Processo de criação de estampa geométrica

Eu e minha companheira, Natália, estávamos com a ideia de fazer umas peças de Jogo Americano aliando os estudos dela de costura com meus estudos de arte/serigrafia. Já tem alguns meses que começamos a planejar, e o projeto foi caminhando bem lentamente. Para começar o projeto, criamos modelos de corte e costura de jogo americano, pesquisamos um bom tecido para essa finalidade e compramos para deixar tudo pronto.

Nosso segundo passo foi trabalhar na arte da estampa. Como queríamos algo feito de forma bem artesanal, optamos por utilizar arte geométrica, desenhada com régua para criar o estilo. Busquei referências nas padronagens, principalmente de, Kayapó-Xikrin e Asurini para criar a estampa do Jogo americano. As referências que eu utilizei estão presente no livro “Grafismo Indígena”, organizado por Lux Vidal.

Depois de pesquisada as referências, chega o momento de criação. Queríamos um desenho geométrico, que ocupasse toda a borda do Jogo que se fosse uma faixa contínua. Optamos pelas linhas paralelas em diagonais, alterando a espessura da linha, e separadas por triângulos chapados. Uma alusão ao cesto Pacará, com as tramas bem demarcadas. Todo o desenho foi feito apenas utilizando lápis e régua, sem nenhum tipo de processo digital.

Depois de ter o esboço pronto foi o momento de criar o laser film para poder gravar a tela de serigrafia. Foram utilizados 2 papéis vegetais tamanho A3 colados juntos, para conseguir obter um desenho grande. Todas as linhas foram feitas com canetas POSCA (1M, 3M e 5M), pois é um dos poucos materiais onde você consegue um preto opaco em papel vegetal. Infelizmente o vegetal, por ser muito fino, costuma enrugar um pouco devido à carga de tinta da caneta POSCA.

Depois de gravada a tela é hora de decidir as cores que iremos utilizar. Os panos que compramos são vermelho e azul marinho, e a ideia era usar a mesma cor para estampar nos dois. Decidimos pelo dourado pois chamaria atenção em ambas cores, ficaria bem legal e ainda daria um ar mais elegante pro objeto. Utilizei tinta Gênesis Hydrocril e uma tela 44 fios, um rodo amarelo e o mesmo berço de camisas com cola permanente para fazer as estampas. Ainda não fechamos a costura para dar o acabamento, mas fiquei tão empolgado com o resultado desta etapa que decidi escrever esse post antes mesmo de finalizar.

Em breve coloco aqui o resultado da costura com o acabamento todo certinho e se tudo der certo, estará disponível para venda na Loja Virtual. Grande abraço e espero que tenham gostado.

Mais Participação, Menos Expectativa

Em 2002 a banda Discarga lançava a música “Contracultura”, e em seu refrão esse grito ecoava em minha cabeça. O movimento punk/anarquista/contracultural possui a coletividade em sua raíz. Toda ação é construída pelos próprios sujeitos, e a junção de teoria e prática se torna uma ferramenta possível. O diálogo construído de forma coletiva produz mudanças positivas para a sociedade. É necessário, então, descruzar os braços e parar de esperar que as coisas aconteçam de cima para baixo. Devemos nos organizar e planejar/praticar ações que servem de faísca para novas ideias. No punk/anarquismo eu sempre escutei o lema “Faça você mesmo/Do It Yourself”, e talvez isso seja uma crítica e uma auto crítica à nossa inércia.

Digo isso até sobre a minha atuação também. Tenho o desejo de fortalecer os coletivos e retomar esse espaço de estudo, agitação e propaganda, fortalecer as redes de apoio e de diálogo que construímos/construir novas.

Eu acredito na influência que as ideias punk/anarquistas exercem na sociedade, e essa estampa diz muito sobre isso.

Sobre as referências que utilizei nesta colagem, são basicamente ideias de tudo que me fez sair do lugar. Essas referências me dão ideias para produzir, para viver. Aí vai uma lista das imagens que utilizei nesta colagem:
– Emma Goldman;
– Piotr Kropotkin;
– Buenaventura Durruti;
– punks ingleses sentados em um banco;
– punk com cara tapada e moicano de pé;
– foto de faixa “No Pasarán” durante a Guerra Civil Espanhola;
– Combatente da FAI (Federação Anarquista Ibérica);
– Ian Mackaye da banda Minor Threat;
– Isabella da banda Dominatrix;
– Rebeca da banda Anti-Corpos;
– Manifestante do Maio 68 em paris;
– Reunião de greve;
– Stage Dive/Mosh, capa do disco do GBH;
– “Mais participação, menos expectativa”letra da banda Discarga.

“Essa é a nossa contra cultura
Mais participação, menos expectativa
Centenas de pessoas envolvidas
Meia dúzia de sempre que organiza
É mais fácil do que pensam
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Atue e conteste”

Discarga – Contracultura

Referências para criar

Uma das coisas mais difíceis na hora de produzir é saber exatamente o que fazer. Vou tentar elencar algumas coisas que me ajudam a movimentar as ideias para tentar chegar a algum lugar. Nesse post tento dialogar, novamente, com Priscapaes que é uma artista que tem me dado alguma luz nesse túnel que é o processo de produção.

1 – Tenha um caderninho de rascunhos, sketchbook, ou o celular sempre disponível. Eu costumo ter ótimas ideias enquanto pedalo, e antes eu sempre perdia essas ideias por esperar o momento certo para anotar. Eu comecei a usar o recurso “Mensagens Salvas” do Telegram para me lembrar dessas ideias. O celular está sempre próximo enquanto pedalo, e acho que não custa nada anotar ou gravar essas ideias para não se perder. Quando preciso esboçar alguma coisa, sempre busco na nuvem do Telegram essas ideias que eu guardei.

2 – Prestenção nas músicas que você escuta e nos livros que você lê. A partir dessas duas dificílimas tarefas é de onde vem várias de minhas ideias. Sou muito influenciado pelas bandas que escuto. Punk, Hardcore, Rap, Cumbia, sempre tem alguma ideia nas letras que te faz querer produzir sobre. Com as leituras acontece o mesmo. Livros são ótimas referências de ideias. Uma boa literatura de ficção, sociedade, contos, registros, tudo isso eu trago para o que eu faço.

3 – E sua rotina, onde entra nisso? Em tudo. Muito do meu trabalho dialoga com os meus afazeres diários. Pedalar, ouvir música, ler, brincar com o cachorro, lavar vasilhas, assistir/jogar rugby. Tudo tem a ver, e por mais que você não perceba, isso aparece nos seus esboços de forma frequente.

4 – Uma das ferramentas mais interessantes para começar a produzir é o diálogo. Diálogo com outros artistas, com sua mãe, seu pai, seu cachorro, com o vizinho, com alguém que você não conhece. Diálogo com o que você lê, com o que você escuta, com o que você vive e com o que sente. Quando você fala sobre seu trabalho, ou sobre o que pretende trabalhar, e escuta sobre o que outras pessoas fazem, produzem, trabalham, pensam, sua mente vai a milhão, fervilhando ideias que dialogam com essas interações. Nunca subestime o poder do diálogo.

5 – Recentemente, em uma oficina de Zines com a Papelícula, descobri sobre a escrita de fluxo. É algo que a gente faz para começar a movimentar as ideias. Consiste em escrever o que está pensando naquele exato momento, ainda que seja para narrar as tarefas do dia, descrever algo para o qual estamos olhando, qualquer coisa. Apenas escreva o que vier na cabeça, sem planejar muito, sem se importar com ortografia. Esse texto pode chegar a lugar algum, mas vai colocar a cabeça para trabalhar um pouco e isso pode ser a faísca que faltava para começar a criar.

6 – Busque referências sempre. Claro que nem tudo vai servir de boa referência, mas é importante entender as soluções estéticas e técnicas que outras pessoas utilizaram para produzir alguma coisa. Isso já dá uma ideia do resultado que você almeja e vai te incentivar a buscar esse conhecimento de produção. O Pinterest é uma fonte interessante, onde você pode guardar no seu banco de imagens as referências que te interessam, mas tem muita porcaria lá também, inclusive muita propaganda, tome cuidado com isso. Mas guardar imagens que sirvam de referências é uma ideia interessante, e você pode, muito bem, fazer isso fora do Pinterest ou da internet. Você encontra muitas referências visuais no ambiente urbano, nos livros, na imaginação, nos encartes de discos. Entenda como discernir as boas referências.

7 – Registre o processo de produção sempre. Quando você ver que as coisas começam a fluir, escreve sobre isso, anote, deixe registrado. Isso pode te ajudar a desembolar alguma outra ideia, é sério. O que você tentou fazer para uma determinada imagem não deu certo, mas pode dar muuito certo em outra imagem, em outra ideia. É sempre bom revisitar esses registros de processos e eu, pelo menos, considero uma parte importante da produção.

Eu escrevo aqui essas coisas até para me ajudar a me lembrar de todas essas táticas para conseguir sair do lugar. Produzir não é fácil, eu acho bem difícil, mas essas coisas ajudam a sair um pouco do lugar da inércia.

Mais estudos com cromia

Disponibilizei para venda mais um policromia que eu fiz. Desta vez, optei por pontos em formato elíptico que, em teoria, me daria uma riqueza maior de detalhes. Como a foto de referência foi diferente eu perdi a oportunidade de comparação entre as duas possibilidades. Mas o resultado me agradou muito. Para as próximas, talvez eu tente diminuir um pouco os pontos para ter ainda mais detalhes, vamos ver.

A policromia está disponível para venda clicando aqui.

Sobre ter uma péssima sensação

Não sei se isso é uma coisa comum de acontecer ou se já aconteceu com algum de vocês. Às vezes me dá um pouco de frustração quanto à minha produção artística. Eu sei que acabo agradando um nicho muito específico com o tipo de coisas que faço, e eu fico feliz quando rola um certo reconhecimento pelo meu trabalho. E eu realmente curto quando as pessoas valorizam todas as etapas do processo, não apenas o resultado. Mas me magoa um pouco quando eu começo a compreender que de nada vale o processo.

