Lapsos de Tempo #21

Paz

– Já separei todas as minhas roupas brancas pra celebrar a virada do ano.
Mas porque brancas?
– Porque eu desejo a paz mundial pro ano de 2026!
Poderia explicar a relação entre essas coisas?
– Claro. É super simples. As cores simbolizam nossos desejos para o próximo ano. O branco simboliza a paz. O amarelo é a riqueza. O rosa a felicidade. O vermelho é a paixão. O verde é a esperança. O violeta é inspiração. O azul…
E se você escolhe uma cor, isso quer dizer que todas os outros desejos para o próximo ano ficam em segundo plano?
– Como assim?
Se você escolhe a paz, a felicidade fica em segundo plano? Você abriria mão da sua felicidade ou da sua riqueza se isso possibilitasse a oportunidade de garantir a paz?
– Não é assim que funciona!!
E como é?
– Você veste uma cor que vai apenas simbolizar algo que você quer. Não é uma regra…
E não se pode simbolizar de outra forma?
– Você pode mentalizar alguma coisa também.
E como se mentaliza a paz? O que significa paz?
– Paz é uma situação em que não há estresse, nem violência, nem medo, nem guerras, nem massacres. Todo mundo viveria em paz.
E você teria disposição de abrir mão de qualquer outra coisa para que a paz possa existir?
– Como eu te disse, é apenas simbólico.
Se é apenas simbólico, pra que desejar algo?
– Porque funciona como um rito de passagem, é tradição. Ano novo, vida nova.
Mas se não fazemos ativamente algo para que nossos desejos possam se realizar, de que adianta tudo isso? É só mais uma desculpa pra gastar dinheiro com roupas novas e ficar com a consciência limpa durante a virada.
– Que chatice hein?
Coitado de quem é daltônico, que vai errar o que quer simbolizar enquanto desejo pro próximo ano. Mais fácil vestir preto ou branco, todas as cores ou ausência de cores.
– Affe…

La Idea, 2024 – Olympus Pen-EE, Kodakcolor 200

Último post nesse blog em 2025. Um ano que profissionalmente foi uma merda. Muito aquém de tudo, vários prejuízos em feiras (que eram meu lugar seguro de vendas), lojas de silks deixando de vender as coisas que eu preciso pra trabalhar, vários trabalhos cancelados, dificuldades com agenda, hérnia de disco… Enfim, uma série de coisas que não foram tão legais. Não consegui ler muito, não consegui me engajar na academia, perdi muitos prazos e não dei conta de realizar muitos projetos. Termino o ano num baixo astral enorme, sem cabeça para lidar com várias questões, dívidas de empréstimos, calor, capitalismo, enfim, coisas demais.
Com a mudança de ano surgem os planos, de fazer novas coisas, de fazer diferente, e de tentar depender menos de vender a produção. Tirando as feiras em que já marquei fazer, pode ser que em 2026 eu não circule tanto como em 2025. Acho que preciso colocar os pés no chão e repensar um pouco meus trajetos.
O primeiro é ter mais tempo pra minha pesquisa. Desde que terminei o mestrado eu não consegui fazer mais nada em relação à isso. Acho que em 2026 preciso me organizar melhor, voltar a ter ritmo de leitura, de fichamentos, de reflexões, pra construir um projeto e tentar ingressar em um programa de doutorado.
O segundo é voltar a publicizar as aulas de linoleogravura. Tive alguns alunos em 2025, e acho que foram experiências bem legais. Inclusive, tentar gravar mais vídeos pro youtube, igual fiz no início de pandemia. Acho que eram atividades interessantes e que circularam bastante nas redes.
Em terceiro lugar, eu realmente preciso cuidar da minha vida social. Entre neuroses, inseguranças, baixa-auto estima e um certo desinteresse em fazer algo, preciso sair mais de casa e do meu atelier. Tenho ficado muito tempo aqui, e isso pesou muito nesse fim de ano.
Em quarto, tentar escrever mais e, por consequência, criar publicações com isso. Eu que comecei a escrever porque minha cabeça não andava boa lá em 2017, 2018, acabei gostando demais desta atividade. Esse ano eu acho que postei pouco, escrevi pouco, mas vou tentar ser mais ativo em 2026, materializar essas coisas que estão somente no blog.
Enfim, a hérnia de disco me deixou até repensando se trampar tanto com serigrafia seria uma boa. Isso pesou bastante nos últimos dois meses, vários serviços atrasando, acumulando, enfim, complicado manter a rotina. Então pode ser que isso não seja algo tão frequente em 2026.
Mas é isso, gostaria de agradecer todo mundo que esteve junto em 2025, e que em 2026 possamos nos aproximar mais ainda.
Se quiser deixar uma mensagem aí nos comentários, sinta-se a vontade preu saber que você leu isso, e que você está comigo nessa jornada chamada vida.
Um grande beijo e um grande abraço.
Até 2026.

