David Byrne e seus rolés de bicicleta

Por mais que o livro de nome “Diários de Bicicleta” seja vendido fazendo uma alusão ao Diário de Motocicleta do Che Guevara, não acho que as relações que eu encontrei entre as duas obras seja relevante o suficiente para serem comparadas. La Poderosa rodou parte da América do Sul, e nos contou um pouco sobre esse território tão vasto e selvagem, além de nos dar um gostinho das aspirações humanas e sociais do jovem Guevara. E talvez as comparações possam acabar aí. Pelo menos para mim.
David Byrne escreve sobre seus passeios de bicicletas durante suas viagens a trabalho ou a turismo. Seus escritos reúnem reflexões e descrições sobre o trajeto, sobre o destino, e traz várias informações histórico/sociais/políticas/econômicas sobre algumas construções, personalidades e localidades. Cada capítulo diz respeito à uma cidade dos Estados Unidos ou a alguma cidade estrangeira para ele. E quase sempre ele inicia um processo de comparação entre as cidades.
Eu acho que a questão da comparação é um diálogo sempre possível, desde que as análises sejam feitas de formas horizontais, mas Byrne sempre compara tudo com o fluxo de trânsito de Nova York, como se NYC estivesse mais próximo de um ideal para o ciclista urbano. Isso foi o que me incomodou mais durante a leitura. Essa cagação de regra sobre como o ciclista deve se portar no trânsito, respeitar semáforos e seguir todo o aparato regulamentar que é criado para lidar com os automóveis, e cuja sua aplicação foi empurrada para outros modais.
Para além dessa questão do ciclismo urbano, o livro traz informações bem interessantes sobre processos urbanísticos, descrevendo na prática as ideias de Jan Gehl e Jane Jacobs, suas lutas e conceitos, e como a forma de se planejar as cidades mudaram a ponto de criar espaços para as pessoas viverem, sem perigos automotivos ocupando todo o espaço das vias.
Acho que é por isso que gosto tanto de viajar e conhecer metr´´opoles, sobretudo as cosmopolitas. São recheadas de contradições que tentam agradar e acoplar todo um fluxo de produtos, turistas, serviços, trânsito, cidadãos locais, ideias, eventos, infraestrutura e ecologia em locais tão grandes e extensos que a arquitetura local vira uma miscelânia de influências. A todo momento aparece uma informação nova, e a mão que carrega a câmera já se levanta para registrar alguma coisa.
Termino de ler o livro com várias críticas, tanto positivas como negativas, e uma vontade de ir ao passado e eu mesmo escrever um livro assim. Um diário de viagens. Um registro de onde a bicicleta me levou. Mas eu não tenho dinheiro pra viajar acompanhado de minha bicicleta, muito menos recursos para viajar com tanta frequência assim, rs.
Minhas críticas negativas moram naquele lugarzinho da visão de classe média que o autor possui. Ele narra como se tudo fosse muito fácil às vezes, mas ele é um cidadão branco escocês que mora em Nova York, e ficou muuuito famoso com sua banda, Talking Heads. Realmente viajar com sua bicicleta não deva ser uma tarefa muito difícil e custosa. O ponto positivo é ler as descrições das cidades, suas análises relacionadas com outros fatores (história, economia, política, etc.). É bem gostoso de ler e se imaginar nos trajetos, vendo o que ele está narrando.
Enfim, “Diários de Bicicleta“, de David Byrne é um livro bem daora.

Falta sensibilidade

**Provavelmente conterá spoiler**

Eu ainda estou tentando digerir um pouco da leitura d’O Estrangeiro, de Albert Camus. Não é em si uma obra muito difícil de ler, é bem fácil até, uma leitura bem fluida, com capítulos curtos. Mas foi uma história que me deu agonia do início ao fim. Monsieur Meursault é uma pessoa inafetável. Nem sei se esse termo existe, mas o protagonista não se sensibiliza com praticamente nada que aparece no decorrer das páginas. Parece que ele compreende os acontecimentos como uma linha que já foi escrita, que tudo precisa ser dessa forma, e que a ação dele não mudaria nada. Ele se mostra solícito com alguma situação apenas quando solicitado for, nunca por vontade própria. Ele não questiona acontecimentos, decisões, vontades, apenas aceita e convive com tudo isso, aparentemente, numa boa. Um falecimento, um emprego, um relacionamento, um caso de violência doméstica, um adoecimento, uma perseguição, um assassinato. Tudo passa com uma naturalidade que não transpassa a superfície das emoções, fica só ali, como algo que aconteceu. Nesse terreno infértil, talvez a reação impensada seja a única resposta que possa desenvolver.
É óbvio que existe um certo exagero, mas não duvido que existam pessoas assim, completamente superficiais, que apenas vivem o que deve ser vivido. Existe um curso da vida que a gente segue cegamente, sem ser afetado pelas margens? Tenho minhas dúvidas.

***

Acho que vale a pena mencionar a influência desta obra no último episódio da sitcom Seinfeld. A espetacularização do julgamento e da sentença, baseada na falta de sentimentos dos réus, em um resgate histórico de atitudes apáticas, reacionárias e talvez até desrespeitosas. Nem a prisão consegue afetar esses sujeitos de forma mais profunda. É apenas uma aceitação de que isso ocorreu e, portanto, devemos aceitar. A arte imita a arte.

