David Byrne e seus rolés de bicicleta

Por mais que o livro de nome “Diários de Bicicleta” seja vendido fazendo uma alusão ao Diário de Motocicleta do Che Guevara, não acho que as relações que eu encontrei entre as duas obras seja relevante o suficiente para serem comparadas. La Poderosa rodou parte da América do Sul, e nos contou um pouco sobre esse território tão vasto e selvagem, além de nos dar um gostinho das aspirações humanas e sociais do jovem Guevara. E talvez as comparações possam acabar aí. Pelo menos para mim.
David Byrne escreve sobre seus passeios de bicicletas durante suas viagens a trabalho ou a turismo. Seus escritos reúnem reflexões e descrições sobre o trajeto, sobre o destino, e traz várias informações histórico/sociais/políticas/econômicas sobre algumas construções, personalidades e localidades. Cada capítulo diz respeito à uma cidade dos Estados Unidos ou a alguma cidade estrangeira para ele. E quase sempre ele inicia um processo de comparação entre as cidades.
Eu acho que a questão da comparação é um diálogo sempre possível, desde que as análises sejam feitas de formas horizontais, mas Byrne sempre compara tudo com o fluxo de trânsito de Nova York, como se NYC estivesse mais próximo de um ideal para o ciclista urbano. Isso foi o que me incomodou mais durante a leitura. Essa cagação de regra sobre como o ciclista deve se portar no trânsito, respeitar semáforos e seguir todo o aparato regulamentar que é criado para lidar com os automóveis, e cuja sua aplicação foi empurrada para outros modais.
Para além dessa questão do ciclismo urbano, o livro traz informações bem interessantes sobre processos urbanísticos, descrevendo na prática as ideias de Jan Gehl e Jane Jacobs, suas lutas e conceitos, e como a forma de se planejar as cidades mudaram a ponto de criar espaços para as pessoas viverem, sem perigos automotivos ocupando todo o espaço das vias.
Acho que é por isso que gosto tanto de viajar e conhecer metr´´opoles, sobretudo as cosmopolitas. São recheadas de contradições que tentam agradar e acoplar todo um fluxo de produtos, turistas, serviços, trânsito, cidadãos locais, ideias, eventos, infraestrutura e ecologia em locais tão grandes e extensos que a arquitetura local vira uma miscelânia de influências. A todo momento aparece uma informação nova, e a mão que carrega a câmera já se levanta para registrar alguma coisa.
Termino de ler o livro com várias críticas, tanto positivas como negativas, e uma vontade de ir ao passado e eu mesmo escrever um livro assim. Um diário de viagens. Um registro de onde a bicicleta me levou. Mas eu não tenho dinheiro pra viajar acompanhado de minha bicicleta, muito menos recursos para viajar com tanta frequência assim, rs.
Minhas críticas negativas moram naquele lugarzinho da visão de classe média que o autor possui. Ele narra como se tudo fosse muito fácil às vezes, mas ele é um cidadão branco escocês que mora em Nova York, e ficou muuuito famoso com sua banda, Talking Heads. Realmente viajar com sua bicicleta não deva ser uma tarefa muito difícil e custosa. O ponto positivo é ler as descrições das cidades, suas análises relacionadas com outros fatores (história, economia, política, etc.). É bem gostoso de ler e se imaginar nos trajetos, vendo o que ele está narrando.
Enfim, “Diários de Bicicleta“, de David Byrne é um livro bem daora.