Água
Quando eu era criança eu achava que toda comida e toda bebida que entrava pela nossa boca era depositada em todo o espaço interno do corpo. Simplesmente, na minha cabeça, o corpo era um grande espaço vazio que era preenchido com comida e bebida. Eu sempre fui muito bom em comer, e essa era minha explicação plausível para nunca ficar devidamente saciado.
Inclusive, vontade de cagar era algo que acontecia somente quando o corpo já estava cheio de comidas e precisava liberar um espaço para a próxima alimentação. Eu não tinha limites quando o assunto era comida, e minha mãe precisou brigar muito comigo para que eu não tomasse Biotônico Fontoura, pois eu adorava o sabor sem saber que isso servia para abrir o apetite.
Claro que eu recusava algumas coisas que eu achava esteticamente feias, tipo couve-flor, ou com cheiro muito forte, tipo pequi. Até jiló ainda é difícil se acostumar com o sabor amargo, mesmo depois de tantos anos, mas o tempo me fez ampliar minhas opções de alimentação.
Com líquidos não era muito diferente, mas na minha cabeça o líquido saía logo depois que ele entrava, e eu tinha uma preguiça enorme de fazer xixi.
Sempre que me dava vontade de “tirar água do joelho” eu ia na cozinha e tomava tudo quanto é água que eu poderia consumir no dia. Virava copos e copos pois aproveitaria a ida ao banheiro para mijar toda essa água e eu não precisar retornar depois. O líquido competia espaço com a comida, e por isso deveria sair mais rápido.
Uma cena frequente que me lembro quando criança era o de beber muita água antes de dormir, pois aproveitaria a última ida ao banheiro para liberar todo o xixi que eu tinha no corpo e, claro que essas coisas não passam ilesas, e uma questão comum da minha infância era eu acordando todo mijado.
Nunca entendi muito bem o porque eu fazia xixi na cama, mas mesmo depois de adulto isso ocorreu algumas vezes. Mais recentemente eu entendi que eu ficava preso no meu próprio sonho. Sabe aquelas vezes que você está sonhando e precisa muito achar um banheiro para mijar? Pois é, em algumas destas vezes eu não conseguia acordar e mijava no meu sonho. Ou seja, mijava na cama.
Eu nunca fui muito bom em lembrar dos meus sonhos, mas esses em que eu mijava eu lembrava com certa frequência. Hoje tomo muito cuidado para não ingerir muitos líquidos depois das 21h, no intento de não ficar preso no meu sonho novamente.
O jovem eu poderia ter se livrado de muitos colchões ao sol e poças de urina no quarto se tivesse desconfiado antes que o corpo funciona de outra maneira.