Falo de valores monetários mesmo, pois tem muita coisa que produzo e que possui uma ótima receptividade por parte do público que eu alcanço, mas não vende, fica empacado aqui no meu estoque e isso me impede, até, de ter verba para produzir materiais novos. Antes eu pensava que isso acontecia porque os produtos tinham um valor de venda alto e inacessível, mas essa teoria foi por água abaixo quando eu entendi que o preço do produto não importa muito tendo em vista o quanto as pessoas gastam com outras coisas similares e não essenciais.

Repare que não estou aqui reclamando o fato de que eu não consigo vender muitas coisas, mas do fato de que as pessoas não creditam o devido valor em um produto. Como assim? Outro dia estava percebendo que algumas pessoas que vendem produtos similares aos meus, e mais caros, conseguem rapidamente comercializar esse estoque, e esse tipo de coisa me faz pensar algumas razões para tal.

Um exemplo muito claro é um designer que cria uma estampa de camisas, por exemplo, e contrata uma empresa especializada para realizar essa produção. O designer pode fazer qualquer coisa que a empresa vai se virar com seu equipamento e seus funcionários para conseguir produzir. Para a empresa é de boa conseguir vender esse trabalho por um preço baixo, pois paga o mesmo valor para o funcionário fazer 50 ou 50.000 camisas em um período de um mês. Acho que isso se encaixa no conceito de mais valia. O designer não terá trabalho algum de produzir essas camisas. Ele cria a estampa virtualmente e depois se dá ao trabalho de anunciar. Ele sabe que terá um trabalho de qualidade, e garantia de que todas as unidades impressas seguirão um rigoroso padrão de produção.

Muito diferente, por exemplo, são os produtos que eu faço. Além da parte virtual e da venda/envio, eu também preciso imprimir as lâminas, gravar telas, comprar camisas, preparar as tintas e fazer a impressão de cada uma das camisas. Eu preciso lidar com a perda de material, com as camisas que dão errado e preciso adaptar tudo o que produzo à estrutura que eu tenho disponível. Eu sei que uma arte com detalhes muito finos e com mais de três cores eu não dou conta de fazer, além de entender que quanto mais cores, maior é a chance de alguma coisa não encaixar bem. Eu preciso dispor de alguns dias, quiçá uma semana completa para conseguir produzir os produtos que eu planejei.

Após tudo isso, preciso colocar um valor de venda que seja acessível, que cubra o custo de produção e ainda me dê algum lucro para além de pagar as contas básicas (água, luz, internet, telefone, MEI).

Acho que a sensação mais frustrante que existe, que é ruim, que é péssima, é saber de alguém que comparou o seu trabalho com o de um designer como descrito acima, criticando a qualidade da estampa, o fato dela não ser tão complexa e chamativa, o preço dela, e a pessoa preferir pagar mais caro em uma coisa de “melhor qualidade”. Isso é muito ruim, e acho que a minha ideia de colocar os vídeos dos processos de produção disponíveis online tem muito a ver com isso, de mostrar que tudo é complicado, dispendioso, difícil e que gasta muuuito tempo e material para poder fazer.

Eu não abro mão de participar de todas as etapas do processo de produção das coisas que eu faço. Eu produzo com a estrutura que eu tenho disponível, e que desde 2011 eu tento investir para melhorar. Eu não sou rico, minha produção não é lucrativa e eu sobrevivo, principalmente, prestando serviços para outros artistas e dando aulas e oficinas. Estou longe de conseguir um público que sustente a minha produção, e as coisas pioram quando acontecem situações deste tipo, de completa desvalorização pelo processo de produção.

Minha coluna reclama muito o custo que tem produzir tudo de forma manual e artesanal e, ainda assim, não ter uma recompensa monetária que valha a pena. E disso temos que ficar naquela questão que me dói muito: manter um preço justo e um produto empacado ou baratear o produto e não dar conta de arcar com os gastos de produção e de sobrevivência?

Aula de registro de impressão – parte 1

Já está disponível no meu canal do YouTube a terceira aula online e gratuita desta série que estou gravando durante o isolamento social.

Trata-se da primeira de três técnicas de registro de impressão que irei ensinar. Essa é a mais simples delas. O registro é fundamental para que sua tiragem seja regular, e também para facilitar o encaixe de outras camadas, se houver.

As aulas são gratuitas e estarão sempre disponíveis, mas se você quiser e puder há um sistema de doação voluntária e de qualquer valor para auxiliar na manutenção das oficinas.

Espero que gostem, e se houver qualquer dúvida não deixem de entrar em contato.

Saludos.

Sobre a população originária e o coronavírus

Já tem um tempo que estou fazendo um sketchbook para treinar técnicas de pintura com aquarela. Tenho pegado muitas dicas com amigos que produzem, e tenho treinado bastante também. Eu utilizo muitas referências visuais para observar detalhes, e fotos de indígenas são referências que eu gosto muito. Pelo tom de pele, pelo cenário, pela luta e pela história, marcada por opressões, glórias, oralismo, políticas, naturalismo e misticismo. Muito aprendemos com eles, mesmo que distantes.

Já tem um tempo que estava lendo sobre a situação das etnias indígenas nessa época de pandemia em uma matéria publicada no jornal El País, e uma das fotografias publicadas me chamou muita atenção. Não sei quem é o fotógrafo (se alguém souber, por favor, me avise para que possa dar os devidos créditos), mas enxerguei uma fotografia com muita disciplina e consciência sobre o processo pelo qual estamos todos passando.

Na fotografia estão dois indígenas em uma canoa, navegando em um rio. Uma foto um pouco escura, dá um aspecto meio sombrio. O rio com muito material orgânico. Ao fundo, mangues desfocados. A pessoa que está situada à frente da canoa está remando, guiando. A pessoa que está sentada ao fundo, parece estar descansando, mas ainda um pouco alerta. Ambos usam máscaras descartáveis, e o que está ao fundo também usa luvas. Vejo essa foto e me dá uma sensação de confiança que eles têm entre si, em relação ao caminho, em relação à pandemia e em relação à tarefa que eles irão executar (estão levando alimentos, coletando sangue, levando informações, são médicos, curandeiros?). Talvez eles saibam o que possa estar por vir. A fotografia deve ser de março ou de abril, não me lembro. A situação, para todo o país, piorou muito de lá para cá. E com as etnias indígenas o processo parece estar muito pior.

Esta fotografia me chamou tanta atenção que decidi me dar ao trabalho de usá-la como referência para treinar aquarela. Claro que, com as minhas limitações, consegui chegar um pouco onde queria, apesar de não ter conseguido reproduzir a mesma sensação que eu senti ao observá-la pela primeira vez enquanto lia sobre a situação da pandemia na Amazônia. Talvez pelo meu daltonismo, pelo meu amadorismo na técnica ou pelo meu desenho de observação de pessoas (que eu ainda acho insatisfatório), ficou um pouco aquém do que eu esperava. Mas treinos servem para melhorar essas questões, e por isso me sinto seguro de mostrar minha pintura aqui nessa mídia.

Hoje tive a sensação de que deveria escrever sobre isso. Assisti ao último episódio de Greg News, e entendi que a situação das aldeias não está nada boa. Muitos indígenas já faleceram. Muitas lideranças, professores, anciões estão indo embora. O genocídio dos povos indígenas chega por meio de coronavírus, grileiros, posseiros e diversos invasores, que tentam tomar as terras à força, com respaldo do Ministério do Meio Ambiente. Nós, como artistas e ativistas, não podemos deixar que isso fique assim. Ainda que em micro-escala, poder representar esse momento e falar sobre ele já é alguma coisa. No vídeo abaixo, Gregório Duvivier fala muito bem sobre o que está acontecendo, com fatos e fontes, e ainda solicita auxílio para etnias urbanas e semi-urbanas, que estão muito expostas ao coronavírus, e a ideia é evitar que povos inteiros sejam dizimados. A violência vem de várias frentes e se podemos fazer algo para ajudar, faremos.

Punk é Apoio, não competição

Parece uma coisa boba, mas falar sobre isso é algo que me parecia tão óbvio, que nem precisava ser dito. Mas não, hoje é algo necessário.

Já faz um tempo que eu percebi que o punk perdeu o sentido de existência, talvez porque aqui em BH a atuação tenha sido muito confusa, talvez desorganizada, e muita gente não compreendeu muito bem do que se tratava.

Digo punks de forma bem generalizada, porque a atuação coletiva sobreviveu durante pouco tempo por aqui. Ser punk é muito mais do que ter uma banda ou um visual a caráter, rebelde. Ser punk é aliar teoria e prática de ação direta buscando sempre o bem coletivo. Em BH houve vários grupos atuantes que dialogam com o anarquismo, promovem ação direta, grupos de discussão e reuniões de confraternização, mas não necessariamente essas pessoas são ou foram punks.

Em uma LIVE recente promovida por integrantes das bandas Mercado Negro (CE) e Las Calles (RJ), esse assunto veio em pauta, relacionando o atual hardcore e punk rock conservador e/ou politicamente isento, com essa questão da falta de organização e de crítica coletiva da galera que participa do rolé. E qual o papel da galera envolvida com o punk, com o anarquismo e com o hardcore nesses tempos de ascensão do ultra nacionalismo, do moralismo religioso e da extrema direita?

Muitas pessoas apenas esperam as coisas acontecerem, nunca correm atrás de organização, e me lembro até do pessoal do No Gods No Masters Distro falar sobre isso também, o quanto a galera rala muito para fazer as coisas acontecerem enquanto o público apenas tece críticas sem ajudar em nada.

O movimento hoje tem suas falhas, talvez, por essa falta de diálogos e de organização entre a própria galera no decorrer do desenvolvimento do punk, do anarquismo e do hardcore. Só de pensar que o Brasil foi um terreno fértil de bandas nos anos 90 e na primeira metade dos anos 2000, e que muitas dessas bandas hoje não existem, suas ideias se perderam, e a força geradora desse sonho em comum também enfraqueceu muito. Não me levem a mal, mas se hoje há pessoas que se dizem punks mas possuem comportamentos fascistas e intolerantes, alguma coisa foi compreendida de forma muito equivocada.

Vejo muita gente envolvida com o hardcore, mas pouca gente realmente ativa, que faz as coisas acontecerem. Isso é uma crítica à mim também, tive que lidar com as minhas questões e o coletivo ficou de lado, mas nunca parei o ativismo na forma de arte urbana, na forma de difusão de ideias, mesmo que em micro escalas.

