Esse título ficou estranho, mas eu realmente não sei como resumir meus próximos parágrafos em uma manchete. Eu só gostaria mesmo de tentar escrever, um pouco, sobre como as áreas do conhecimento nunca devem ser analisadas de forma isolada. Meu pavor da “instituição escola” vem justamente dessa separação em relação às temáticas que são trabalhadas, a forma como são colocadas em caixinhas de conhecimento, como se tudo fosse fragmentado e fosse dever exclusivo dx alunx reunir e associar tudo isso a fim de criar algum sentido lógico.
Já faz algum tempo que eu estou estudando e me aprofundando mais em algum tipo de educação que busque autonomia dxs sujeitxs, e xs autorxs anarquistas e libertárixs são xs que tem iluminado melhor meu caminho nesse sentido. Elxs entendem o processo educacional através de atividades, práticas e teóricas, sempre coletivas, associando as diversas áreas de conhecimento através de vários pontos de vista, de experimentações, de pesquisas, de diálogos. Pensando assim, uma pessoa que gostaria de cortar uma tora de madeira, fazer lenha e colocar em um fogão para fazer a comida, estará estudando biologia, química, matemática, física, artes, engenharia, educação física, história, geografia, etc. Isso tudo em uma simples ação de colher e cortar madeira. Eu sei que esse exemplo é bem superficial (e estou aberto a discussões), mas ele demonstra um pouco onde quero chegar com as minhas pesquisas.
Acho que esse tipo de ensino traz uma capacidade de associação muito interessante, e me dá até uma frustração em saber que o mais próximo dessa realidade seriam as escolas construtivistas, tão elitistas e inacessíveis. Imagina o tipo de conhecimento que poderia circular se essas práticas e metodologias de ensino fossem em outros ambientes, mais populares?
A minha ideia, então, é contar três curtos casos que aconteceram recentemente, que são desdobramentos de uma mesma coincidência e que me fizeram conhecer um pouco mais da história do próprio estado onde vivo, Minas Gerais.
SITUAÇÃO 1 = Na porta da oficina de bikes. Outro dia eu estava na porta da Canuto Cycles, trocando ideia sobre bikes e aguardando um serviço que estava sendo feito na minha bicicleta. Em algum momento, outro ciclista chegou por lá, e enquanto ele aguardava nós começamos a trocar ideia. Ele disse que morou em Lisboa por um tempo, e contava algumas histórias de lá. Ele citou um caso de que a pessoa com quem ele dividia a casa com ele quase incendiou o imóvel em duas oportunidades. Ele usava drogas injetáveis, e no momento em que desmaiava e adormecia fora de si, todo o aparato usado para preparar a substância seguia aceso, inclusive o fogo. As chamas cresciam muito e o risco de incêndio era real. Seguindo neste mesmo tema, ele disse que em Lisboa tem muitos imóveis que são feitos de madeira, pois depois do terremoto e tsunami de 1755, as casas começaram a ser construídas ou reformadas com estrutura de madeira, uma política do Marquês de Pombal, e era exatamente isso que ajudava a aumentar os focos de incêndio causados por moradores na Lisboa contemporânea. Olha que loucura.
SITUAÇÃO 2 = Ouvindo PodCast. Certo dia eu estava escutando um podcast enquanto lavava vasilhas, e dei play no episódio do Fronteiras Invisíveis do Futebol em que os locutores falavam sobre Minas Gerais. Esse podcast é interessante, une história e esporte, trazendo os aspectos sociais, políticos e culturais na história de algum lugar, seja estado, país, região. Em determinado momento, e claro que não poderia faltar, a Inconfidência Mineira vem à tona. E por mais que eu tenha estudado sobre essa temática na escola, eu nunca tinha associado esse episódio desta forma. De acordo com meu conhecimento prévio, a revolta se iniciou por causa da insatisfação com a tributação da Coroa Portuguesa em relação ao ouro na cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto). E meu conhecimento sobre a motivação terminava aí. Sim, sou um péssimo mineiro. De acordo com a pesquisa dos locutores do Podcast, o aumento da tributação que ocasionou essa revolta foi justamente devido aos altos gastos da Coroa Portuguesa com a reconstrução de Lisboa após a destruição causada pelo terremoto e tsunami. A Coroa queria mais ouro para poder financiar a reconstrução, e a fonte de recursos estava justamente na exploração da Colônia.
