
Outro dia, organizando meus arquivos aqui, me deparei com essa pintura que fiz em 2015. Ela foi vendida em um leilão na garagem do prédio dos meus pais e me ajudou a ter recursos para bancar meu intercâmbio para a Argentina em 2016.
Fiquei pensando no tempo em que a pintei, quais ideias eu tive, porque o formato, porque as cores, porque a imagem. Me lembro que eu andava querendo explorar essas técnicas mais aguadas, sobretudo depois que eu já tinha experimentado as aguadas nas experimentações litográficas. Antes disso eu era um pouco resistente à mistura de solventes, à sobreposição de transparências e à composições mais demoradas. Eu fazia tudo muito chapado, cores puras e vibrantes, talvez até por causa do daltonismo e do receio de que a mistura entre tintas e solventes poderia interferir negativamente no resultado.
Natália, minha companheira de longa data e uma das minhas principais apoiadoras, me convenceu a arriscar mais, deixar o receio colorimétrico de lado, e ser mais espontâneo. Logo ela, que é adepta do realismo figurativo, me dizendo para ser mais ousado enquanto produzo. Talvez tenha sido nesse ponto da minha vida em que comecei a me importar mais com o processo que com o resultado. Isso é bom, mas não é todo mundo que gosta desse estilo. Me ajuda no autoral, me prejudica na prestação de serviços.
Enfim, começamos a pesquisar referências de imagens que poderiam ser produzidas a partir de aguadas em painel montado. Isso era uma novidade para mim e eu ainda não tinha muita noção de quais seriam os resultados. Usamos como referência a capa do livro do J.R. Duran, fotógrafo famoso, chique, glamouroso. O livro era o “Cadernos Etíopes”. A foto de capa, completamente em gradações de preto e cinza, me despertaram para alguns desafios que eu topei participar. Pensar nas proporções das figuras, relacionar os tons de cinza às cores, planejar os diferentes tons de tinta acrílica, esperar as poças secarem. Eram exercícios de paciência, concentração e planejamento que eu nunca tinha feito antes em pinturas, mas que já exercia nas técnicas de gravuras. Me lembro de lidar com algumas dificuldades em relação à quais tubos de tinta usar para as diluições, pois a tinta que costumeiramente se chama “pele”, é sempre um tom claro demais, europeu demais. Eu ficava incomodado em usar terra queimada e sombra queimada para representar as peles negras e pretas. São nomenclaturas que me soam estranhas e pejorativas. Essas tintas foram misturadas em diferentes proporções com amarelo ocre, marrom van dyck, preto e bastante água.
O resultado foi esse. Optei por não fazer o fundo, manter apenas as figuras. Assim, a atenção toda fico no primeiro plano, sem interferências.