Eu estou disposto a retomar essas conexões e voltar a formar uma rede, afinal, só conseguiremos chegar a algum lugar se o coletivo for forte o suficiente para tal.

Deixar de lado a ideia de ser o melhor em algo (afinal, não queremos nenhum tipo de competição) e focar no bem coletivo, em atitudes positivas, em agitação, em cultura, em ideias.

Essa estampa tem a ver com isso.

Isso não é uma competição.

Imprimindo linoleogravuras

Recentemente tenho feito alguns testes de impressão de linoleogravuras que eu já tinha gravado faz um tempo. Trata-se de uma gravura de bandana e outra de uma mãe zapatista amamentando o filho. Inicialmente as matrizes foram concebidas para serem impressões distintas, gravuras diferentes, mas entendi que elas funcionavam bem melhor quando juntas em uma pequena experimentação que fiz.

A matriz da bandana foi bem complexa de gravar e o processo foi bem longo. São muitos detalhes e eu usei a goiva micro V da Speedball para que a linha ficasse bem fina e os detalhes bem delicados.

A matriz da Madre Zapatista foi mais tranquila de gravar. É uma matriz com fundo removido, quase impossível de fazer registro se associada à outra matriz, e eu cheguei a fazer alguns testes de impressão utilizando papel amarelo Canson, tinta vermelha e uma prensa de tortillas mexicanas. O resultado me agrada, mas depois que eu fiz o teste de impressão com as duas matrizes juntas, o resultado é muito mais satisfatório.

Ao final, consegui isolar uma parte da impressão da bandana, e depois encaixar a matriz da Madre meio que no olhômetro. Fiz testes em três qualidade de papéis distintas: Hahnemühle, Arroz Japonês e Fibra Artesanal. Todas as impressões finais foram feitas com tinta de xilogravura a base de água e a impressão foi feita com baren, de forma bem artesanal. Todas as cópias disponíveis já estão à venda na loja online, com frete grátis para BH.

Diálogos com Prisca Paes

Para quem não sabe, Prisca Paes é uma grande amiga e artista, e também escreve em um blog sobre seus processos e suas ideias. Recentemente, ela escreveu um post falando um pouco sobre o que é a vida de um artista e como se preparar melhor para isso.

Essa publicação dela contém, de fato, muitas coisas que alguém que quer viver de arte deveria correr atrás ou, pelo menos, já dá uma ideia do que esperar quando você estiver nesse meio. Por mais que eu saiba o quão coerente são as afirmações dela, comigo o processo se deu de uma forma um pouco distinta, e a maioria das vezes essa culpa cabe única e exclusivamente a mim.

Não vou ficar repetindo aqui o que ela escreveu (entra no blog dela para ler, deixa de ser preguiçoso), mas vou falar das minhas experiências e frustrações com algumas das questões que ela colocou. Acredito que de vida acadêmica nós temos, mais ou menos, o mesmo tempo. Ingressamos na mesma faculdade de artes juntos, em 2011, mas em turnos diferentes. Fiquei sabendo da Prisca através de outra artista, Mariana Zani, que estudava nos dois turnos, e na época (2013 ou 2014) iriam utilizar minha estrutura de atelier para fazer serigrafias. Ainda assim, o projeto não foi para frente, e eu fui conhecer a Prisca Paes somente em uma feira de arte e publicações no Maletta, onde estava outra amiga em comum, Fabi Santana.

Apesar de sempre ter um pé nos quadrinhos e na arte urbana, seguir essa carreira nunca foi algo de meu interesse. Ingressei em uma faculdade de artes, porque alguém viu que eu pintava camisas à mão e disse que eu me daria bem na Escola Guignard. Eu acreditei nisso, afinal, depois de vários vestibulares de Comunicação Social, Design, Educação Física e um semestre em Geografia, me agradou a ideia de fugir um pouco dos meus planos.

Depois de 4 semestres estudando Artes Plásticas na Escola Guignard/UEMG me transferi para o curso de Artes Visuais da UFMG. As duas Escolas de Arte possuem características bem diferentes, e um perfil de idade dos alunos também. Se na época eu era um dos mais novos da minha sala na Guignard, na UFMG eu entrei como um dos mais velhos. E como estudante de arte, eu entendi que talvez eu não goste de ser artista, nesse molde contemporâneo, e viver o que as pessoas vivem. Ir em eventos e exposições é algo que me dá muita preguiça, e quando eu vou é para dar moral ou ver algum amigo. Ir nesses eventos é algo que me traz um certo repúdio, esbarrando em ego muito inflado de vários artistas, e sendo julgado o tempo todo por várias pessoas. Eu não gosto disso. E isso tem a ver com a questão de se inscrever em editais também. Durante a faculdade eu vi vários amigos que enviavam seu portfólio para ser julgado nesses editais, e muitos não conseguiam passar. Muitas vezes, o portfólio recebia uma avaliação ruim, e eu me perguntava se quem julgou utilizou de aspectos formais do trabalho ou de mero gosto pessoal, pois nunca há um retorno sobre onde você poderia melhorar. Inclusive eu vi professores que participaram de bancas e que disseram que o trabalho “ao vivo” eram bem melhor que as fotografias do portfólio, quando questionados os critérios de avaliação. O que me deu a entender que quem julga nem coragem possui para dizer sobre o trabalho na frente dos próprios artistas.

Nesse caso, me restam as redes que tecemos no nosso meio artístico para que possamos crescer juntos. É uma ideia interessantíssima, e ela funciona de verdade. Criando coletivos, grupos de discussão, diálogos positivos, isso tudo te faz ser um artista melhor, e também contribui para que a produção local seja melhor. Tenho inúmeros nomes que posso citar e ter a certeza de que são pessoas que me fizeram crescer de muitas formas enquanto artista, Prisca Paes é uma delas (sim, esse post é um diálogo com ela, ela é migs). Mas também é muito frustrante você achar que possui uma rede sólida e ainda assim “tomar na cara”, ver que sua rede funcionou apenas unilateralmente. Isso aconteceu comigo várias vezes, tive muitas decepções com isso, e talvez a minha mágoa em relação aos artistas belorizontinos (aqui eu generalizo, mas não são todos, rs).

Apesar dos pesares, foram as minhas redes que me fizeram conseguir caminhar por esses trajetos e muitos trabalhos que eu fiz foram por conta destas redes. Inclusive, conheci a Prisca através das redes que fomos tecendo. Estou longe de conseguir uma independência financeira através do que faço, geralmente termino o mês com a quantidade certa para pagar as contas e as dívidas, e muitas vezes preciso me ocupar em outras tarefas (pintar casas, fazer transcrição, etc) para minimamente me manter.

Dentro da faculdade de artes existem três questões, que para mim são muito relacionadas entre si, e que dialogam diretamente com os itens 1, 3 e 9 citados pela Prisca. Pelo menos na UFMG, a Escola de Belas Artes propõe um certo elitismo intelectual artístico, que compara a aptidão e competência dos alunos o tempo todo, transformando em uma disputa algo que era para ser um crescimento coletivo. Vi muitos amigos saírem da Escola de Belas Artes por conta disso. Sem contar o fato de que nem todo mundo tem grana para sustentar os gastos com os estudos e com a produção. De fato, se você não tem grana, seu trabalho é dobrado. Você vai custar a conseguir chegar em algum lugar se não tiver uma rede estável e apoiadora. Da mesma forma, tive muitos colegas de sala que possuíam um discurso muito conservador sobre as artes, levando todo tempo ao classicismo moralista de outrora e criticando aqueles que produzem arte para o comércio, para vender e poder se manter. Esses, geralmente, são os que possuem famílias muito ricas, e que não terão problema algum em ganhar dinheiro sendo intelectuais.

Quanto ao segundo item citado por Prisca, existe um grande paradoxo na minha opinião. Todo artista tem (ou deveria ter), pelo menos uma noção, de quanto vale o seu trabalho. Pelo menos aqueles que pretendem viver disso sabem o quanto gastam com material, o quanto tarda para produzir, a quantidade de esforço, e os gastos indiretos (espaço, equipamento, água, luz, internet, tempo de estudo) e acaba totalizando no valor final de cada peça. Esse não é um cálculo bobo, é bem complexo, e nós devemos, como afirmou Prisca, saber matemática sim. Porém, se você é um artista que não possui status, rede forte ou contatos ricos, fica muito complicado conseguir vender alguma peça.

Já passei por vários momentos de perder venda por causa do preço, e inclusive já vivenciei situações de pessoas que falaram que meu trabalho é “barato”, mas mesmo assim pediram desconto pra finalizar a compra. Ou aquela recorrente situação em que faço o orçamento para alguma prestação de serviço, impressão de serigrafia por exemplo, para uma pessoa que deseja um trabalho artesanal, mas compara o preço com um trabalho gráfico, de uma empresa que consegue baratear os custos devido ao equipamento que possuem. Nesses casos, nós artistas nos situamos em uma retórica que até dói um pouco, que é vender mais barato e conseguir pagar as contas ou não vender e passar perrengue por mais um tempo até conseguir outro trabalho. Tem muita gente que não valoriza a produção artística independente (e gasta muita grana com as graaandes empresas), mas foca seu olhar em quem já conquistou muita coisa e hoje, talvez, nem precise mais daquela venda. Fico me perguntando como ter um trabalho acessível financeiramente (que as pessoas da minha rede, que não são ricas e geralmente são amigos e família, possam comprar) e que não me traga prejuízos (afinal, cê já viu os preços dos materiais de arte?).

Ah, e não vamos esquecer o tanto de vezes que eu escutei: “você precisa se valorizar mais”, “as pessoas não dão valor a trabalhos muito baratos, acham que não tem qualidade”. Mas aí voltamos ao paradoxo inicial, como me valorizar se as pessoas não o fazem e como precificar sem elitizar meu trabalho?

No mais, Prisca foi muito feliz em suas afirmações. Cuide das suas contas e finanças, seja organizado, saiba dar valor ao seu trabalho e ao seu tempo. Fortaleça suas redes e estude muito, o tempo todo. Trate tudo que você faz como se fossem estudos e não dê ouvidos à nada que não seja positivo para si, pois muita gente nos machuca com palavras nesses ambientes, mesmo sem o propósito para tal.