Revisitando obras antigas mais uma vez

Me lembro de um dia, por volta de 2012, em que eu tinha um pedaço de papel preto e tinta nanquim colorida. Queria fazer alguma coisa que desse um contraste no fundo preto, algo tão iluminado que me fizesse compreender aquilo ali como algo especial e não como uma prática qualquer.
Talvez fosse tarde demais para que eu pudesse compreender que o processo de produzir arte não tem um ponto final, muito menos um ponto inicial. Talvez por isso fosse chamado de processo. É algo que é desenvolvido no fluxo de ideias e de pr´áticas, e que pode ou não ter um desfecho. Muitas vezes o desfecho é justamente começar outro projeto a partir de reflexões no decorrer do processo. Algo como a construção de algo a partir do que já existe, desenvolver ideias e conceitos utilizando o passado ou o presente (ou as ruínas do velho) como ponto de partida.
Tudo pode ser melhorado ou piorado, pode agradar ou desagradar, pode gerar uma reflexão profunda ou um mero desdém. Pode afetar e ser afetado. O universo artístico tem muito disso de lidar com a sensibilidade do observador, que nem sempre é um mero espectador, mas pode atuar junto de determinada obra, como se fosse uma intervenção eterna.
Talvez a busca por um desfecho perfeito de fato não exista. Ela não termina quando colocamos um ponto final. Nós que produzimos, finalizamos nossas obras com vírgulas, ponto-vírgulas ou reticências. Nós significamos algo em nossa produção que pode ter outros significados a depender de quem vê, de todo um contexto, e talvez nem tenha significados para muitos. Então porque buscar o ideal individual, se a produção só faz sentido se compartilhada, só serve como potência se sai de nossos espaços de trabalho, de nossas reflexões, de nossos cadernos.
Escutando música me sinto conectado com quem canta, com quem toca. Isso me afeta de forma muito profunda. Muitas das minhas produções são em diálogos com as músicas que escuto. Nem sempre concordo, nem sempre discordo. Mas isso me tira do lugar de inércia e me faz refletir sobre várias das questões que permeiam a minha existência. Nós que buscamos sempre as mesmas referências para produzir, não estamos colocando quem somos, não estamos nos abrindo. Nos fechamos em nossa bolha estética/ideológica. Quando nos abrimos à novas experiências, ao diferente, nós comunicamos com algo que conhecemos, ainda que em outros níveis, e com o que desconhecemos. Por isso que gosto de produzir arte, me faz pensar, planejar, refletir, agir. Me faz perder um pouco do medo que tenho em conhecer quem sou de verdade.
Parece um disco arranhado quando escrevo sobre isso, mas o processo é cheio de falhas, linhas tortas, erros, tentativas mal sucedidas e frustrações. Talvez a perfeição que buscamos nos impede de compreender o processo como algo belo, como algo natural e saudável.
Por uma sanidade produtiva livre de julgamento morais. Por uma arte que transpasse a superfície do óbvio. Por uma produção que não seja covarde.

Porque continuar a viver sob moldes de santos e heróis?
Somos desgraçados seres condenados à morte. Pedaços de carne que pensam e sentem prazer.
O melhor a fazer é encarar nossos medos.
O melhor a fazer é encarar que vitoriosos estão longe demais.
A perfeição é um instrumento de tortura.
Negamos nossa humanidade acreditando que é possível não errar, não sofrer, não sangrar.
Quebre os túmulos de seres vivos. Fale sobre seus sentimentos, sobre sentimentos reais.
Cada um traz dentro de si um inferno. Lâmina fria, em sua carne. A imagem na escuridão.
Criados sob o signo do medo e autocondenação.
Criamos a pureza para ter o que buscar por toda nossa existência.
Algo para temer (pecado, castigo, aberração, diferença).

Colligere – Fuga do Vale das Lágrimas
Desenho de 2012 – bico de pena e nanquim sobre papel preto

Uma pequena reflexão sobre amizade

Hoje completam-se 35 anos de idade da pessoa com quem eu tenho maior tempo de amizade. Estudamos nas mesmas escolas, nas mesmas salas de aula durante vários anos, brincamos e aprendemos juntos, nos divertimos, brigamos, convivemos, fomos crianças felizes, adolescentes sonhadores, hoje somos adultos lidando (ou tentando lidar) com nossas responsabilidades. Jogávamos futebol juntos, ele muito melhor que eu. Jogávamos videogame juntos, novamente eu sempre perdia, rs. Talvez o esporte ou o videogame não fossem meu forte nessa época. Nos deslocamos por vários caminhos distintos e acabamos os dois no grande campo das artes. Ele ator, eu artista visual. Ambos educadores, pensadores, refletindo sobre o que nos afeta, sobre o que afetam os outros. Refletindo sobre nossas ações, sobre como fazemos política, sobre como podemos ir mais além, afetar mais pessoas, compartilhar nossas lutas, nossas resistências, nossas produções, ideias e ideais, sobre tudo que fazemos com essas 3 décadas e meia de informações acumuladas, desenvolvidas a partir de nossas experiências. Enfim, você é um exemplo para mim. Ainda não pudemos trabalhar nossa criatividade juntos, mas espero um dia que a gente consiga se organizar para esta tarefa.
Sobre a gente, há uma foto inesquecível. Íamos na loja de fotografia revelar um filme. Faltava 1 pose, e o funcionário tirou uma foto nossa. Éramos jovens, 12, 13 anos, não me lembro. Ambos olhávamos para fora, para o mesmo local iluminado, olhávamos para nossos sonhos, nossos desejos, nossos futuros. Olhávamos para tudo que estava por vir. Essa foto é repleta de simbolismos, talvez por isso seja tão marcante toda vez que a vejo. Ela é emblemática em diversos sentidos. Penso na bifurcação que seguimos em nossos caminhos, e em como ela se juntou novamente, e se separou, e se juntou. Os olhares miram a mesma luz, ao mesmo tempo em que miram caminhos diferentes. As possibilidades são várias. Fico impressionado em como os registros nos dizem tanto sobre nós mesmos, sobre passados, presentes e futuros. Quantas são as pessoas que passaram pela minha vida, marcaram, afetaram, deixaram marcas, e desapareceram sem deixar rastros, e nós seguimos em frente, firme e fortes.
Hoje, 19/12 é um dia especial por isso, foi quando você nasceu há 35 anos atrás. E talvez deva ser por volta do trigésimos aniversário seu que a gente passa junto, rs. Se não for, pelo menos o trigésimo sabemos que está próximo. Te amo cara!