Banditismo

Enquanto for vigente a lógica de um sistema que preza pela manutenção da exclusão, da opressão e da miséria, vocês não terão um segundo de paz.

La Idea * Festival Nuh | BH * 12 e 13 de Outubro * 2024

Serigrafia – Nunca Houve Paz

Desde que os europeus tiveram conhecimento da disponibilidade de metais preciosos neste continente, a guerra foi instaurada. Um verdadeiro massacre da população tradicional, que há mais de 500 anos têm perdido espaços, territórios, culturas e histórias. Várias comunidades subjugadas e fadadas ao extermínio seguem em luta e resistência contra o capital. As elites econômicas predatórias têm poder sobre a política institucional, e avançam cada vez mais sobre as reservas e territórios dos povos tradicionais. Os recursos naturais destas terras que vocês vêm como dinheiro e poder, nós vemos como vida, história, subsistência. Nunca Houve Paz, seguimos em luta.

 

Serigrafia sobre papel Bronze Laminado – 250 g/m²

Tamanho A4 (29,7×21 cm)

Disponível na Loja Virtual

Vídeo com detalhes da impressão

Paz para los niños

Em 2012 eu fiz 3 murais enquanto estava de passagem por Ciudad Juárez, Chiuhuahua, México. O primeiro foi em uma “competição” com o tema da cidade, onde eu participei para dar visibilidade a um projeto social que um amigo, Oscar Israel, participava. Ali conheci várias outras pessoas, e consegui um terceiro lugar, que me animou muito, pois meu prêmio, em teoria seria uma viagem à Grécia para estudar graffiti. Infelizmente não pude receber o devido prêmio. Logo após, pintei mais dois murais com esse projeto, chamado Jóvenes en Acción, ambos em Centros Culturais na periferia da cidade.

Olha a cara de sol do sujeito, rs

Vale lembrar que Cd. Juárez possui uma história marcada pela violência militar, pela violência do narcotráfico, pelo feminicídio, pela violência de gênero, pela exploração do trabalho e vários outros problemas sociais e econômicos. Em 2012 houve um período relativamente pacífico para a cidade, com a reabertura de vários bares, a retomada da vida social, mas as pessoas ainda tinham medo de ir para as ruas, tinham muitas histórias de abusos e casos de violências, e muitos imigrantes chegavam para tentar passar para o outro lado da fronteira, onde se encontrava os Estados Unidos. Era uma cidade muito diferente de tudo que eu podia imaginar.

Oscar e eu descansando na sombra.

Os dois murais que pintei depois da competição foram em um local conhecido pela extrema pobreza, falta de recursos urbanos básicos, forte influência dos narcos. Conhecido como Kilómetro 27 (eu acho que era isso, a memória anda falhando), era um bairro periférico completamente afastado da cidade, ruas de areia por causa do deserto, construções beeem simples, seguindo o curso da autopista que passava pelo local. Existem poucas fotos destes dias, pois câmeras digitais não eram tão comuns na época, e nem nuvem virtual, muita coisa se perdeu nos arquivos da matrix.

Nesta foto de 2018 vê-se que o graffiti ainda está lá.

O que rola é que essas experiências em um local como esse não poderia ter uma temática diferente. Crescer em um ambiente de violência é ruim e cruel com todos os atores familiares. Crescer sem perspectiva, compreendendo que a única realidade é aquela, não deveria nem ser uma possibilidade. Hoje me lembrei desses dias de sol e areia, nesse deserto imenso e ambíguo que é Cd. Juárez. Mas não ache que aqui no Brasil seja diferente, pois não é.

Mural finalizado

Em Juárez era bem difícil pintar. O spray era tipo um X-Row (dazantigas), com uma consistência estranha, com a válvula muito dura e o vento do deserto impossibilitava muito fazer os esfumaçados. Era sempre um desafio. Mas vale a pena tentar, sempre. E o principal é a mensagem que fica: PAZ PARA AS CRIANÇAS. PAZ!