Espero não ter sido rude aqui, e estou sempre aberto a diálogos.

Abraços firmes distanciados.

Escrita de fluxo

Toda terça-feira de noite eu participo de um Laboratório de Fanzine online, ofertado pelo Estratégias Narrativas e ministrado pelas minhas amigas Bianca de Sá e Mariana Zande a.k.a Papelícula, e ontem foi um dia interessante onde começamos fazendo um exercício de escrita, para desembolar as ideias de maneira livre durante 10 minutos, e eu escrevi sobre o que eu fiz durante meu dia. Segue a transcrição na íntegra:

“Hoje eu passei o dia testando cores. Já tentou fazer mistura de cores com tintas não-primárias e sendo daltônico? É um sistema muito complexo. Para fazer o verde sabemos que se utiliza o amarelo com o azul. Mas temos amarelo-limão, amarelo-ouro e amarelo-ocre. Temos azul-marinho, azul-médio, azul-claro, azul-petróleo. Pode-se misturar todos que o verde que tenho em mente nunca sai. Adiciono branco opaco e branco transparente, adiciono preto, adiciono aditivo para a tinta ficar menos espessa, nada. Não chega. Vou para a tentativa de criar um azul-turquesa. É um azul que também é verde. Mas que não há definição precisa sobre o que seja. Alguns enxergam uma coisa, outros enxergam outra. Parece com o mar, mas parece com uma piscina. Eu nunca vi uma pedra de turquesa, e fico pensando se parece com turquesa. Não dá certo, chego perto, mas ainda muito diferente. Alguns dizem que falta mais verde para chegar na cor turquesa, outros dizem que falta mais azul. Enquanto isso eu enxergo tudo cinza. Um amigo me disse que os tons azulados vibram na mesma frequência que os tons cinzas. E eu paro para pensar porque se chama verde-turquesa, já que não vibra no mesmo tom dos verdes. Desisto, vou tentar fazer um marrom. Vermelho com preto, fica bonina. Adiciono amarelo, adiciono verde, não fica marrom. Eu vejo um bonina e vejo um marrom. Não sei diferenciar. Penso em um pote de açaí. É marrom? É bonina? É roxo? Toda loja que vende açaí tem as paredes pintadas de roxo.”

Meu texto terminou aí pois se acabaram os 10 minutos de escrita desembolada. Poderia escrever muito mais sobre o tema, mas por hoje é isso aí.

Sobre policromia e serigrafia

Neste mês de Junho estou retomando as atividades em meu atelier. Fiquei um tempo parado, tentando trabalhar em casa e, desde o início deste mês, iniciei uma série de reformas no meu espaço de trabalho. Ainda precisando aquecer as técnicas, andei treinando algumas coisas para retomar as atividades, reorganizar os espaços, ver os materiais que ainda tenho disponíveis, o que ainda dá para usar, formas de trabalho e locais de produção. Isso tudo é um processo de reorganização para me adequar à rotina de trabalho novamente.

Uma das técnicas que andei treinando na serigrafia é a de POLICROMIA. Policromia é uma técnica de impressão em 4 cores básicas (ciano, amarelo, magenta e preto – CMYK) em que o resultado fica bem próximo de uma imagem fotográfica. A combinação destas 4 cores, consegue fazer com que nossos olhos enxerguem uma gama gigantesca de tonalidades. Desde 2014 que eu não trabalhava com essa técnica, e acho que foi um bom momento para testar meu conhecimento.

Impressão separada das cores Ciano, Magenta, Amarelo e Preto

A policromia é um conjunto de pontos, de diferentes cores e tamanhos, e é justamente esse efeito que engana os nossos olhos. É a forma gráfica do que podemos chamar de realismo na serigrafia artesanal. Como veremos nas fotografias a seguir, os pontos possuem diâmetros diversos, e nas fotografias utilizando uma lente MACRO, podemos ver detalhes da sobreposição destes pontos.

O resultado final da impressão, imagem que está logo a seguir, pode ser adquirido em formato A3, papel Canson 140g através da Loja Online. Em breve farei um vídeo tutorial ensinando a fazer, desde o processo no computador até a impressão final.

Impressão final, com as 4 cores sobrepostas.

Espero que tenham curtido, porque eu curti demais voltar a trabalhar forte na serigrafia. Abraços.

Sketchbooks e a arte de desenhar sem compromisso

Desde que eu ingressei em uma faculdade de artes tenho o hábito de andar sempre com um caderninho, para desenhos rápidos, para anotações, para aulas. Foi um hábito interessante, pois quando retomo esses cadernos começo a me lembrar de vários momentos passados, de situações, de ideias. São ótimos registros de determinada época.

No início, meu cadernos eram bem desorganizados. Possuíam muitas anotações de aulas, resenhas de livros, fichamentos, pequenos desenhos, doodles, desenhos feitos em aulas entediantes, começava a desenhar de um lado, na outra página as informações já estavam de cabeça para baixo, comecei a compor a partir do fim algumas informações, e com isso já se passaram 10 anos de conteúdo confuso.

A caligrafia e o lettering são técnicas que eu sempre tive interesse, e em 2018 eu cheguei a pegar algumas aulas com o Leoni Paganotti, e pude aprender bastante sobre esse tipo de arte. Desde que as aulas terminaram, eu meio que tento treinar e aprender por conta própria, vendo vídeos no YouTube, vendo tutoriais, videoaulas e apostilas, e pegando muitas referências de escritores via internet.

Esse ano, e com o início do isolamento social, tive a ideia de criar meu primeiro caderninho (também conhecido como sketchbook) temático. Pescando essa ideia do lettering e da caligrafia, pensei que poderia fazer um sketchbook totalmente de palavras. Uma coisa recorrente na hora de treinar escrita, é justamente saber o que escrever. Portanto, eu tive a ideia de pedir sugestões das pessoas que me seguem no Instagram, e diariamente eu escrevi 2 sugestões, durante 25 dias corridos. Me coloquei essa tarefa pois queria me sentir um pouco produtivo nesse isolamento, já que vários trabalhos estavam suspensos e meu atelier estava fechado. Meu único compromisso foi escrever 2 palavras por dia. Eu fazia as páginas enquanto tomava café da manhã, escutando músicas. Algumas páginas foram feitas com mais tempo, outras com menos. Para algumas eu fiz esboço, para outras foi diretamente no marcador e no papel, sem preparação prévia.

Foi uma atividade bem interessante, e eu pretendo fazer outros sketchbooks temáticos.

O resultado pode ser visto nos destaques dos stories no meu Instagram, ou no vídeo abaixo, disponível no meu canal no YouTube.

Criando a estampa da bolsa para guardar e transportar livros

Já faz um tempo que eu, juntamente com migs, temos um Clube do Livro. Não é que a gente siga os moldes tradicionais de todes lerem os mesmos livros pra gente discutir em um encontro, mas é uma justificativa para trocarmos e indicarmos leituras uns aos outros, encontrar para comer e beber, trocar ideias e se rolar da galera ler o mesmo livro, aí fica um encontro mais daora ainda. Apenas conseguimos realizar essa façanha do todes lerem o mesmo livro agora no isolamento, pois fizemos votação de pdf’s, onde cada um indicou um livro que existe em pdf, ebook, etc, e todos votavam no que acharam a melhor opção, sendo que você não podia votar na sua própria opção. Deu certo!! O encontro virtual tem rolado sempre no segundo sábado de cada mês, e para comemorar, decidi escrever um pouco sobre o processo de produção da bolsa de guardar e transportar livros. Já tínhamos conhecimento da existência desse objeto, vimos vários modelos, treinamos a costura e decidimos criar o nosso próprio.

No meu primeiro esboço, pensei em colocar elementos que fazem parte dos nossos encontros. Livros, vinho e pão, pois representam parte da essência do encontro pois, como disse no primeiro parágrafo, é um local de trocar e indicar livros, conversar sobre, comer e beber. Também adicionei uma faixa descrevendo o nome do encontro, e acima de tudo a indicação de propriedade “Ex Libris”, fazendo a associação com o motivo do encontro.

Depois de medir os tamanhos, de forma que coubesse um livro pequeno, um kindle ou até um livro maior e mais grosso, conseguimos chegar a um tamanho satisfatório. Minha esposa fez os moldes e cortou o pano Americano Cru para que fizéssemos as bolsas.

Arte final pronta para gravação

Depois de discutir com todo o grupo alguns elementos que iriam para a imagem, adicionamos as folhagens da parte inferior, o vaso de cactus e a parreira, deixando a imagem com um ar mais fluido, clássico, chique e refinado. Finalizei a imagem com caneta Posca, marcando as linhas, as hachuras e os contrastes, deixando a arte final pronta para gravar a tela de serigrafia.

Tela gravada e tudo pronto para a impressão. O Americano Cru enruga um pouco após cada impressão, e eu ainda fiquei meio bolado se a impressão, ao secar, ficaria meio torta. Acabou que não ficou, e depois eu também descobri que é sempre bom lavar o Americano Cru antes de silkar, para as tramas se ajustarem. Depois vou fazer um teste assim pra saber se fica melhor ou não.

Trabalho de silk finalizado, hora de fechar a costura e dar o acabamento que falta. Deixamos um túnel na borda para passar um cordão e poder fechar a bolsa. Resultado bem satisfatório. Livros protegidos para transporte, com direito a personalização do nosso Clube.

Fazendo estampas de camisas

Olá, subi mais um vídeo pro meu canal do YouTube. Desta vez ensino a fazer estampas em camisas utilizando a técnica do stencil. É uma técnica simples, que você consegue reproduzir em várias camisas, misturar cores e estilos.

O vídeo é gratuito, mas se você quiser colaborar com qualquer volar, segue o link para a doação: https://laidea.minestore.com.br/produtos/doacao-para-cursos-online

No mais, espero que gostem. Qualquer dúvida, sugestão ou comentário, entre em contato pela caixa de comentários do WordPress ou do YouTube.

Abraços

 

 

Experimento simples sobre a relação entre observar e desenhar

Se existe algo que eu defendo enfaticamente no mundo da arte, é que não existe uma fórmula secreta para ensinar arte. Não estou falando de teoria, estou falando de prática. Por mais que existam fundamentos técnicos que ajudam, e muito, na hora de desenhar (como perspectiva, luz e sombra, proporção, textura, etc), nada vai te fazer evoluir tanto quanto o poder da observação e da experiência.