SITUAÇÃO 3 = Escutando músicas. Um dia desses eu estava reorganizando minhas mp3, renovando a playlist que está no celular, e decidi colocar vários discos que eu escutava há 15, 16 anos atrás. Tem uma banda em específico, oriunda da Venezuela, chamada Los Dolares, que eu conheci através de um amigo que passou sua infância naquele país. Lembro de escutar muito no início dos anos 2000, talvez 2003 ou 2004, porque era um som anarcopunk que soava muito bom para mim. Acho que na época eu devia ser muito novo (e também não entendia muito bem o idioma espanhol/castelhano) e as letras não eram assim uma coisa tããão importantes e sensacionais. Hoje eu tenho muito mais maturidade e conhecimento para escutar as coisas e compreender do que estão dizendo as letras, seja em português, espanhol ou inglês. Talvez seja até por isso que tenho voltado a escutar vários sons que eu escutava quando jovem (afinal, tem pouca coisa boa surgindo na cena punk, e estou cansada destas bandas novas, de ideias políticas isentonas, que só faz as coisas pra chocar o mundo virtual). Enfim, enquanto escutava Los Dolares, uma música começou a tocar. Se chamava “La fiebre del oro”, e possui boa parte dela uma narrativa calma sobre como a história acaba sendo uma arma dos poderosos para vangloriar e registrar seus feitos, ignorando e esquecendo das lutas dos de baixo. Os colonizadores chegaram nestas terras, exploraram tudo o que tinham direito, promoveram verdadeiros massacres, e a história que escutamos e aprendemos é a que os vitoriosos e poderosos nos contam. A letra desta música cita Ouro Preto, em Minas Gerais, como um exemplo disso. Toda riqueza foi explorada e saqueada para manter os padrões de luxo da Coroa Portuguesa, e ainda assim e história que escutamos é a versão dos poderosos. E digo isso incluindo as próprias vozes dessa revolta da Inconfidência Mineira, um movimento de caráter elitista, onde um sujeito foi morto como bode expiatório, onde criou-se falsos heróis, e a elite participante simplesmente o largou lá. Onde estava o povo? Quem essa elite explorava? A quem pertencia as riquezas da terra? Há outros olhares e reflexões sobre o episódio que não tenha sido escrito pelos de cima?
Eu coloquei essas três situações pra conversar um pouco sobre os diálogos que são criados a partir de diferentes mídias. Aqui, os diferentes sujeitos trazem cargas de conhecimentos e de experiências que podem não ter ligação nenhuma aparente, mas que me fizeram criar uma rede de conhecimentos que envolvem vários aspectos históricos, sociais e culturais. E é mais ou menos isso que me interessa nas minhas pesquisas sobre educação. As vivências e experiências fazem todo sentido quando são compartilhadas, quando geram diálogos. Parece bobo trazer essas situações e forçar um tipo de estudo em cima disso, mas é justamente sobre isso que se trata um processo educacional que seja mais inclusivo. Ele é coletivo, transpassa as barreiras de um simples encontro, é um processo contínuo de associações que acontecem em todas as nossas atividades. TODAS.
Por isso que me dá um certo desespero saber como foram as aulas que eu recebi durante a minha formação e como são as aulas que eu acompanhei durante meus estágios. As duas foram horríveis, fragmentadas, completamente sem sentido. As disciplinas, encaixotadas, não conversam entre si. Me lembro de um episódio enquanto fazia o estágio obrigatório, e dei uma aula sobre processos de impressão manual, mais especificamente a serigrafia e os recursos gráficos que enganam nossos olhar. A ideia era simples, utilizando um sistema CMYK (o mesmo que usa sua impressora a cores), ou seja, com apenas 4 cores (ciano, magenta, amarelo e preto), nós conseguimos reproduzir uma gama de milhões de cores, que enganam nossos olhos e nos fazem enxergar imagens fotográficas em um cartaz ou capa de livro, por exemplo. Essas cores, quando próximas ou sobrepostas umas às outras, criam tonalidades que só existem no nosso cérebro, não existem na impressão. A aula foi ótima, xs alunxs se mostraram interessados, fizeram perguntas, e me parece que correu tudo bem. Na semana seguinte, fiquei sabendo que o professor de física daquela mesma turma, começou um conflito com a professora de artes, justificando que “ela estava atropelando a matéria dele, porque COR é assunto de física, não de artes”. Eu achei isso um absurdo, pois na minha cabeça COR é assunto de várias áreas do conhecimento, cada uma tem seu modo de analisar as cores, em diferentes aspectos. Teoria da cor se encaixa em uma área mais voltada para as artes, a formação das cores, ótica e luz se encaixam na área de física. E as dezenas de tons de branco que os esquimós enxergam? E os diferentes verdes da flora e da botânica? E a nomenclatura das cores em cada região? E a diferenciação entre frutos “verdes” e frutos maduros? Isso tudo seria trabalhado exclusivamente na física? É isso que não faz sentido nesse tipo de saber que é “transmitido” e “absorvido” na escola. Ele é fragmentado e impede que a gente consiga associar as coisas, nos atrapalha a construir um conhecimento mais amplo. Ele nos limita.
Salve Didi, seus textos sempre muito bons de serem lidos! Abraços, Gabi
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