Texto de fim de ano

2022 está em seus últimos suspiros. E é impressionante a forma como esses marcos temporais nos fazem com que planejemos tudo a partir do próximo ciclo. “Em 2023 tudo será melhor” é uma frase que está latente aqui na minha cabeça. E eu tenho completa noção de que depositar esperanças em situações em que eu não tenho controle não me ajuda a pensar em possibilidades reais de melhorias.
Já fazem 2 anos que meus horários estão completamente confusos, vários trabalhos inacabados, estudos incompletos, perrengues financeiros, dor de cabeça, choros, noites mal dormidas e falta de exercícios físicos. Além da vida social que segue em isolamento involuntário, e eu não consigo sair dessa lógica.
Eu não estou mais aceitando demandas externas de novos trabalhos esse ano. Esse tipo de serviço acaba me desgastando muito, ocupando boa parte do meu tempo e meus projetos pessoais têm ficado cada vez mais esquecidos, incompletos em algum canto do meu atelier, ou perdidos no campo das ideias que não foram desenvolvidas. Minha ideia no fim de ano é concluir os projetos pendentes de terceiros, e iniciar 2023 focando na minha produção autoral, desenvolvendo minhas ideias e publicar aqui sempre que possível for. Eu tenho uma lista enorme de projetos e ideias em post-its virtuais, só esperando alguma dedicação para se tornarem realidades. Não irei cessar de prestar serviços a terceiros, mas irei selecionar melhor aqueles que se encaixam melhor na minha forma de produzir. Acho que me trará menos desgaste, menos dor de cabeça e maior realização profissional.
Também desejo retomar com as atividades físicas, voltar a pedalar com mais frequência. Isso tem feito muita falta. Entre covid’s, fadigas e falta de tempo minhas atividades em cima de uma bicicleta se reduziram drasticamente. Talvez eu precise entrar em uma academia para fortalecer músculos e articulações pra dar conta de retomar as atividades.
Retomar com as aulas de gravura aqui no meu pequeno atelier é uma possibilidade que também me agrada. Era um tempo bom de trocas de ideias e de experiências, conhecer pessoas interessantes e poder exercitar meus conhecimentos na área também. O que seria do conhecimento se ele não pudesse ser compartilhado?
Retomar meus estudos com novas mídias e explorar novas áreas também é uma ideia para o próximo ano. Em 2022 eu fiz alguns cursos online de motion, animação e outros tipos de projetos ligados às artes, com a intenção de expandir minha produção, conseguir alcançar outros lugares e possibilitar novas formas de expressão. Eu cheguei a fazer alguns estudos, mas ainda não consegui levar as coisas adiante da forma como desejo.

***

É foda, começo a escrever esta postagem e me vem uma sensação horrível de abandono de sonhos. São muitos projetos inacabados, ou projetos que sequer foram iniciados por falta de tempo ou por estar sempre na busca de trabalhos externos que me fornecem um vencimento mais seguro. Dinheiro, ou a falta dele, parece se colocar sempre acima de qualquer necessidade, nos fazendo desistir de vários desejos por que precisamos pagar contas. Queria escrever uma publicação que pudesse desenvolver uma ideia do que foi 2022, e do que esperar de 2023, mas não consigo pensar em mudanças que me deixem em paz com tudo. Quase tudo depende de dinheiro, e pra ter dinheiro só o trabalho não basta. O dinheiro que entra paga boletos, mas não paga paz e nem elimina a minha preocupação da luta pelo mínimo necessário para sobreviver àquele mês. Não sobra, não rende. Parece que tudo depende disso, inclusive as mudanças que posso controlar acabam caindo nas teias do dinheiro. Estamos de mãos atadas? Fico pensando se um dia isso irá mudar, se o valor que produzimos nos dará uma vida plena, livre.

***

Nesse sentido penso em todas as referências anarquistas que li, estudei e pesquisei ao longo desses anos. Nos diálogos com familiares, amigxs, companheirxs de vida e de batalha. O dinheiro não dá liberdade à ninguém, isso é um fato. O capitalismo nos prendeu nessa lógica de precisar monetizar todas as nossas atividades, isso nos trará uma sensação de produtividade, uma sensação de bem estar. Uma paz momentânea, efêmera, que será destruída a qualquer momento. Viver se tornou sinônimo de trabalhar. Nós colocamos todos nossos sonhos em uma mesma caixa de desejos profissionais: O que eu quero ser quando crescer? Ninguém me disse que eu podia escolher ser LIVRE, mas me disseram várias profissões que eu poderia exercer. E eu já trabalhei de officeboy, atendente, garçom, telemarketing, professor, educador, ator figurante, árbitro/bandeirinha de rugby, vendedor, impressor, entregador de bicicleta (bike messenger), pintor de paredes, gráfico, designer, muralista, pintor letrista, transcritor, digitador, entregador, pesquisador em educação. Talvez eu só tenha esquecido de viver sonhos que não tenham a ver com trabalho. Hoje, artista visual, meus sonhos são comprar um jogo de goivas importadas, ou uma aquarela com pigmentos mais bonitos, ou um computador que suporte aplicativos de edição de vídeos. Que diferença faz sonhar com isso ou com qual será a próxima viagem que irei fazer? Ou com qual grupo de amigxs passarei o fim de semana conversando? Ou com qual esporte poderei escolher para me exercitar de forma coletiva? Qual livro será o próximo que irei devorar? Qual filme…? Sonhos e desejos, né?