Por favor, não quero que com esse post passemos a hierarquizar os estilos de desenhos, ou a dizer se são infantis ou profissionais, não vem ao caso. Eu sou a favor de que todos sabem desenhar, mas falta experiência e observação para que possamos mudar nosso modo de desenhar. Já escutei muitos adultos dizendo que não sabem desenhar, e quando tentam colocar alguma coisa no papel, apenas conseguem rabiscar aqueles desenhos bem infantilizados, de coisas que fizemos na pré-escola e que, sinceramente, não lembro de termos visto com nossos próprios olhos: uma casa com uma chaminé, uma macieira, um barco a vela…

Nosso primeiro instinto é desenhar essas coisas, porque é o que ficou registrado em nossa memória, e quando falamos em desenhar, resgatamos essas memórias de desenhos que fazíamos quando éramos crianças. Com o passar do tempo, essas experiências de desenho são, cada vez mais, colocadas de lado para a maioria dos jovens, pois na escola e na vida, outras áreas de conhecimento são colocadas como prioridades.

Destaco aqui o fator memória, pois é aqui que aprendemos realmente a desenhar. Todo desenho que fazemos depende da memória, do quanto registramos a imagem do objeto em nosso cérebro. Eu olho para uma árvore, por exemplo, e vejo características bem diferentes em relação ao desenho de uma macieira que eu aprendi a fazer quando criança. O formato da árvore é diferente, o tronco é diferente, os galhos e as folhas também são diferentes. Eu nunca vi uma macieira, mas meu desenho de memória é uma macieira. Hoje, quando observo, eu observo outra árvore, uma jaboticabeira (é o exemplo mais próximo que eu tenho). A jaboticabeira tem o tronco estreito, alongado, com manchas. As frutas nascem por todo os galhos. As folhas não são tão abundantes, e não tem nada a ver com uma macieira, nem com o desenho que eu aprendi de uma macieira.

Se eu observo os detalhes de uma árvore qualquer, vejo que cada árvore possui suas próprias características, e essas observações ficam registradas na minha memória para que eu possa desenhar essas árvores em outro momento.

Assim funciona qualquer desenho. Quando eu faço um desenho de observação eu não desenho o que estou vendo, eu desenho o que ficou registrado na minha memória sobre o que eu vi. Eu olho para o objeto, registro na memória e tento reproduzir no papel. Todo desenho é um desenho a partir da memória.

Recentemente, fiz um experimento simples para poder exemplificar o que estou dizendo. Minha esposa diz não consegue desenhar e nunca usou uma mesa digitalizadora (dessas pra desenhar no computador), mas começou a fazer alguns desenhos no Photoshop. Ela fez um prato com bolinhos de falafels, e eu não consegui deduzir o que era (Imagem 1). Logo após, ela fez um sanduíche de falafel, supondo que eu acertaria o desenho, mas eu achei que fosse um rolinho primavera (Imagem 2).

falafel1
Imagem 1

falafel2
Imagem 2

Constantemente ela me dizia que não conseguia desenhar, que não possuía coordenação motora para a tarefa, e eu propus um exercício bem simples.

Busquei no Google uma imagem de um sanduíche de falafel, abri a imagem no Photoshop e pedi para ela desenhar por cima da fotografia (Imagens 3 e 4).

Ultimate-Baked-Falafel-Wraps-with-Citrus-Tahini-Dressing
Imagem 3

falafel4
Imagem 4

Logo depois, abri um arquivo em branco e pedi para ela desenhar um sanduíche de falafel só com as informações que ela possui na memória (Imagem 5).

Imagem 5
Imagem 5

Nota-se que o último desenho do sanduíche de falafel possui uma riqueza de detalhes muito maior em relação ao primeiro sanduíche de falafel. Isto é explicado com o fato de que o último desenho foi feito com a memória do desenho feito por cima da fotografia, onde observou-se os detalhes do alimento, onde tem falafel, onde tem molho, onde tem folhas, onde está a massa enrolada. Quanto mais o objeto é observado e quanto mais uma pessoa tenta desenhar com as informações registradas na memória, mais parecido com a realidade o desenho ficará.

O ato de observar e contemplar um objeto ou uma cena está diretamente relacionado com o ato de desenhar. É na observação que registramos os detalhes em nossa memória, e é na contemplação que esse registro ganha significados. O poder da experiência consiste nessas práticas. Quanto mais você observar um objeto/imagem/cena, mais registros você terá em sua memória para depois poder reproduzir ou criar sem referências visuais dos objetos. Eu garanto que o sanduíche de falafel nunca mais será o mesmo depois desse experimento, e os próximos passos são compreender a parte técnica (textura, cores, luz e sombra, proporção, perspectiva, etc), mas aí já é outra história.

Nostalgia em meio ao distanciamento social

Em meio a vídeos de asiáticos construindo casas de madeira com piscinas, recordes de dominós derrubados em sequência e que formam desenhos, trens em miniatura rodando por trilhos em toda a casa e vídeos impressionantes de pessoas descendo toboáguas ao redor do mundo, há coisas mais interessantes que merecem espaço na minha memória. Não estou falando dos vídeos impressionantes do tsunami de 2011 no Japão, ou dos vídeos informativos do Meteoro ou do Greg News, e, na real, nem tem a ver com vídeos de YouTube. A real é que eu fui um jovem que, como muitos nascidos no final dos anos 80, cresceu antes do mundo virtual, e isso foi muito massa.

Ontem estava conversando com minha esposa e com uma amiga, e ficamos lembrando, um pouco, como era na nossa época de jovens, onde circulamos em show de punk e hardcore no início dos anos 2000. Tivemos realidades bem diferentes, pois as criações sempre mudam dependendo dos pais, do local em que vivemos e dos nossos interesses. E aqui eu vou escrever sobre as minhas experiências.

Quando jovem, eu passava boa parte do meu tempo no final de semana andando de skate, bebendo bebida barata (famoso tubão) e indo em portas de show de punk e hardcore. Sim, eu ia na porta dos shows, raramente entrava, pois nem sempre eu tinha dinheiro o suficiente para pagar por um ingresso. Falando assim parece bobo, mas essas portas de eventos me proporcionaram grandes amizades, ótimos momentos ao lado de amigos e foi onde conheci muitas ideias e bandas novas. Os eventos, ou shows/gigs, eram importantíssimos na época para a gente conhecer bandas e ideias. Eu conhecia muitas bandas vendo as camisas que as pessoas usavam, trocávamos fitas k7, cd’s, e muita informação vinha através de zines. E vários amigos que fiz na época me ensinaram a fazer uma “intera” para pagar ingresso de algum evento.

Acho que foi importantíssimo para a nossa formação frequentar diferentes eventos, entrando ou se mantendo na porta, porque a informação sempre circulava. Os zines e as camisas de bandas eram diferentes se você ia no Dias de Caos, na União Punk dos Becos das Favelas de Santa Luzia, num show grande no Lapa Multishow que vinha bandas de fora do estado e/ou do país, algum evento no Matriz, um Goró Punk, ou um evento em alguma pista de skate. Circulavam pessoas diferentes, e era massa, porque, apesar das tretas que rolavam, eu sentia muita união entre todo mundo. Frequentei eventos de anarquistas, punks, hardcores, rap, metal, bandas mais melódicas, bandas locais, e sempre encontrava com alguém conhecido. A quantidade de pessoas que conheci sentado na porta ou no meio do Mosh, enquanto rolava um cumprimento após cada música da banda que estava tocando, são memórias que seguem ricas até hoje.

Ainda que eu entenda a falta de maturidade que eu tinha para lidar com as ideias e com as informações, reconheço que foi um período em que tudo circulava nesse submundo. Os zines eram feitos de maneira bem caseira, bem artesanal, os k7 também eram gravados de discos e cd’s e assim eram colocados para circular, e a cópia foi uma ferramente de disseminação de ideias. Pensando bem, talvez por isso eu goste tanto de gravura, de reproduzir minha matriz. Está comigo desde muitos anos.

Repensar a importância desta época tornou-se fundamental para pensar em algumas questões contemporâneas. Hoje os eventos são poucos e estão bem vazios, com pouco público. As informações não circulam impressas, e o profissionalismo faz com que muitos optem pela venda de zines e publicações do underground. Conhecer pessoas e músicas se tornaram tarefas puramente virtuais, e muitas das relações acontecem apenas aí. As ideias hoje circulam mais rápido, e temos acesso a muito coisa que é produzida nos quatro cantos do mundo, inclusive o que produzimos consegue chegar mais rápido a todos esses lugares. Mas as relações humanas físicas e presenciais seguem diminuindo, e acho que isso é uma tendência mundial com toda essa tecnologia da internet mantendo todos dependentes de aplicativos todo o tempo.

Lembro disso tudo, pois foi uma época muito boa. A maioria das músicas que eu escuto hoje são de bandas que conheci nessa época, e muitas das letras das músicas me formaram como pessoa. E sou muito agradecido por isso. Aos amigos da época, que hoje se dividem em conhecidos, grandes amigos e família, deixo aqui meu profundo agradecimento por fazerem parte da época, a tornaram tempos inesquecíveis.

É uma pena perceber essa queda do movimento, sobretudo já há alguns anos, mas feliz por saber que muita gente foi marcada por experiências como as minhas.

Aulas virtuais – Linoleogravura

Olá amiges, hoje inicio uma nova era no que diz respeito a trabalho. Em tempos de COVID-19 muitas pessoas têm buscado soluções através da exposição virtual em busca de manutenção das contas, de sanidade e de ampliação das redes. Comigo não será diferente. Comecei a gravar algumas vídeo-aulas onde ensinarei algumas técnicas de gravura, apresentarei alguns trabalhos de forma bem didática, e espero muito que essa metodologia dê certo. Pode ser que seja um “tiro no escuro”, pois o conteúdo é bem parecido com os que eu ensino nos cursos e oficinas presenciais, e pode ser que eu perca alguns possíveis alunes do meu atelier, mas estou confiante que com os vídeos eu consiga outres alunes e que as oficinas presenciais se tornem experiências mais ricas, com mais trocas, consultorias e produção mais ativa. Pelo menos é o que eu espero.

