Desde 2009 que eu trabalho com oficinas de arte, mas o trabalho com crianças, jovens e adolescentes é mais recente. Esse tipo de trabalho tem me dado um pouco de ansiedade em seu formato, pois são muitas dúvidas que eu tenho sobre minha atuação, e sobre os jovens que estudam comigo em alguns projetos.
Eu me considero uma pessoa paciente com a maioria das coisas. Acho que muitos processos possuem tempo certo para acontecer, e que tentar acelerar só o transformará em algo ruim, ou não prazeroso. Ter que fazer algo por obrigação torna o processo difícil, e saber que tudo o que você faz será julgado por terceiros também dificulta o processo. Na maioria das coisas que eu faço, tento fazer com tempo e paciência, para conseguir um resultado satisfatório.
Se eu colocar na minha cabeça que eu quero pedalar durante 6 horas seguidas, ou conquistar algum desafio do Strava, por exemplo, eu me preparo para isso, e dedico algum tempo para lograr com meus objetivos. Nem sempre consigo. Há fatores que às vezes me impedem de conseguir pedalar o quanto almejo. Problemas mecânicos, clima, preparo físico, acidentes… Mas não é por falta de paciência, e se não consigo eu entendo que eu me esforcei.
Na arte a mesma coisa. Posso passar horas, dias, semanas e meses trabalhando em uma única coisa, praticando, treinando, buscando alternativas para fazer um único trabalho, tudo feito de forma paciente, pensada, buscando um resultado que seja satisfatório para mim. Às vezes me dá uma agonia precisar criar uma estampa, por exemplo, e saber que ela ficará pronta só depois de algum tempo.
Eu me dedico. Eu pratico, eu treino, e busco aprender o que eu ainda não domino (se é que as técnicas podem ser dominadas). Acho que aí se encontra minha maior dificuldade como professor, educador, oficineiro. Para a maioria dos meus alunos, em apenas uma tarde de aulas eles já deveriam aprender tudo que é possível dentro de um técnica, já sair desenhando e pintando super bem, caprichado. Não se importam com o processo, com o treino, com a prática, com os estudos. Tudo deveria ser imediato. Eu tento pedir paciência, conto histórias sobre o meu processo, começando quando eu era bem novo, copiando com papel carbono os personagens de Cavaleiros do Zodíaco que estavam impressos em revistinhas. Demorou muito tempo até que eu conseguisse desenhar sem copiar. Demorou mais tempo ainda até que eu entendesse que isso é uma coisa que gosto, e que eu gostaria de aprender e compartilhar o conhecimento adquirido. Eu já devia ter meus 23 anos quando decidi cursar artes, mesmo sem saber desenhar. Na Universidade me sentia meio reprimido por estar ao lado de pessoas super talentosas, e eu nem chegava perto de ter habilidades como as de meus colegas.
Eu gostava do processo de produzir, mas não gostava de planejar, nem de criar. Sempre achava que eu estava aquém de todo mundo. Mas o fato de começar a ensinar me deu outra visão sobre tudo isso. Aprendi na marra que o processo é lento, e que devemos ser pacientes. Nunca tive a oportunidade de fazer um curso de desenho antes, meu olho não era treinado para isso, e só depois dos 27 que eu passei a compreender isso melhor.
A prática, o treino, o estudo e, principalmente, a paciência faz com que a gente consiga chegar onde queremos. Isso eu entendo perfeitamente bem. Mas eu ainda questiono como fazer com que xs jovens entendam isso? Tudo tem que ser imediato, tem que ser preciso. Eu realmente não sei como trabalhar isso com elxs. Recentemente eu proibi xs jovens de uma oficina minha de usar borracha, pois eles desmanchavam tudo o tempo todo. Ensinei a fazer esboços, planejar o desenho, ir tratando, fazendo acabamento e arrumando aos poucos, até conseguir chegar no resultado final. Foi uma oficina interessante. Elxs estavam aflitos por não poderem usar borracha, estavam ansiosos por causa da imagem toda embolada e rabiscada. Mas ficaram surpresos com o resultado final, acabado, limpo. Quando fui perguntar à elxs se eles gostaram, se foi interessante ter paciência e construir o desenho aos poucos, elxs me disseram que se tivessem borracha eles teriam feito igual, e de forma mais rápida. Eu sei que elxs não fariam igual, mas elxs não sabem disso. Independente do resultado, o processo delxs é rápido, curto, e talvez essa velocidade em fazer e desmanchar seja mais importante que o resultado final.

Pensei em fazer alguns trabalhos de desenho de forma mais livre e desapegada, mas eu ainda preciso encontrar uma maneira de fazê-los desapegar dessa coisa realista, desenho e borracha o tempo todo. Fico pensando em várias práticas que fizemos no ambiente Universitário de uma Escola de Artes, e fico pensando se daria certo. Afinal, em uma Escola de Artes, a maioria ali está disposto à esse tipo de experimentação, de reflexão e de discussão. Não sei se os jovens com quem eu trabalho teriam essa disposição de experimentar, de desapegar do desenho tradicional/clássico para surfar em outras ondas. Não sei se o espaço onde trabalhamos seria receptível à isso, pois na Universidade de Artes a maioria dos espaços são de experimentação e provocação. Dentro de uma comunidade, por exemplo, a moral e os costumes estão ligados à outros processos que não se abrem tanto para experimentações.
Ainda que a letra da música tenha pouco a ver com esse dilema onde me encontro, o título é bem propício: A Vida é desafio.