Cansei do Coronavírus

Eu estou lidando muito mal com essa ideia que ficou conhecida como “o novo normal”. Usar máscara o tempo todo, seguir evitando aglomerações, não trombar com ninguém… Ahhhhhh. Que desespero essa situação. Já levamos 1 semestre de isolamento, paranóias, fake news e políticas incapazes de ajudar em algo. Brasil já passou dos 100.000 mortos, BH recém chegou aos 1.000 óbitos registrados (porque sabemos que os números são maiores), e não há previsões para o fim. Pode ser que hajam novas ondas, que retomemos isolamentos mais severos, e ainda tem muita história para acontecer nesse capítulo pandêmico.

Os médicos que ajudaram a combater a praga da Gripe Espanhola há 100 anos atrás possuíam várias teorias sobre a pandemia. As pessoas eram contaminadas pelo cheiro putrefato no imaginário popular e científico. A vestimenta dos médicos incluía uma máscara feita de madeira, com ervas na região do nariz, da respiração, para evitar o mau cheiro dos cadáveres. Durante, pelo menos, três anos a Gripe Espanhola seguiu ativa, contaminando e matando uma renca de gente através do globo. Minhas saudações à todos que ajudaram a combatê-la na época, e minhas saudações àqueles que tentam combater o Covid-19 hoje. Esse desenho é uma singela homenagem.

Sobre a população originária e o coronavírus

Já tem um tempo que estou fazendo um sketchbook para treinar técnicas de pintura com aquarela. Tenho pegado muitas dicas com amigos que produzem, e tenho treinado bastante também. Eu utilizo muitas referências visuais para observar detalhes, e fotos de indígenas são referências que eu gosto muito. Pelo tom de pele, pelo cenário, pela luta e pela história, marcada por opressões, glórias, oralismo, políticas, naturalismo e misticismo. Muito aprendemos com eles, mesmo que distantes.

Já tem um tempo que estava lendo sobre a situação das etnias indígenas nessa época de pandemia em uma matéria publicada no jornal El País, e uma das fotografias publicadas me chamou muita atenção. Não sei quem é o fotógrafo (se alguém souber, por favor, me avise para que possa dar os devidos créditos), mas enxerguei uma fotografia com muita disciplina e consciência sobre o processo pelo qual estamos todos passando.

Na fotografia estão dois indígenas em uma canoa, navegando em um rio. Uma foto um pouco escura, dá um aspecto meio sombrio. O rio com muito material orgânico. Ao fundo, mangues desfocados. A pessoa que está situada à frente da canoa está remando, guiando. A pessoa que está sentada ao fundo, parece estar descansando, mas ainda um pouco alerta. Ambos usam máscaras descartáveis, e o que está ao fundo também usa luvas. Vejo essa foto e me dá uma sensação de confiança que eles têm entre si, em relação ao caminho, em relação à pandemia e em relação à tarefa que eles irão executar (estão levando alimentos, coletando sangue, levando informações, são médicos, curandeiros?). Talvez eles saibam o que possa estar por vir. A fotografia deve ser de março ou de abril, não me lembro. A situação, para todo o país, piorou muito de lá para cá. E com as etnias indígenas o processo parece estar muito pior.

Esta fotografia me chamou tanta atenção que decidi me dar ao trabalho de usá-la como referência para treinar aquarela. Claro que, com as minhas limitações, consegui chegar um pouco onde queria, apesar de não ter conseguido reproduzir a mesma sensação que eu senti ao observá-la pela primeira vez enquanto lia sobre a situação da pandemia na Amazônia. Talvez pelo meu daltonismo, pelo meu amadorismo na técnica ou pelo meu desenho de observação de pessoas (que eu ainda acho insatisfatório), ficou um pouco aquém do que eu esperava. Mas treinos servem para melhorar essas questões, e por isso me sinto seguro de mostrar minha pintura aqui nessa mídia.

Hoje tive a sensação de que deveria escrever sobre isso. Assisti ao último episódio de Greg News, e entendi que a situação das aldeias não está nada boa. Muitos indígenas já faleceram. Muitas lideranças, professores, anciões estão indo embora. O genocídio dos povos indígenas chega por meio de coronavírus, grileiros, posseiros e diversos invasores, que tentam tomar as terras à força, com respaldo do Ministério do Meio Ambiente. Nós, como artistas e ativistas, não podemos deixar que isso fique assim. Ainda que em micro-escala, poder representar esse momento e falar sobre ele já é alguma coisa. No vídeo abaixo, Gregório Duvivier fala muito bem sobre o que está acontecendo, com fatos e fontes, e ainda solicita auxílio para etnias urbanas e semi-urbanas, que estão muito expostas ao coronavírus, e a ideia é evitar que povos inteiros sejam dizimados. A violência vem de várias frentes e se podemos fazer algo para ajudar, faremos.