Para inaugurar esse novo tempo, disponibilizei de forma gratuita no meu canal do YouTube a primeira aula, que é de Linoleogravura. É uma aula de 1 hora de duração, onde veremos desde o desenho, passando pelo decalque e gravação, até a impressão. Falaremos sobre os materiais, alguns procedimentos, conheceremos as formas de se fazer, e a ideia é aprofundar nas técnicas aos poucos. Começar com a linoleogravura é um passo bem grande para quem pretende iniciar nas técnicas de gravura.

Além do curso de linóleo, ainda pretendo publicar as aulas de matriz perdida, linóleo/xilo com várias camadas, impressão em degradê, stencil básico, stencil para estampas, stencil intermediário, stencil avançado, serigrafia “na tora”, e serigrafia básica.

Ainda não filmei tudo, e tem sido um desafio muito grande pensar no roteiro das aulas, coletar essas imagens, editar e fazer propaganda, tudo isso ocupa boa parte do meu tempo, e eu gastei em torno de 5 dias para conseguir publicar essa primeira aula de 1 hora de duração.

Os cursos, apesar de gratuitos online, geram custos de produção e eu disponibilizei através deste link uma oportunidade para receber doações de qualquer valor, caso você possa e tenha o interesse de ajudar na manutenção dos vídeos.

O link para assistir a aula já está disponível, espero que gostem. Se tiver sugestões, críticas, comentários, podem publicar aqui ou na caixa de comentários do YouTube.

Abraços

 

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 2

Dando segmento à minha pesquisa sobre a relação entre o punk rock e a educação, trago mais algumas letras que eu acho que tem a ver com minhas indagações no post anterior. Escreverei sobre algumas letras das bandas Solstício (RJ), Constrito (SP) e Ayat Akrass (PR). Essas bandas não se encaixam no gênero punk rock, estão mais para um Hardcore, Metalcore, Rapcore, e esses subgêneros. São bandas com letras bem coerentes e conteúdos muito politizados. Apesar de não serem “punk rock“, acho que o meio em que estão inseridas, nesse underground politizado, são bem similares, e eu acredito que poderiam muito bem dividir palco e público no mesmo evento. Para além dessa diferença conceitual, o que desejo com esse texto é fazer pequenas análises, relacionando o contexto educacional com algumas letras de hardcore, trazendo a discussão para uma comparação com a conteporaneidade.

Trago algumas referências ideológicas de Louis Althusser, e concordo plenamente de que o sistema de ensino é um aparelho ideológico do estado, e que a educação, sobretudo pública, vai tentar reproduzir ou impor o que ela entende que seja necessário para manter as engrenagens do estado funcionando corretamente. A existência de escolas técnicas, por exemplo, serve exclusivamente para formar mãos de obra para o mercado, e é o lugar onde as disciplinas de humanas e de criação/expressão são completamente ignoradas. O estado, hoje, sugere que toda educação siga uma linha tecnicista, e ataca diretamente qualquer disciplina que incita o pensamento e a reflexão sobre o ser e sobre o que vivemos. Não estou dizendo que o estado sempre age assim, mas a opinião pública, muito preocupada com o desemprego, pesca esse discurso como se fosse uma referência boa, e se como todos os jovens e adultos devessem tomar essa referência como futuro.

A música “Espaço de Conhecimento” da banda Constrito faz uma crítica direta a esse tipo de política. Baseados em princípios neoliberais e apoiados pelas agências de financiamentos mundiais (Banco Mundial, BID, FMI, Unesco, Unicef, etc), o estado de São Paulo propunha uma reforma educacional na segunda metade dos anos 90 e no início dos anos 2000, e ao que me parece gerou calorosos debates sobre a implantação do sistema. Foi uma imposição que veio de “cima para baixo” e hoje sabemos que os governantes lograram com as reformas. Acredito que esse tipo de política educacional que ignora os anseios dos alunos, colocando todos sob o mesmo patamar de desejos seja uma das formas mais cruel de confinamento dos sonhos. Elas ignoram que os jovens possam trabalhar em qualquer área, e não somente servir de uma futura mão de obra sem especialiades. Contudo elas continuam sendo prioridade nas agendas de muitos governos porque são um prato cheio para a manutenção de políticas conservadoras e ligadas à direita. Manter uma sociedade dividida em classes, com diferentes níveis salariais e cargas horárias de trabalho, é essencial para esse tipo de engrenagem funcionar. Faz o funcionário depender do salário, geralmente baixo, e não permite tempo de pensamentos e reflexões. Isso evita reuniões de trabalhadores para reivindicar melhores condições, afinal só querem manter o salário em dia. A política, assim, atua para manter o mercado aquecido e funcionando, com muita gente produzindo para gerar riqueza para poucos.

“Diminuir drasticamente a carga horária semanal
Nas escolas da rede pública do estado
Gera milhões de desempregados,
Além dos desdobramentos funestos à formação
Da cidadania dos alunos do estado de são paulo,
A liberdade de criação e desenvolvimento
Das escolas estaduais públicas
Vem sendo continuamente desrespeitada.
Um cenário de desprestígio, (de) demérito,
Para a formação nas áreas de ciências humanas;
Tal como o regime militar operou em décadas passadas,
Medidas impostas de “cima para baixo” somente anunciaram
E realizaram um futuro melhor para poucos,
Implementando-se às custas de enormes prejuízos sociais,
A eles (o governo estadual) importa estabelecer uma
Nova regulamentação do mercado de trabalho.
Mediante uma desregulamentação de profissões,
Disciplinando as classes subalternas via elementos
Coercitivos geradores de um “mal mercado”.
Para dirigirem o processo de “atualização”
Do país aos ditames da globalização.
É impensável a formação de indivíduo
Adaptado ao mercado globalizado
Sem o concurso de uma sólida formação
No campo das ciências humanas.
Acreditamos numa escola
Que seja um espaço de conhecimento
E não um espaço institucional,
Disciplinador e autoritário…”

Constrito – Espaço de Conhecimento

Pensando na questão da educação, a interdisciplinariedade de todas as as áreas de conhecimento é fundamental para a libertação individual e coletiva de qualquer sociedade. É preciso entender que tudo que fazemos em nossas vidas são estudos, desde plantar/colher, a escrever/ler, pensar estratégias, dialogar, criar, produzir, refletir. Tudo  faz parte do pressuposto em que várias áreas de conhecimento estão interligadas, e co-dependem umas das outras para se desenvolverem. Pensa em Leonardo da Vinci, que produzia muita coisa em diversas áreas, pesquisava tudo que o deixava curioso, e só assim conseguiu revoluionar vários campos da ciência, como arte, filosofia, medicina, engenharia, e nunca se limitou unicamente a apenas um campo de pesquisa.

A educação, como é hoje na maioria das instituições, priva os alunos desse tipo de ensino, fragmenta o conhecimento e transforma todo o processo em uma disputa meritocrática. Competições de conhecimentos, melhores notas, provas, fracasso escolar, repetência, prêmios e punições. Valorização de algumas áreas em detrimento de outras, e falta de empatia com os alunos que não se adaptam ao modelo. Esse é o tipo de educação voltado exclusivamente para o mercado. Funciona como uma preparação para o que é a vida hoje, essa competição mercadológica pelo melhor cargo, pelo melhor salário, o desprezo pelas áreas de humanas, que costumam pagar menos (nos empregos públicos e privados) que as biológicas e exatas, por exemplo. A música “Taylor” da banda Solstício exemplifica bem essa ideia.

“Não posso calar ou ceder, me entregar ao torpor. Estou tão cheio de ódio, farto do medo e da dor. Noto que sonho acordado, a realidade é ilusão. Moldando os seus pensamentos te mantêm nessa prisão. E conhecer o inimigo para se opor é impossível, com a mídia ao inteiro dispor da estrutura de domínio que ascende às nações. Donos das nossas vidas, grandes corporações.

Somos partes da linha de produção. Peças descartadas com as variações do mercado.
A cada nova tecnologia nos tornamos mais desgraçados. Buscando liberdade nos encantamos com a servidão.

Uns poucos lutam, gritam, mostram sua revolta. Não quero crer que onde estamos já não há mais volta. Mais-valia é um crime e o povo não acorda. A escola não cria cidadãos mas mão-de-obra. E se a família é uma fábrica de competidores, a favela é destinada aos perdedores. Temos as vidas vendidas na bolsa de valores. Nos alienaram ao nosso próprio destino.”

Solstício – Taylor

A minha questão com o ensino por parte do estado ser uma imposição do que os governantes acreditem ser necessários para a manutenção desse tipo de sistema, se deve ao fato de o estado possuir várias opções de ações,  mas que nem sempre ele opta pelo o que é melhor para a população. Pense nos dias de hoje com toda essa questão do corona vírus e quais ações um governante pode adotar para proteger a sociedade. Há experiências de países que já passaram pelo pior, países que estão passando pelo pior e países que irão passar pelo pior. Há recomendações de cientistas, virologistas, médicos e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o que deve ser feito para que o estrago não seja tão grande. Nesse sentido o governante pode optar por uma quarentena obrigatória, pelo isolamento/distanciamento social e pelo pleno funcionamento de todas as atividades, sem parar nada. Um governante precisa escolher alguma destas alternativas. Ele pode basear suas decisões em estudos científicos, em experiências políticas de países que já estão lidando com o vírus há mais tempo, pelas sugestões da OMS, ou ele pode optar por suas próprias decisões, sem muitos critérios além da convicção pessoal. Cada governante vai decidir pelo que lhe convier politicamente. No sistema de ensino o funcionamento é bem parecido. Os governantes podem optar pelas políticas educacionais que lhe convém, baseado na ciência, na sociedade, nas pesquisas ou no senso comum, que vai funcionar para aquele tempo de mandato. Depois dos 4 anos, pode ser que tudo mude e venha outra política.