***

2022 chega ao fim como uma voadora no peito. Vai embora deixando um rastro de destruição psicológica que somente 2023 não irá conseguir consertar. Finalizar as pendências será tão complexo quanto aprender a voar. E talvez aprender a fazer analogias melhores entre para a minha lista de atividades para exercitar mais no próximo ano. Aos trancos e barrancos o caminho se abre, se mostra mais acessível, e eu tento aproveitar esse estreito espaço para me organizar e seguir em movimento. “Um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar” já cantava Chico Science, e eu acredito muito na potência do movimento como forma de seguir movimentando-se. Será a inércia um princípio de mudanças estruturais? Talvez sim, mas com toda cautela para não cair em uma inércia de não-movimento, dessas que te jogam largado no sofá enquanto você passa por todos os 386 canais da televisão paga sem vontade de assistir nenhum programa, ou as 15 horas diárias que passamos deslizando nossos dedos pela tela do celular em uma timeline infinita cujo conteúdo luminoso e fútil não nos interessa em 99% das coisas que aparecem por ali. Que sentido damos à vida quando nossas atividades se resumem a isso? A rolagem infinita da timeline, o deslizar lateral de um reels/tiktok buscando algo interessante, o mudar incessante dos canais cuja programação anda patética e obsoleta, ou o tempo gasto na busca pelo próximo filme que iremos ver em streaming? Seria essa um tipo de não-vida? Abrimos mãos de nossas atividades para nos prender em pixels luminosos? É frustrante viver isso, é frustrante refletir sobre isso.

***

Enfim, não quero me prolongar muito mais nessa publicação. Eu ainda sou uma pessoa com muitos privilégios, tenho familiares e uma rede de amigos e conhecidos que me apóia muito, e eu tento apoiar em tudo que posso também. Talvez seja essa a lição que 2022 nos traz. Fortalecimento das relações, das redes, dos contatos, das ações e movimentos. Fortalecimento das ideias. Resta desenvolver quais serão os próximos passos. Desejo à vocês um ótimo 2023, que possamos seguir em movimentos!!

“O segredo domina este mundo, antes de tudo como segredo da dominação. O espetáculo organiza a ignorância do que acontece e o esquecimento do que, apesar de tudo, conseguiu ser conhecido. Quem esta sempre assistindo esperando o que vem depois, nunca age, assim deve ser o bom espectador. A consciência do desejo e o desejo da consciência são o mesmo projeto que, sob a forma negativa quer a abolição das classes. Que as pessoas tenham a posse direta de todos os momentos de sua atividade .”
Colligere, citando Guy Debord, na introdução de ‘O Poder do Pensamento Negativo’

Programação de fim de ano

Passando aqui para avisar locais onde você pode adquirir os produtos feitos aqui no estúdio e, quem sabe, presentear alguém que curta esses trabalhos. Além da minha loja virtual, onde todo meu estoque está disponível com entregas em todo território, irei participar de dois eventos nesse fim de ano. O Prisma Arte e a Feira Vendo.

O Prisma será um evento com mais atrações, mais artistas, entrada gratuita em uma casa no bairro Sion. 3 dias de eventos.

Já a Feira Vendo será uma feira menor, mas com vários outros expositores também, na Faculdade de Educação da UEMG, que fica no bairro Cidade Jardim.

Além dessas duas opções em Belo Horizonte, onde você poderá ver meu trabalho fisicamente, em São Paulo tem vários produtos meus disponíveis para pronta entrega no Espaço Colaborativo da Ciclo Costura, na Vila Ipojuca. Confira os horários de funcionamento dos espaços, e colaborem com o décimo terceiro de produtores/artistas autônomos/independentes.

Halftone invertido

Se tem um recurso gráfico de impressão que eu tenho curtido estudar é técnica de halftone (meio tom). Tudo isso consiste em efeitos (que podem ser linhas, pontos, elipses, círculos, etc) que enganam o nosso olhar e nos fazem enxergar “fotografias” bem realistas, utilizando poucas cores, ou até 1 cor apenas.
Nessa post eu gostaria de mostrar-lhes os estudos de halftone invertido. Essa técnica consiste em utilizar as luzes da imagem como recurso para impressão em suportes escuros. Eu já cheguei a fazer estampas de camisas em serigrafia assim, e o resultado, mostrado a seguir, foi bem satisfatório:

O fato é que eu experimentei, também, um halftone de linhas para ser feito em stencil e impresso no papel preto. Foi um processo bem trabalhoso, mas que rendeu uma produção bem massa. Utilizei a fotografia de uma fila de zapatistas na Selva Lacandona. A fotografia tinha uma certa névoa, e isso casou bem com o efeito do spray esfumaçado/borrifado no papel.

Impressão com spray branco em MDF pintado de preto e com moldura.

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Stencil Halftone em duas cores

Halftone” ou “Meio Tom” é um recurso gráfico muito utilizado nas técnicas de impressão por conseguir simular, com poucas cores, um certo realismo na impressão. Sabe quando você vê uma fotografia antiga nas páginas do jornal e ela é formada por diversos pontinhos? Isso é um halftone.

Já faz algum tempo que eu tenho estudado um pouco disso nas minhas impressões, sobretudo trabalhando os efeitos no Photoshop, e transpondo para impressões feitas de forma artesanal. Aqui, aqui e aqui tem alguns modelos de impressão em halftone que andei testando aqui no meu estúdio.

Há alguns meses iniciei um projeto para trabalhar halftone em stencil com duas camadas de cor. A ideia é trazer mais realismo à imagem final. O formato escolhido foi o A2, por ser grande o suficiente para conseguir se tornar cartaz lambe-lambe posteriormente. A foto que usei de modelo se refere à um encontro Zapatista, e nela uma mulher amamenta uma criança enquanto participa da deliberação de alguma pauta. Uma imagem forte, que me traz elementos de organização, resistência e maternidade.

