Nostalgia em meio ao distanciamento social

Em meio a vídeos de asiáticos construindo casas de madeira com piscinas, recordes de dominós derrubados em sequência e que formam desenhos, trens em miniatura rodando por trilhos em toda a casa e vídeos impressionantes de pessoas descendo toboáguas ao redor do mundo, há coisas mais interessantes que merecem espaço na minha memória. Não estou falando dos vídeos impressionantes do tsunami de 2011 no Japão, ou dos vídeos informativos do Meteoro ou do Greg News, e, na real, nem tem a ver com vídeos de YouTube. A real é que eu fui um jovem que, como muitos nascidos no final dos anos 80, cresceu antes do mundo virtual, e isso foi muito massa.

Ontem estava conversando com minha esposa e com uma amiga, e ficamos lembrando, um pouco, como era na nossa época de jovens, onde circulamos em show de punk e hardcore no início dos anos 2000. Tivemos realidades bem diferentes, pois as criações sempre mudam dependendo dos pais, do local em que vivemos e dos nossos interesses. E aqui eu vou escrever sobre as minhas experiências.

Quando jovem, eu passava boa parte do meu tempo no final de semana andando de skate, bebendo bebida barata (famoso tubão) e indo em portas de show de punk e hardcore. Sim, eu ia na porta dos shows, raramente entrava, pois nem sempre eu tinha dinheiro o suficiente para pagar por um ingresso. Falando assim parece bobo, mas essas portas de eventos me proporcionaram grandes amizades, ótimos momentos ao lado de amigos e foi onde conheci muitas ideias e bandas novas. Os eventos, ou shows/gigs, eram importantíssimos na época para a gente conhecer bandas e ideias. Eu conhecia muitas bandas vendo as camisas que as pessoas usavam, trocávamos fitas k7, cd’s, e muita informação vinha através de zines. E vários amigos que fiz na época me ensinaram a fazer uma “intera” para pagar ingresso de algum evento.

Acho que foi importantíssimo para a nossa formação frequentar diferentes eventos, entrando ou se mantendo na porta, porque a informação sempre circulava. Os zines e as camisas de bandas eram diferentes se você ia no Dias de Caos, na União Punk dos Becos das Favelas de Santa Luzia, num show grande no Lapa Multishow que vinha bandas de fora do estado e/ou do país, algum evento no Matriz, um Goró Punk, ou um evento em alguma pista de skate. Circulavam pessoas diferentes, e era massa, porque, apesar das tretas que rolavam, eu sentia muita união entre todo mundo. Frequentei eventos de anarquistas, punks, hardcores, rap, metal, bandas mais melódicas, bandas locais, e sempre encontrava com alguém conhecido. A quantidade de pessoas que conheci sentado na porta ou no meio do Mosh, enquanto rolava um cumprimento após cada música da banda que estava tocando, são memórias que seguem ricas até hoje.

Ainda que eu entenda a falta de maturidade que eu tinha para lidar com as ideias e com as informações, reconheço que foi um período em que tudo circulava nesse submundo. Os zines eram feitos de maneira bem caseira, bem artesanal, os k7 também eram gravados de discos e cd’s e assim eram colocados para circular, e a cópia foi uma ferramente de disseminação de ideias. Pensando bem, talvez por isso eu goste tanto de gravura, de reproduzir minha matriz. Está comigo desde muitos anos.

Repensar a importância desta época tornou-se fundamental para pensar em algumas questões contemporâneas. Hoje os eventos são poucos e estão bem vazios, com pouco público. As informações não circulam impressas, e o profissionalismo faz com que muitos optem pela venda de zines e publicações do underground. Conhecer pessoas e músicas se tornaram tarefas puramente virtuais, e muitas das relações acontecem apenas aí. As ideias hoje circulam mais rápido, e temos acesso a muito coisa que é produzida nos quatro cantos do mundo, inclusive o que produzimos consegue chegar mais rápido a todos esses lugares. Mas as relações humanas físicas e presenciais seguem diminuindo, e acho que isso é uma tendência mundial com toda essa tecnologia da internet mantendo todos dependentes de aplicativos todo o tempo.

Lembro disso tudo, pois foi uma época muito boa. A maioria das músicas que eu escuto hoje são de bandas que conheci nessa época, e muitas das letras das músicas me formaram como pessoa. E sou muito agradecido por isso. Aos amigos da época, que hoje se dividem em conhecidos, grandes amigos e família, deixo aqui meu profundo agradecimento por fazerem parte da época, a tornaram tempos inesquecíveis.

É uma pena perceber essa queda do movimento, sobretudo já há alguns anos, mas feliz por saber que muita gente foi marcada por experiências como as minhas.

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La Idea

um gravador, que faz gravuras; um bicicleteiro que anda de bicicleta; um rugbr que joga rugby.

2 comentários em “Nostalgia em meio ao distanciamento social”

  1. Nossa fui lendo seu texto e foi passando um filminho pela minha cabeça! Os tempos são outros ne? não consigo dizer se melhores ou piores… Um dia desses tava pensando na minha adolescencia e fiquei imaginando se essa pandemia tivesse rolado há 20 anos atrás. Como teria sido? uma vez que a gente não tinha acesso ilimitado a internet… enfim…

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    1. É difícil essa comparação entre ser melhor ou ser pior, com certeza são tempos diferentes. Imagina que são mudanças que ocorreram em um período de 20 anos, e vivenciamos tudo isso. Olho para os jovens e entendo que as questões deles são bem diferentes das que a gente tinha, e isso é muito estranho para mim ainda.

      Imagina essa pandemia rolando e a internet para de funcionar? Caos.

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