A música “Quadro Negro” da banda Ayat Akrass traz um pouco dessa perspectiva. Políticas de estado e de governo que asseguram a manutenção do sistema de acordo com suas próprias convições políticas. É ignorado o que os indivíduos almejam, os estudantes não são escutados e tudo o que irão saber é somente o que o plano político de ensino determina. Óbvio que alguns professores têm ou sentem autonomia e confiança o suficiente para criar seus próprios planos de estudos, mas é difícil fugir do que é imposto, e atualmente a sociedade exige muito mais nesse sentido (isso é uma antítese da participação da comunidade da escola). Eles exigem coisas que não são dever da escola, e reclamam por algo que não sabem o que é, por exemplo, “doutrinar os alunos”.

“Rachaduras e cacos de vidro estilhaçados pelo chão, em frente às mesmas paredes cinza que insistem manter-se erguidas.
O medo conflitando com a perseverança, a esperança e o amor conflitando com a desestruturação e a ruína. A dinâmica neoliberal sangra o ensino defasando o professorado, alienando e destruindo as possibilidades de progresso do proletariado, assegurando a hegemonia burguesa. A mesma parede cinza por trás do quadro negro, silencia perante genocídio previamente calculado da organização popular. Desconstruindo sonhos e programando futuros corpos-bomba.”

Ayat Akrass – Quadro Negro

Pensando um pouco na questão coletiva nesse momento de incertezas quanto ao futuro e de paralização das atividades educacionais como forma de conter a contaminação por Corona Vírus, a educação entra em discussão novamente. Em Minas Gerais o governo suspendeu as aulas sob pressão social, mas a todo tempo tenta criar alguma política de retorno às aulas, ao ensino por distância, ou dar afazeres para os professores que estão de férias obrigatórias nesse período. Incomoda muito o governo manter os professores parados, e há também uma pressão por parte dos pais, que não sabem o que fazer com os filhos em casa. Se você não acredita, basta ver as várias notícias sugerindo atividades e afazeres para praticar com os filhos dentro de casa. Talvez por isso a cobrança em cima da escola sobre a educação com os filhos. Os pais parecem não saber o que fazer, em como educar, e delega isso ao sistema educacional. Mas não é apenas deixar na escola para que a escola ensine. Eles colocam na escola e querem que a escola ensine o que eles acham adequado. Isso inclui não somente as disicplinas tradicionais, mas ideologias e costumes, travestidos de moral. Essa é a minha ideia sobre o que a sociedade entende por papel da escola.

Eu penso, e volto a repetir aqui, que a escola deveria sim existir, porém como um lugar de construção de liberdade, autonomia, respeito e coletivismo. A educação acontece dentro e fora do embiente escolar, e o aprendizado existe em todas as tarefas que exercemos como indivíduos e em nossa interação com outros. Imagine o que estaríamos passando se não houvesse essa competição por insumos médicos, essa pressão de ter que ficar em casa entediado e, sobretudo, essa briga política na corrida pelo bem estar (ou mal-estar) social? Tudo parte da educação e o reflexo dessa sociedade que vemos hoje são resultados das políticas educacionais que vivemos. A relação com os professores é importante, bem como a relação com os colegas, com a família, com a cidade, com os amigos e com os inimigos. Tudo é educação.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 1

Escutar músicas de bandas punk é algo que eu curto desde minha adolescência. Boa parte dessas bandas e suas respectivas letras formaram meu caráter. Felizmente, o caráter é algo que sofre metamorfoses todos os dias, e nem tudo que eu acreditava há 15 anos atrás eu acredito hoje. Muitas ideias e atitudes mudaram com o tempo e eu acho legal que isso aconteça. Acredito que é uma forma de reconhecer a maturidade das ideias, e também de entender que tudo é um acumulado de bagagem teórica e prática que larga mão de alguma coisa para poder acoplar outra que faça mais sentido.

Recentemente, apresentei meu TCC onde reflito um pouco sobre a influência do hardcore/punk/anarquismo na minha vida e nas metodologias de educação contemporâneas. Tentei fazer um estudo sobre educação e anarquismo, mas isso é muito denso para o tempo que eu tinha, portanto eu acabei me concentrando na comparação dos sistemas de educação formais e não-formais em que pude trabalhar, e algumas reflexões sobre os espaços e métodos. Utilizei como referência, principalmente, Ana Mae Barbosa, Paulo Freire e Silvio Gallo, e cruzei temas sobre educação para a liberdade, papel da arte-educação e educação libertária. Meu objetivo era criar uma discussão sobre como ser professor/instrutor/facilitador para formar sujeitos livres. Nesses tempos de quarentena eu irei reformular meus capítulos, e se tudo der certo eu lanço uma edição física e em pdf para poder compartilhar, pois muita gente se interessou pelo tema.

Para começar a discussão coloco uma epígrafe onde transcrevo, de forma literal, a letra “O Poder do Pensamento Negativo” da banda Colligere. Essa talvez seja a letra que mais me provoca no sentido de refletir sobre nossas ações que possuem como finalidade alcançar a “liberdade”. Claro que cada ser, a partir de seus preceitos e conhecimentos, possui um conceito diferente sobre ‘ser livre’, e eu não quero, de forma alguma, impor algo.

“As lições estão no quadro – a salvação no altar
Nós trocamos os desejos por aceitação
Pessoas têm o seu papel – você aprende o seu
Te ensinam o destino, mas não de onde provém
Talvez isso explique a existência de heróis
Pessoas como nunca vamos ser – livres e fortes
Você aprende o que comprar
Para esquecer sua falta de poder e de liberdade
Sua vida vai embora – você reza pro tempo passar
No final, é tudo uma questão de aceitar as regras
Abrir mão de algumas coisas para ter outras
Natureza é conflito. Sociedade é submissão
A conveniência se impõe sobre a liberdade
E o poder se impõe sobre a vontade
Quem constrói a verdade controla sua vida.
Cansados de perder, alguns tentam mudar por dentro.”

Colligere – O Poder do Pensamento Negativo

Essa música abre o álbum “Sobre determinação e desespero”, lançado no ano 2000. Faz 17 anos que essa letra me gera incômodo, pois cada vez que eu escuto, eu compreendo o quão ainda estou longe de ser um sujeito livre. E estando longe de ser um sujeito livre como eu poderia formar sujeitos livres? Ser um sujeito crítico significa ser livre?

Colligere não é bem uma banda punk. É uma banda de hardcore cujas letras me estimulam refletir, pensar, propor e discutir algum tema. É uma chama disparadora de questionamentos sobre diversas situações, e durante muito tempo foi fonte de referências para produzir e para sobreviver. Suas letras possuem fragmentos de diversas obras literárias, de ficções, de teorias, de poesia, de outras músicas, e muitas vezes, ao escutar, você cria as associações: “Esse trecho é de tal livro!”. Já encontrei Fernando Pessoa, Guy Debord, Milan Kundera, só para citar alguns, e tenho certeza de que você encontrará outras referências também.

Durante muitos anos venho analisando as letras de musicas de bandas punk e percebo que elas escancaram realidades cotidianas da sociedade e do sistema politico numa perspectiva muito direta. São letras que citam, reclamam, protestam e que passaram a me provocar um desejo de aprofundar e estudar sobre questões de liberdade, justiça social, política, etc. Na minha pesquisa para o TCC, andei escutando novamente algumas letras e percebi que elas servem como disparador de algo muito maior, que ha alguns anos atrás não compreendia. 

A música “Ódio³” da banda Ratos de Porão é algo que exemplifica bem esse sentimento. É um ataque direto às intituições de ensino e religiosas que, apesar de entender, eu discordo. Logo nas primeiras estrofes a letra diz que o sujeito odeia a escola, parou de estudar e que o ensino é uma ditadura cultural. Logo depois os professores são chamados de raça superior, senhores do saber, são odiados e que é um ritual medíocre. Eu realmente entendo esses ataques, e acho que as experiências de cada ser são bem distintas. A Escola é uma instituição que tende a homogeneizar seus alunos, e cada qual que foge da linha sofre punições e restrições, e nenhum tipo de escuta ou empatia.

“Eu odeio escola
Parei de estudar
É inútil prosseguir
A ditadura cultural

Odeio professores
Raça superior
Senhores do saber
Medíocre ritual

Detestar, odiar, desprezar
Detestar, odiar, desprezar

Tudo o que sei
A rua me ensinou
Tudo o que faço
É pra me divertir

Ninguém manda em mim
Falo alto, faço pouco
Não tenho educação

Odeio padres
E a falsa castidade
O voto da pobreza
Do banco Itaú

Odeio igrejas
Imagens irreais
Não atendem os pedidos
Do otário sonhador

Meu ódio é normal
Pode destruir
Ação radical
É o nosso poder”

Ratos de Porão – Ódio³

A música “Sistema de enseñanza” da banda espanhola Sin Dios segue na mesma linha, criticando o sistema educacional, que confina os alunos em disciplinas rígidas, sem lazer, formando pessoas para serem brutas e apenas úteis à sociedade. De fato, boa parte das escolas utilizam o lema “mercado de trabalho” como forma de angariar alunos, e isso transforma todo sistema em uma competição por aprovação. Quantos são os casos de “fracasso escolar” que encontramos na literatura da educação? São jovens que não se adaptam a esse sistema de pressão e disputas e que não entendem que esse sistema não funciona para todos. O sistema impõe e os pais acatam. São poucos métodos alternativos que são acessíveis e/ou públicos, e a maioria dos pais não costumam confiar em educações que prezam pelo crescimento do ser, das relações construídas no dia-a-dia, na prática, na compreensão.

Em diversas oportunidades, o ambiente escolar é comparado com o sistema prisional. Foucault já escreveu sobre essa comparação e ela é realmente muito válida. Foi num dos capítulos do meu TCC em que falo um pouco sobre as oficinas no Sistema Socioeducativo em que trabalhei, onde comparo as diferenças e similaridades da prisão com a escola. Há até um jogo online onde eles mostram um fragmento de foto e você responder se é escola ou se é prisão (depois procurem no Google esse jogo. É difícil diferenciar). Me lembro bem de uma aluna de uma escola do ensino regular/formal, onde já houve vários casos de suicídio e depressão dos alunos, solicitando psicólogo para os alunos e a escola dizendo não ter verba, enquanto que no sistema socioeducativo tinha psicólogo, terapeuta educacional, pedagogo e advogado trabalhando e atendendo os jovens que ali estavam presos. Acho que, apesar de serem abordagens e situações diferentes, ambas instituições deveriam ter profissionais qualificados para atender seu público, pois sabemos que há demanda para o serviço, mas não há boa vontade do poder público.