Fotografia de Emiliano Thibaut

Como o papel tem fundo branco, pude trabalhar com duas cores mais escuras em meus modelos virtuais. Optei por fazer haltone de linhas, em que o que engana nossos olhos e nos faz enxergar a fotografia é somente a diferença de espessuras das linhas. Para dar um efeito interessante, cada camada de cor teria uma inclinação de 45° em direções opostas, formando algo parecido com uma tela. Decisões tomadas, fiz a impressão e comecei o processo de corte, começando pela camada superior e mais trabalhosa.

A camada inferior, além de menos detalhada, preferi fazer as linhas com uma espessura maior, para diferir das linhas mais finas da camada superior. Era para servir como base, como uma cor intermediária antes dos detalhes e do contraste final.

O resultado dos cortes ficaram bem interessantes. Eu usei plástico de encadernação transparente, pois é bem fino e resistente, sendo mais fácil de cortar que um acetato, por exemplo, também conferindo mais resistência à umidade e ao calor.

Na hora da impressão, pensei em um vermelho como cor intermediária na primeira camada, e preto como fechamento, pra subir o contrate final. Mas duas coisas aconteceram nesse processo:
1 – O preto por cima do vermelho tampou os detalhes da camada vermelha;
2 – A junção preto + vermelho escuro deixou a imagem desnecessariamente escura, como se fosse uma foto de ISO100 no final de uma tarde nublada.
Desta forma, ao invés de utilizar o preto chapado, optei por um preto transparente, conhecido como Fumê, para manter uma cor intermediária mais suave. Este último resultado me agradou mais.

Enfim, todo processo feito à mão, cortado com estilete, acaba tendo suas limitações, e a questão é buscar a melhor forma de concluir a impressão de uma maneira que agrade aos olhos. O processo de ser artista consiste nessa reflexão a cada etapa, fazendo escolhas para seguir adiante da melhor forma possível. A impressão do vermelho escuro combinado com o fumê foi a que mais me agradou, deixou os traços mais suaves, os detalhes mais aparentes.

O que acharam?

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Vá de Bici / Volta de Bici

Zine produzido em parceria com a Edições Impressões do Submundo, e distribuído de forma gratuita através de um formulário. Foram produzidos 50 kits contendo 2 gravuras, 2 adesivos e 1 zine formato A7. No Zine estava presente o seguinte texto:

VÁ DE BICI / VOLTA DE BICI

Nós pedalamos porque queremos pedalar. Essa atividade é nossa diversão, é nosso esporte, é nossa locomoção. Saímos de nossas residências com a finalidade de cumprir com  tarefas cotidianas, e tudo que mais desejamos é conseguir retornar com nossa integridade física/psicológica intacta. Somos parte do trânsito, ocupamos as vias e estamos presentes em qualquer parte do mundo. Mas parece haver gente que ainda não compreendeu isso.

Montar em uma bicicleta se tornou sinônimo de correr riscos o tempo todo. Quem nunca passou aquele aperto de ser espremido contra o meio fio ou contra a vala de escoamento de águas pluviais? Quem nunca tomou aquele “fino educativo” tão praticado por motoristas? Quem nunca precisou desviar de um obstáculo na via movimentada e percebeu que não havia espaços para manobras? Quem nunca ouviu um grito “Sai da rua!” ou “Vá para a ciclovia!” enquanto pedalava na cidade?

Nós, enquanto ciclistas, somos categorizados como um nicho homogêneo de atuação: Ciclistas. Não importa se você está se locomovendo pro trabalho/escola/compras, passeando, transportando cargas ou treinando para alguma prova de ciclismo amador, você será ciclista e ponto final. Esse pensamento hegemônico gera diversas questões bem problemáticas que não se resolvem somente com a construção de malhas cicloviárias.

As ciclovias/ciclofaixas não estão presentes em todas as ruas e avenidas, e com certeza elas não começam na porta de sua moradia e nem te acompanha até seu destino. É impossível e, talvez, inviável ter isso, ainda mais em cidades que privilegiam a utilização do automóvel privado. Grande parte dos sinistros de trânsito envolvendo atropelamento de ciclistas são motivados pela falta de respeito ao veículo bicicleta, simplesmente por este circular em um local feito “para carros”.

Não faz sentido que em uma avenida com 7 faixas, completamente engarrafadas, a culpa pelo trânsito não fluir seja da bicicleta que, mesmo lenta, se movimentou durante todo o tempo em que esteve na via. Compreendo que vias destinadas para ciclistas possam ser interessantes, principalmente, pela questão da segurança, mas somente isso não resolve o problema. A segurança virá quando houver respeito de motoristas por outros veículos presentes no trânsito.

A separação física nunca é uma solução definitiva. Investir somente em malha cicloviária como uma única possível solução me lembra do vagão de metrô em São Paulo exclusivo para mulheres com a finalidade de evitar abuso e assédio sexual por parte de homens. Isso não resolve nenhum problema, pois é mais fácil mascarar a questão com uma solução ineficaz do que mudar uma mentalidade. Se houvesse RESPEITO, as soluções seriam muito mais práticas e eficazes. Mas e aí, como fazer isso? Campanhas educativas? Multas? Fiscalização efetiva?

Zine Vá de Bici / Volta de Bici – La Idea e Impressões do Submundo

Capas do livro Balbúrdia, de Iago Passos

É com muita alegria que anuncio aqui a produção das capas do livro Balbúrdia, de Iago Passos. É uma capa bem interessante, com referências aos emojis, projeto do Preto Matheus que também desenvolvia projetos parecidos no coletivo 4e25. Foi produzia em serigrafia, metade das capas na cor preta, e a outra metade na cor branca. As capas foram impressas aqui no meu estúdio, e levadas para a Editora Impressões de Minas para a finalização do livro. O livro está em financiamento coletivo e pré-venda até este início de dezembro, e você pode adquirir seu livro e recompensas clicando aqui. Se animar, ajude a divulgar a campanha, tá quase na meta já.

