2024 – #9 – Poder

Irien nasceu com um gosto pela música. A frequência das notas, o timbre, a sonoridade, o ritmo faziam com que Irien movesse seus músculos e membros em movimentos síncronos e harmônicos. Irien hipnotizava todas as pessoas com suas danças. Podia ficar horas mexendo o corpo, pois se impressionava com seus próprios gestos, que já antecipavam tudo o que viria a seguir.
Irien sentia seu corpo guiado por algo que não conseguia enxergar, ondas abstratas que entravam pelo ouvido e refletiam nos batimentos do coração. Sentia seu sangue pulsar, levando vontade de balançar cada milímetro de seu corpo. A vida ativa não poderia existir sem a música.
Ainda que a dança fosse a razão de sua existência, Irien começou a se perguntar porque dançava tanto, já que poderia tentar criar algo que movesse outras pessoas.
Irien dançava, mas queria experimentar o poder de tocar concomitantemente.

Sobre poder e pertencimento

Outro dia estava indo trabalhar e um girassol me chamou muita atenção no trajeto. Era grande, vistoso, estava aberto e chamava muita atenção no lugar onde estava. Cresceu em um buraco na calçada, junto com uma árvore em desenvolvimento, outras flores amarelas, mato. A calçada era estreita e a flor não passava despercebida por transeuntes que trafegam por ali, ou pelo menos não deveria. Parei e me detive por um tempo. Era uma cena que merecia uma fotografia, um registro daquele momento de contemplação.

Observando com mais calma, percebi uma corda que segurava o caule do girassol à árvore. Achei interessante a intervenção humana que, de forma positiva, ofereceu sustentação ao desenvolvimento da planta. Se ela nasceu e se desenvolveu naquele lugar, talvez ali fosse realmente o habitat dela. Ela gostou dali, fortaleceu suas raízes e estava feliz com sua morada. As centenas de pessoas que devem passar diariamente por ali provavelmente perceberam isso. Ali era o lugar dela. O girassol pertencia àquele espaço. Toda uma comunidade se desenvolveu junto naquele espaço.

Quando me deparo com cenas assim, fico pensando em como nós, seres humanos depredadores, podemos sim conviver com a natureza de forma harmônica. As plantas se desenvolvem, chamam atenção, atraem nossos olhares, intervém no nosso trajeto e nos dá algum tempo de contemplação, tempo este que podemos ignorar problemas e nos ater a um pequeno espetáculo visual e silencioso. Nós pertencemos ao mesmo espaço, nós convivemos, nós criamos diálogos e interferimo-nos de forma mútua. Nós temos poder de fazer com que tudo benéfico possa se desenvolver, ainda que esse benefício sejam alguns minutos de contemplação.

3 dias depois, passando pelo mesmo local, percebi que alguém achou que o girassol não pertencia àquele lugar. Essa pessoa se deu o poder de arrancar a flor do caule e fazer o que bem quiser. O poder de decidir sobre algo que se desenvolveu naquele lugar, e que outras pessoas com poder tinham decidido que o girassol estava bem ali. Conflito de interesses entre pessoas com poder de decisão, e de ação, e de destruição. Essa pessoa se apropriou de algo público, disponível de forma gratuita e acessível, para fornecer um destino privado à planta. Ou talvez um destino fúnebre, não sabemos.

Me detive para clicar outra foto com meu telefone. A contemplação de algo negativo me chamou atenção. Nós temos poder de interferir no que nos interfere, no que nos chama atenção no trajeto. A qualquer momento alguém pode decidir o que pertence e o que não pertence a algum lugar. Não consigo refletir sobre esse acontecimento sem associar à práticas racistas, sexistas, homofóbicas (ou lgbtqiap+fóbicas), classistas… São relações de poder de gente que decide sobre pertencimento. E quem não pertence àqueles locais serão excluídos, violentados, explorados, segregados, mortos. Comunidades estão em risco iminente.

A quem o poder pertence?

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