Ruim demais para ser mentira #7

Corrida

Quando eu era pequeno, eu e minha irmã saímos correndo na rua buscando algo. As ruas eram de terra, chão, alguns poucos cascalhos, estávamos descalços. O sol já havia partido há muito tempo, e me lembro de um ambiente escuro, com poucos focos de iluminação.
Corremos por uns três quarteirões em perseguição. Vários pedregulhos machucavam as solas de nossos pés. No ar, uma mistura curiosa de calor com vento fresco e maresia.
Corremos nos comunicando sobre o alvo a ser perseguido. Parecia até que tínhamos uma estratégia definida. Apenas a troca de olhares já nos fazia saber para onde deveríamos ir.
As pessoas que estavam sentadas no bar da esquina sorriam de maneira irônica. Não nos importávamos com nada disso. Nossa perseguição parecia nunca ter fim. Me lembro de um trajeto curto, apesar de demorado. Tudo se confundia, e de alguma forma eu tinha certeza sobre o nosso destino. Acho que minha irmã também tinha essa certeza.
Fomos extremamente rápidos em um dos momentos mais demorados da minha memória.
Perseguimos uma luz vermelha, que até hoje parece real na minha cabeça. Eu tenho absoluta certeza do que vi e corri atrás.
Os pés sujos e machucados desagradaram aos adultos que nos aguardavam na casa de praia.
Entramos e nos deparamos com adultos lamentando: “Vocês não foram rápidos o suficiente…!”
Olhei para o chão onde estava a árvore de plástico enfeitada, recheada de caixas com embrulho.
Não conseguia acreditar que corremos atrás do Papai Noel, e ainda assim ele deixou os presentes sem que eu pudesse vê-lo.
Foi frustrante saber que a luz vermelha não quis me esperar.

***

Este pequeno texto foi gestado a partir de um exercício proposto na Mediação de Escrita “BORA FALAR DE AMOR”, onde deveríamos descrever uma memória sem dizer ou explanar o que era esta memória. Aqui, eu fiz algumas adaptações para se adequar à esta seção de histórias da minha infância. Minha irmã e minha mãe se lembram deste fato. Minha irmã correu comigo atrás de algo, e minha mãe nos enganou para que saíssemos de casa.