A música do Sin Dios termina clamando que queimem o sistema burguês de ensino. Antes eu concordava muito com isso, mas depois analisei outros fatores. Imaginando a situação brasileira e a história do ensino no país, devo lembrar que a educação deu início com os jesuítas e, somente com a expulsão deles do país, o estado se viu obrigado a prestar esse serviço. Hoje temos educação privada, religiosa, pública, informal, não formal. Infelizmente, a maioria dos bons projetos educacionais estão concentrados na iniciativa privada, por vezes religiosa, e não é culpa somente dos burgueses. É de todo o sistema. O estado, cada vez mais, sucateia os recursos educacionais, e sobretudo agora, sucateia os lugares de pesquisa e extensão, cortando verbas de bolsas de pesquisadores. As consequências dessas ações políticas são cada vez mais descredibilizar o ensino público e fortalecer o sistema privado. Esse processo ja aconteceu em alguns países, como o caso do Chile, e começamos a ver isso acontecendo atualmente no Brasil, quando governantes propõem sistemas de controle e qualidade da educação através de um processo puramente mercadológico, empresarial. Os projetos de educação não formal/informal também fazem parte desse jogo. O governo não apresenta condições de ofertar e subsidiar projetos e programas, fazendo com que estes dependam de ações de empresas privadas ou sobrevivam através de doações. Contudo, doações nunca são suficientes, o trabalho é bastante insalubre e os profissionais desvalorizados. Os projetos não sobrevivem de forma autônoma, e são poucos que tiveram sucesso nessa linha. A burguesia apenas manipula o sistema para que isso ocorra. 

“Desde pequeños ¡domesticación!
Premio y castigo es la educación
Juego en el patio, dura media hora
La disciplina, diez horas mas

Deberíamos quemar todos los colegios
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El instituto es otra cárcel
Donde aprendes poco y mal.
Días de examen, selectividad
Algo que pronto olvidarás

Deberíamos quemar los institutos
Deberíamos quemarlos ¡ya!

El sistema de enseñanza
No estimula el aprender
Persigue embrutecerte
Ser útil a la sociedad
Se sumiso y no cuestiones
Acepta la autoridad
Inculto, sigue la norma
No pienses mas que los demás

La facultad, crítica muerta
Profesorado, mediocridad
Los contenidos manipulados
Juegas tu futuro en un tribunal

Deberíamos quemar la universidad
Deberíamos quemarla ¡ya!
Deberíamos quemar el sistema burgués de enseñanza
Deberíamos quemarlo ¡ya!”

Sin Dios – Sistema de Enseñanza

A letra também pontua a necessidade escolar de formar pessoas que sejam úteis à sociedade. E sobre isso eu entendo que “ser útil” significa servir de mão de obra sem questionar, pera seguir alimentando a lógica de produção capitalista, mercantil. Talvez, por essas razões, as áreas de humanas, de criação, artísticas são tão perseguidas e reprimidas, pois são os locais onde se formam sujeitos críticos, pensantes. A metáfora utilizada pela banda Ação Direta na música “A vida sem a arte” é bem certeira nesse sentido. A comparação de uma vida vazia, que apenas segue e obedece é o mesmo que acontece com uma vida sem as artes, fadado ao fracasso.

“Sem forças para arrebentar os elos desta corrente
Nem noções básicas de cultura e cidadania
Milhares de histórias giram em torno do sofrimento
Caminhos que levam ao mesmo destino

Um grito no vazio
Como a vida sem a arte
A mentalidade miserável
O fracasso humano

Representando um universo inexpressivo
Mentes condenadas à ignorância e ao analfabetismo
O exército se multiplica por todos os lados
Só a esperança mantém os oprimidos respirando.”

Ação Direta – A Vida sem a arte

A Escola deveria ser um ambiente de desenvolvimento dos sujeitos, formação de seres livres, críticos, pensantes. Mas como se compreender como anarquista (ou próximo disto) e sempre depender do estado ou de investimento privado para conseguir este objetivo? Parece contraditório e nós temos que conviver com nossos conflitos conceituais enquanto tentamos alternativas. A música Fator Crucial” da banda Ação Direta me abriu um pouco a percepção para discutir um pouco isso. O estado, como um ator politico, consegue alcançar lugares que nem imaginamos, e se não fosse por isso, o acesso à educação seria muito mais limitado. Por mais que eu discuta muito a função do estado, eu entendo que o sistema educacional estatal é muito necessário, pois é onde outros sujeitos têm contato com informações que não chegam de forma satisfatória na zona rural, por exemplo. Certo que hoje existe a internet, e que tudo anda muito mais conectado, a informação corre rápido, mas eu acredito no papel do professor como elemento disparador de ideias.

As licenciaturas possuem esse papel de transformar o professor como alguém que está ali para formar pessoas. Recentemente, trabalhando para uma ONG, eu visitei várias escolas em diversos interiores e zonas rurais, e eu vi muito mais coerção religiosa e moral do que libertação. São regiões muito mais conservadoras, e aqui eu caio em outra contradição. A educação que eu acredito é a mesma que essas pessoas também acreditam? Quando criticamos a educação, que tipo de situações criticamos? É nosso dever ir em todas as escolas apontar o dedo para os “erros”? Esse tipo de educação funciona para eles?

“Um país mais rico que alfabetizado
Uma nação tão desigual
Nenhum investimento, nenhum incentivo
Desperdício de potencial
Sem aprendizado, sem cidadania
Caótico quadro social

Exclusão do mundo letrado
Cidadão humilhado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Distantes do sonho de primeiro mundo
Sem projetos para a educação
Falência do ensino, ausência do estado
Reflexos da degradação
A arma, o crime, novas referências
Agravando a situação
Futuro incerto, gerações condenadas
Carentes de proteção

Exclusão do mundo letrado
Cidadão acuado
Nas zonas urbana e rural
Alfabetização crucial

Figuramos entre as maiores economias do mundo,
Mas ainda possuímos um dos piores
Quadros sociais, ultrapassando a marca dos
15 milhões de analfabetos
Além de ser um direito
Assegurado pela constituição
A educação é um fator crucial responsável pela
Dignidade do povo e pelo
Desenvolvimento da nação

Exclusão do mundo letrado
Cidadão discriminado
Revolução educacional
Alfabetização crucial”

Ação Direta – Fator Crucial

Sempre fico em dúvidas se entro nessa questão e quero deixar bem claro que isso é o meu ponto de vista. Em várias destas letras que expus acima, a religião é criticada e esse é um ponto em que eu concordo veementemente. Religiões, não importa qual, são carregadas de morais e costumes, e associar a moral religiosa com a liberdade, que a meu ver são antíteses, se tornam um erro. Claro que isso é apenas um ponto de vista, e estou aberto a discussões, e sei que existem pessoas que buscam a liberdade através da religião. E meu questionamento está nesse processo: A religião se torna um meio de buscar a libertação, ou o sujeito entende que a liberdade é o que determina a religião?Acho que são pontos de vista bem distintos e não irei aprofundarme nessa questão agora.

O importante é compreender como traçar um caminho para uma libertação pessoal. Para desenvolver-se como sujeito pensante e crítico é interessante manter um processo de reflexão sobre vários temas, e associar com tudo que possa conectar com tal assunto. Ler, produzir arte, escrever, trabalhar o corpo, todas essas são formas de disparar perguntas sobre o que estamos fazendo. Pensa e atua dizem os anarquistas. Como você recepciona as informações? Você ignora, você pensa, você associa, você discute ou propõe ações para alguém?

A música “Leer para luchar” da banda Sin Dios parece ir nesse caminho. Pensar e atuar, produzir, discutir, ler e mudar conceitos. Aplicar seus conhecimentos para melhorar a vida comum, para tornar sujeitos livres.

“Si sólo repites consignas
Es que no sabes nada
Si sólo sabes de memoria
Una marioneta serás

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas solo
Lo que quieres oír?

Crece, aprende, instrúyete
Fórmate, estudia
No hay que perder
Historia, novela,
Poesía o ensayo
Fanzines, prensa,
O contra información

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo,
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?

Leer para crecer
Leer para luchar

No te autocensures
La curiosidad te debe guiar
Un pueblo formado es
Lo que más detesta el poder

Leer para crecer
Leer para luchar
Leer para entender
Leer y ser libre

La complacencia es
Ignorancia
Gritar por gritar
Es mas bien rebuznar

¿Cómo entenderás
Un mundo tan complejo
Si escuchas sólo
Lo que quieres oír?
¡¡Lo que quieres oír!!”

Sin Dios – Leer para luchar

Concluindo essa pequena reflexão, penso que toda ação merece uma discussão mais profunda. Compreender o papel do educador/professor/facilitador e como lograr algum objetivo é uma tarefa importantíssima e depende muito de discutir propostas entre diversos atores. O que dá certo e o que não dá certo, tentativas, erros e acertos, o que existe de produção literária sobre o assunto, como difundir a informação? Fico pensando que o que chamamos de “movimento punk já está em uma curva decadente no gráfico. Muita gente envolvida não tinha noção do que estava fazendo ali, e muito material produzido é muito razo ou não condiz com o que o movimento propõe. No final das contas, quem faz o movimento? Quem acredita no movimento? Quanto mais bandas surgirem e discutirem o sistema educacional de uma forma mais profunda e coerente, sem apenas julgar o que já existe, acredito que conseguiremos chegar a uma certa liberdade. O que almejamos é um bem comum, cidadãos que se apoiem mutuamente e a educação é o primeiro passo para esta finalidade.

“Essa é a nossa contra cultura
Mais participação, menos expectativa
Centenas de pessoas envolvidas
Meia dúzia de sempre que organiza
É mais fácil do que pensam
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Faça você mesmo
Não seja um mero expectator
Atue e conteste”

Discarga – Contra Cultura

Você que leu até aqui, teria alguma indicação de bandas ou músicas que tratem do tema? E de literatura? Me dá ideia. Estou com as ideias em aberto e gostaria de continuar pesquisando. Comente algo sobre o texto. É a melhor forma de propor algum diálogo e até, quem sabe, promover uma mudança de paradigmas.