Serigrafia – Nunca Houve Paz

Desde que os europeus tiveram conhecimento da disponibilidade de metais preciosos neste continente, a guerra foi instaurada. Um verdadeiro massacre da população tradicional, que há mais de 500 anos têm perdido espaços, territórios, culturas e histórias. Várias comunidades subjugadas e fadadas ao extermínio seguem em luta e resistência contra o capital. As elites econômicas predatórias têm poder sobre a política institucional, e avançam cada vez mais sobre as reservas e territórios dos povos tradicionais. Os recursos naturais destas terras que vocês vêm como dinheiro e poder, nós vemos como vida, história, subsistência. Nunca Houve Paz, seguimos em luta.

 

Serigrafia sobre papel Bronze Laminado – 250 g/m²

Tamanho A4 (29,7×21 cm)

Disponível na Loja Virtual

Vídeo com detalhes da impressão

Impressões dos poemas visuais da Débora

Olá pessoal, passando aqui para publicar o e-mail que recebi da minha amiga Débora, que conheci em um curso de fanzine e escrita promovida pela Papelícula e Estratégias Narrativas. Ela me procurou para fazer as impressões em serigrafia de uma série de poesias dela. Os cartazes estão à venda, com promoção se comprar o kit das três impressões. Os próximos parágrafos são de autoria da Débora Diburim:

Olá!

Com grata alegria, chego pra contar que os poemas visuais da série “a voz das minhas avós” estão disponíveis em pôster em serigrafia, mui caprichosamente confeccionada por La Idea (@cyco.idea)

O verso “a voz das minhas avós” ficou girando na minha cabeça e no meu coração desde 2012, quando vó Zezé fez a passagem. Em 2021, uns dias após a primeira aula sobre poesia visual com Juliana Pondian, no curso Poesia Expandida do Centro de Referência Haroldo de Campos, da Casa das Rosas, São Paulo (SP), me peguei digitando a frase no Word. Variei o corpo da fonte, ponto a ponto, até o tamanho 1, e apareceu uma imagem ambígua: língua e/ou púbis – esta última forma acabou engendrando um segundo poema: “a fala da minha mãe”. Experimentei diferentes fontes e aquela que mais teve a cara – ou a corpa – dos poemas foi uma da família Lucida, para minha grata surpresa, cocriada por uma mulher: Kris Holmes. Um terceiro poema veio completar a série: “as rimas das minhas irmãs”.

Numa montagem com fotos de família, apresentei esses poemas no sarau Foice, em julho’21. Em seguida, eles viraram lambes (cartazes de rua), especialmente para compor o mural idealizado pela artista Marlene Santana, na Vila Medeiros, em São Paulo (SP). Depois, esses lambes estiveram à venda no Leilão Piolho Nababo Topa-Tudo, no Instituto Undió, em Belo Hrizonte (MG), em dezembro’21. Mais recentemente, estiveram em outro mural, no Festival de Colantes, em Uberlândia (MG).

Agora, os três poemas são também PÔSTER em SERIGRAFIA. Para quem quiser o(s) seu(s), aí vão os detalhes: serigrafia. Tamanho A3 ( 297x420mm). Papel ColorPlus Branco Alaska 120g. Impressão em vermelho. R$50, cada, ou R$120, o trio. Envio para onde você estiver. Para adquirir o(s) seu(s), basta responder a este e-mail.

E para quem ainda não me conhece, me apresento: sou Débora Rossi Fantini (1983), poeta, jornalista e servidora pública. Nasci em Sabará (MG), vivo em Belo Horizonte (MG). Atuo no campo da poesia expandida, transitando por tipografia, caligrafia e bordado, dentre outras linguagens. Autopubliquei o livro de poemas “Vulcã” (2021), disponível no perfil do instagram @diburim. Sou autora de “alfabe)r(to”, livro em processo publicado no perfil @diburim.docx. Publiquei poemas em revistas como “A Zica”, “Goma”, “Eu Tenho uma Objeção”, “Bufo” (no prelo). Expus na Uma Mostra – Galeria de Arte Virtual Unifal.

Abra-

sol,

Débora

Pensando em limites, bordas, fronteiras e essa tarefa de ser humano

Começar um processo de compreensão do conceito de “fronteiras” foi algo que vivenciei em 2012, quando morava na fronteira entre México e Estados Unidos. Ciudad Juárez, na época, era um dos grandes centros urbanos do país nortenho. Uma cidade com uma história bem curiosa, fundada no meio do deserto com o nome de Paso Del Norte, a região foi palco de diversas guerras e conflitos, e em 1888 foi decretado que a nova fronteira entre México e Estados Unidos seria o Rio Bravo, que cortava a cidade de Paso del Norte. Com isso, fez-se a divisão da cidade em duas, Ciudad Juárez, ao sul do rio Bravo, e El Paso, ao norte. Imagina só uma cidade, no meio do deserto, divida em duas e pertencentes à nações distintas. Viver em uma região fronteiriça me fez compreender que as relações entre os dois países são muito diferentes e especiais nestas cidades, com características bem singulares. As duas cidades tinham relações próximas, tinham trocas econômicas, tinham passagens, eram fluidas. Estávamos falando de uma cidade considerada a mais violenta do mundo na época, e de outra considerada a mais segura dos Estados Unidos. Talvez a imagem da cerca patrulhada na borda de lá no rio Bravo era uma imagem muito mais significativa nas tensões fronteiriças do que as relações econômicas, políticas e sociais da região. Uma cidade dependia da outra.

