1 ano

Toda vez que eu leio sobre óbitos causados por câncer eu lembro do meu pai. Talvez tenha sido a temática que mais me abalou desde seu falecimento. Vários outros temas me lembram do meu pai. Alguns me lembram de fatos muito específicos da vida dele, outros me remetem única e exclusivamente minha relação com ele depois de descobrir o tumor. É impressionante como as memórias chegam trazendo lágrimas, emoções e uma dor que ainda será difícil de lidar.
Assistindo o seriado Modern Family, eu chorei muito com a falecimento do pai do personagem Phil. Era uma comédia, e comédias deveriam ser feitas para rir. Mas talvez personagens cativantes tragam esse misto de risos e lágrimas por nos deixar mais próximos à ideia da morte. Dizem que é a única certeza que temos durante nossas vidas. E a morte também pode ser compreendida de uma forma leve.
Lendo O Sol Mais Brilhante, de Adrienne Benson, não pude conter as lágrimas com a personagem que narra, a partir de seus olhos infantis, o processo de câncer de sua mãe. Como surge, como debilita, como cria hábitos comuns nos pacientes terminais. Eu via meu pai em cada linha. Não a vida toda dele, mas os seus últimos 3 meses de vida. As semelhanças narradas eram impressionantes, com a diferença que a personagem narra sobre memórias da infância, e eu presenciei tudo como adulto.
Lendo sobre o poeta Limonov, na passagem em que ele mora e trabalha em uma mansão em Nova York, me deparo com sua fala sobre uma criança com leucemia, em que o câncer, talvez, seja a única coisa que faz com que sua classe social não sirva de nada. No livro é uma criança bilionária que passa por esse processo, na minha realidade penso que meu pai teve o mesmo tipo de câncer que causou a morte de Steve Jobs, Aretha Franklin, Pavarotti, Patrick Swayze, Raul Cortez… personalidades que são ícones e referências em diversas áreas (tecnologia, música, cinema…). Meu pai, um ícone e referência para mim, partiu da mesma forma.
No seriado After Life, do brilhante Ricky Gervais, acompanho a vida do Tony após o falecimento da esposa, também paciente oncológica. Nesta série entram várias reflexões sobre como adaptar a vida, as lembranças geradas, como as pessoas lidam com suas perdas, com suas frustrações e como nos relacionamos com outras pessoas. A série é interessante porque mostra um personagem que simplesmente desiste de viver, nada mais importa, e nenhum problema será pior que a sua perda. E talvez a terceira, e provavelmente última, temporada me fez compreender que esse sentimento horrível de perda vai passar em algum momento.

Pai, o time que você torce ganhou 3 torneios em 2021. Foi uma euforia intensa, riscos de covid, estádios lotados, jogos bem jogados, goleadas, etc. Algo que você gostaria de ter visto. A família também se reuniu bastante, em diversas ocasiões. Falamos de você, lembrando sua história, seus momentos. Seu primo até chegou a falar que teve uma visão de uma caixa de medalhas guardadas dentro de uma gaveta. Ele é espírita e diz ter umas visões, mas de fato as suas medalhas de natação estavam em uma caixa dentro de uma gaveta. Nós realizamos seu desejo de ser cremado, foi um funeral bem cheio há 1 ano atrás, nunca vi tanta gente indo prestar uma última homenagem para você. Fiquei sabendo até que a Federação Mineira de Natação publicou uma nota sobre seu falecimento. As suas cinzas foram despejadas em um rio, lugar em que você sempre gostou de estar para se divertir, para competir, para passar o tempo. Cada um de nós, filhos, esposa, primos e tios despejamos um pouco, foi um dia bem triste e bem alegre, e muito importante para fechar esse ciclo. Nosso amigo Biel nos ajudou com os trâmites burocráticos de inventário e essas coisas, ele adiantou muito nossas vidas nesse sentido. Você chegou a vir pouco aqui em casa, ela está bem arrumadinha agora, e acho que você iria gostar de ficar aqui também, tomando cerveja, vendo o movimento da rua, batendo papo. Eu não consigo ter noção do tanto de sacrifícios que você fez para nos visitar aqui, era penoso, mas sou muito grato por isso, de verdade. No final do ano passado eu voltei a dar aulas e a tentar produzir alguma coisa. Você sempre me apoiou nessas doideras que eu fazia, e acho até curioso o quanto você gostava de adquirir minhas produções. Depois de tanto tempo em luto, conseguir voltar a produzir talvez seja uma notícia também relevante para colocar aqui.

Enfim, não consigo descrever o quanto de saudades eu sinto do meu pai. Entre altos e baixos emocionais, a vida vai seguindo seu curso. Toda hora algo me lembra dele, ora com momentos felizes, ora com situações mais tristes e tensas. Mas talvez seja a ausência o que mais marca, o que mais traz lágrimas. Agora são esses fragmentos de memórias dos momentos que passamos juntos nesses 33,5 anos de convivência. Sou feliz por aproveitar cada segundo em que estivemos juntos, e ainda pesa um pouco as vezes em que não estivemos juntos, ou que não soubemos lidar com nossas questões de uma maneira mais adulta. E agora é tarde demais para discutir sobre nossa relação, mas ainda é tempo para refletir sobre tudo que pudemos e que ainda podemos passar juntos, pela história e pela memória. Só queria finalizar dizendo que te amo, sou extremamente grato por tudo. E ainda que esse post fique confuso, não me importo. Só precisava escrever um pouco mesmo.