha preocupação da luta pelo mínimo necessário para sobreviver àquele mês. Não sobra, não rende. Parece que tudo depende disso, inclusive as mudanças que posso controlar acabam caindo nas teias do dinheiro. Estamos de mãos atadas? Fico pensando se um dia isso irá mudar, se o valor que produzimos nos dará uma vida plena, livre.
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Nesse sentido penso em todas as referências anarquistas que li, estudei e pesquisei ao longo desses anos. Nos diálogos com familiares, amigxs, companheirxs de vida e de batalha. O dinheiro não dá liberdade à ninguém, isso é um fato. O capitalismo nos prendeu nessa lógica de precisar monetizar todas as nossas atividades, isso nos trará uma sensação de produtividade, uma sensação de bem estar. Uma paz momentânea, efêmera, que será destruída a qualquer momento. Viver se tornou sinônimo de trabalhar. Nós colocamos todos nossos sonhos em uma mesma caixa de desejos profissionais: O que eu quero ser quando crescer? Ninguém me disse que eu podia escolher ser LIVRE, mas me disseram várias profissões que eu poderia exercer. E eu já trabalhei de officeboy, atendente, garçom, telemarketing, professor, educador, ator figurante, árbitro/bandeirinha de rugby, vendedor, impressor, entregador de bicicleta (bike messenger), pintor de paredes, gráfico, designer, muralista, pintor letrista, transcritor, digitador, entregador, pesquisador em educação. Talvez eu só tenha esquecido de viver sonhos que não tenham a ver com trabalho. Hoje, artista visual, meus sonhos são comprar um jogo de goivas importadas, ou uma aquarela com pigmentos mais bonitos, ou um computador que suporte aplicativos de edição de vídeos. Que diferença faz sonhar com isso ou com qual será a próxima viagem que irei fazer? Ou com qual grupo de amigxs passarei o fim de semana conversando? Ou com qual esporte poderei escolher para me exercitar de forma coletiva? Qual livro será o próximo que irei devorar? Qual filme…? Sonhos e desejos, né?
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2022 chega ao fim como uma voadora no peito. Vai embora deixando um rastro de destruição psicológica que somente 2023 não irá conseguir consertar. Finalizar as pendências será tão complexo quanto aprender a voar. E talvez aprender a fazer analogias melhores entre para a minha lista de atividades para exercitar mais no próximo ano. Aos trancos e barrancos o caminho se abre, se mostra mais acessível, e eu tento aproveitar esse estreito espaço para me organizar e seguir em movimento. “Um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar” já cantava Chico Science, e eu acredito muito na potência do movimento como forma de seguir movimentando-se. Será a inércia um princípio de mudanças estruturais? Talvez sim, mas com toda cautela para não cair em uma inércia de não-movimento, dessas que te jogam largado no sofá enquanto você passa por todos os 386 canais da televisão paga sem vontade de assistir nenhum programa, ou as 15 horas diárias que passamos deslizando nossos dedos pela tela do celular em uma timeline infinita cujo conteúdo luminoso e fútil não nos interessa em 99% das coisas que aparecem por ali. Que sentido damos à vida quando nossas atividades se resumem a isso? A rolagem infinita da timeline, o deslizar lateral de um reels/tiktok buscando algo interessante, o mudar incessante dos canais cuja programação anda patética e obsoleta, ou o tempo gasto na busca pelo próximo filme que iremos ver em streaming? Seria essa um tipo de não-vida? Abrimos mãos de nossas atividades para nos prender em pixels luminosos? É frustrante viver isso, é frustrante refletir sobre isso.
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Enfim, não quero me prolongar muito mais nessa publicação. Eu ainda sou uma pessoa com muitos privilégios, tenho familiares e uma rede de amigos e conhecidos que me apóia muito, e eu tento apoiar em tudo que posso também. Talvez seja essa a lição que 2022 nos traz. Fortalecimento das relações, das redes, dos contatos, das ações e movimentos. Fortalecimento das ideias. Resta desenvolver quais serão os próximos passos. Desejo à vocês um ótimo 2023, que possamos seguir em movimentos!!

“O segredo domina este mundo, antes de tudo como segredo da dominação. O espetáculo organiza a ignorância do que acontece e o esquecimento do que, apesar de tudo, conseguiu ser conhecido. Quem esta sempre assistindo esperando o que vem depois, nunca age, assim deve ser o bom espectador. A consciência do desejo e o desejo da consciência são o mesmo projeto que, sob a forma negativa quer a abolição das classes. Que as pessoas tenham a posse direta de todos os momentos de sua atividade .”
Colligere, citando Guy Debord, na introdução de ‘O Poder do Pensamento Negativo’