Esse reflexão sobre a vida fronteiriça me desperta muita curiosidade, e as analogias e referências com o que conhecemos como “limites” fornece pistas de algo que podemos vivenciar de forma mais intensa. Outro dia em uma conversa, o assunto era sobre colocar limites, ou ter dificuldades em saber/conhecer nosso próprios limites. Até onde conseguimos lidar com barreiras que são rompidas, seja por um comportamento abusivo, seja por dificuldade em dizer “não” e sustentar esta posição. Eu tenho dificuldades em compreender vários desses limites. Em questão de trabalho, por exemplo, eu assumo muito mais compromissos do que eu realmente dou conta. E fico pensando se essa busca por dinheiro não me faz ser assim. Talvez se minha vida fosse tranquila financeiramente eu recusaria trabalhos com mais facilidade e naturalidade, mas enfim, as contas estão aí e eu me esforço muito pra tentar manter tudo em dia.

Em um diálogo na terapia, conversamos sobre os limites surgidos de forma natural, sem intervenção do ser humano, tais quais cordilheiras, fendas, matas fechadas, rios/oceanos. Esses biomas naturais são barreiras à locomoção por exemplo, e muitos povos nômades criavam o percurso baseado nas regiões por onde poderiam se locomover de forma mais natural. Inclusive, pensar na gravidade como um limite também, pois é ela que nos mantém com os pés no chão. Dito isso, fiquei pensando na obstinação do ser humano em romper com esses limites. Nós construimos botes, barcos, navios, caravelas, aviões, foguetes, helicópteros, automóveis, estradas, pontes e viadutos. Nós desejamos sempre romper com os limites impostos. Inclusive, essas barreiras naturais são construções que dizem respeito ao tempo, e talvez as nossas soluções são apenas formas de romper com o tempo geológico, quase imperceptível para nós humanos.

O professor Silvio Gallo diz sobre o processo educativo em um artigo intitulado “As múltiplas dimensões do aprender” que nós aprendemos quando precisamos lidar com um problema, pois isso nos faz pensar e maquinar possíveis soluções para lidar com as questões postas. Assim se dá o aprendizado: em ter que lidar com diferentes questões e querer/precisar resolvê-las. Trago essa reflexão de Gallo sobre o processo educacional para pensar também se nós nos educamos a cada vez que precisamos romper com esses limites, com essas bordas. Nós construímos aparatos para romper com o que nos impede de seguir adiante. Chegar à borda, ao limite, à fronteira, nos faz correr atrás de conhecimentos, de tecnologias, de soluções.

E se os olhos começassem a fechar? Cada parte do seu corpo morrendo… Perceber os limites é sentir a existência. Experimentar é a única maneira de estar vivo, ou tudo se resumirá a respirar e ver tudo passar. Quero arranhar sua pele e faze-lo sangrar. Faze-lo sangrar! Você sente no ar a tempestade que se aproxima e a eletricidade lhe traz uma sensação agradável. Alguma coisa vai acontecer. Mas e se tudo acabasse por aqui? Viver é encontrar maneiras diferentes de não morrer – e morrer também é aceitar as condições que não nos deixam viver. O problema é não ter escapado vezes o bastante, como se já estivesse enterrado desde o começo. Sem vontade, seu corpo se torna um instrumento, um objeto que não tem razão para existir além do que vem do sentido dado pela vontade exterior. Sem vontade, seu corpo se torna um instrumento. Todo bem e todo mal residem nas sensações. Nas sensações o espírito se realiza. – experimentando a morte, é a única maneira de viver. – Porque um objeto não deseja.

Colligere – Glória é um momento silencioso

Essa letra da banda curitibana Colligere também me traz uma ideia interessante, sobre o que sentimos e a forma como lidamos com isso. “Perceber os limites é sentir a existência”, a cada vez que refletimos sobre a gente, e nossas vivências, e experiências, sentimos um pouco dessa borda que nos define fisicamente. Nós temos sentimentos, afinal não somos objetos inanimados, e tudo que sentimos aparecem em maior ou menor intensidade, a depender da situação. Essa é uma das características que nos faz humanos. Sentir e ser sentido. Sentir e levar todas as sensações ao extremo: sorrir, chorar, alegrar, entristecer, doer, gozar, arrepiar e vários outros verbos que nos fornecem vitalidade. Longe de mim querer incentivar que testemos ou coloquemos a prova os nossos limites, mas sentir a borda nos faz experimentar sensações novas.

Eu, ideologicamente mais próximo do anarquismo, sempre justifiquei a minha falta de reconhecimento dos limites porque sempre associava os limites a fronteiras. E sem fronteiras não haveriam limites. E sim, há muitos limites e bordas que devemos reconhecer e respeitar. Os limites de outra pessoas, os limites éticos, os limites físicos e psicológicos. O que seria de nós, seres humanos, sem alguns desses limites. Talvez o que eu esteja pensando com esse texto, é compreender e destrinchar um pouco esses conceitos que eu coloco no corpo destes parágrafos. Fronteiras, limites e bordas existem, e eu acredito na fluidez e na permeabilidade de todas elas. Acho que essas coisas não são tão rígidas como pensamos ser. A questão, talvez, seja compreender formas saudáveis e respeitosas dessas maleabilidades. Assim como a fronteira entre Juárez e El Paso. Ela existe e impede várias trocas, mas também é fluida e maleável.

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Sobre poder e pertencimento

Outro dia estava indo trabalhar e um girassol me chamou muita atenção no trajeto. Era grande, vistoso, estava aberto e chamava muita atenção no lugar onde estava. Cresceu em um buraco na calçada, junto com uma árvore em desenvolvimento, outras flores amarelas, mato. A calçada era estreita e a flor não passava despercebida por transeuntes que trafegam por ali, ou pelo menos não deveria. Parei e me detive por um tempo. Era uma cena que merecia uma fotografia, um registro daquele momento de contemplação.

Observando com mais calma, percebi uma corda que segurava o caule do girassol à árvore. Achei interessante a intervenção humana que, de forma positiva, ofereceu sustentação ao desenvolvimento da planta. Se ela nasceu e se desenvolveu naquele lugar, talvez ali fosse realmente o habitat dela. Ela gostou dali, fortaleceu suas raízes e estava feliz com sua morada. As centenas de pessoas que devem passar diariamente por ali provavelmente perceberam isso. Ali era o lugar dela. O girassol pertencia àquele espaço. Toda uma comunidade se desenvolveu junto naquele espaço.

Quando me deparo com cenas assim, fico pensando em como nós, seres humanos depredadores, podemos sim conviver com a natureza de forma harmônica. As plantas se desenvolvem, chamam atenção, atraem nossos olhares, intervém no nosso trajeto e nos dá algum tempo de contemplação, tempo este que podemos ignorar problemas e nos ater a um pequeno espetáculo visual e silencioso. Nós pertencemos ao mesmo espaço, nós convivemos, nós criamos diálogos e interferimo-nos de forma mútua. Nós temos poder de fazer com que tudo benéfico possa se desenvolver, ainda que esse benefício sejam alguns minutos de contemplação.

3 dias depois, passando pelo mesmo local, percebi que alguém achou que o girassol não pertencia àquele lugar. Essa pessoa se deu o poder de arrancar a flor do caule e fazer o que bem quiser. O poder de decidir sobre algo que se desenvolveu naquele lugar, e que outras pessoas com poder tinham decidido que o girassol estava bem ali. Conflito de interesses entre pessoas com poder de decisão, e de ação, e de destruição. Essa pessoa se apropriou de algo público, disponível de forma gratuita e acessível, para fornecer um destino privado à planta. Ou talvez um destino fúnebre, não sabemos.

Me detive para clicar outra foto com meu telefone. A contemplação de algo negativo me chamou atenção. Nós temos poder de interferir no que nos interfere, no que nos chama atenção no trajeto. A qualquer momento alguém pode decidir o que pertence e o que não pertence a algum lugar. Não consigo refletir sobre esse acontecimento sem associar à práticas racistas, sexistas, homofóbicas (ou lgbtqiap+fóbicas), classistas… São relações de poder de gente que decide sobre pertencimento. E quem não pertence àqueles locais serão excluídos, violentados, explorados, segregados, mortos. Comunidades estão em risco iminente.

A quem o poder pertence?

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1 ano

Toda vez que eu leio sobre óbitos causados por câncer eu lembro do meu pai. Talvez tenha sido a temática que mais me abalou desde seu falecimento. Vários outros temas me lembram do meu pai. Alguns me lembram de fatos muito específicos da vida dele, outros me remetem única e exclusivamente minha relação com ele depois de descobrir o tumor. É impressionante como as memórias chegam trazendo lágrimas, emoções e uma dor que ainda será difícil de lidar.
Assistindo o seriado Modern Family, eu chorei muito com a falecimento do pai do personagem Phil. Era uma comédia, e comédias deveriam ser feitas para rir. Mas talvez personagens cativantes tragam esse misto de risos e lágrimas por nos deixar mais próximos à ideia da morte. Dizem que é a única certeza que temos durante nossas vidas. E a morte também pode ser compreendida de uma forma leve.
Lendo O Sol Mais Brilhante, de Adrienne Benson, não pude conter as lágrimas com a personagem que narra, a partir de seus olhos infantis, o processo de câncer de sua mãe. Como surge, como debilita, como cria hábitos comuns nos pacientes terminais. Eu via meu pai em cada linha. Não a vida toda dele, mas os seus últimos 3 meses de vida. As semelhanças narradas eram impressionantes, com a diferença que a personagem narra sobre memórias da infância, e eu presenciei tudo como adulto.
Lendo sobre o poeta Limonov, na passagem em que ele mora e trabalha em uma mansão em Nova York, me deparo com sua fala sobre uma criança com leucemia, em que o câncer, talvez, seja a única coisa que faz com que sua classe social não sirva de nada. No livro é uma criança bilionária que passa por esse processo, na minha realidade penso que meu pai teve o mesmo tipo de câncer que causou a morte de Steve Jobs, Aretha Franklin, Pavarotti, Patrick Swayze, Raul Cortez… personalidades que são ícones e referências em diversas áreas (tecnologia, música, cinema…). Meu pai, um ícone e referência para mim, partiu da mesma forma.
No seriado After Life, do brilhante Ricky Gervais, acompanho a vida do Tony após o falecimento da esposa, também paciente oncológica. Nesta série entram várias reflexões sobre como adaptar a vida, as lembranças geradas, como as pessoas lidam com suas perdas, com suas frustrações e como nos relacionamos com outras pessoas. A série é interessante porque mostra um personagem que simplesmente desiste de viver, nada mais importa, e nenhum problema será pior que a sua perda. E talvez a terceira, e provavelmente última, temporada me fez compreender que esse sentimento horrível de perda vai passar em algum momento.

Pai, o time que você torce ganhou 3 torneios em 2021. Foi uma euforia intensa, riscos de covid, estádios lotados, jogos bem jogados, goleadas, etc. Algo que você gostaria de ter visto. A família também se reuniu bastante, em diversas ocasiões. Falamos de você, lembrando sua história, seus momentos. Seu primo até chegou a falar que teve uma visão de uma caixa de medalhas guardadas dentro de uma gaveta. Ele é espírita e diz ter umas visões, mas de fato as suas medalhas de natação estavam em uma caixa dentro de uma gaveta. Nós realizamos seu desejo de ser cremado, foi um funeral bem cheio há 1 ano atrás, nunca vi tanta gente indo prestar uma última homenagem para você. Fiquei sabendo até que a Federação Mineira de Natação publicou uma nota sobre seu falecimento. As suas cinzas foram despejadas em um rio, lugar em que você sempre gostou de estar para se divertir, para competir, para passar o tempo. Cada um de nós, filhos, esposa, primos e tios despejamos um pouco, foi um dia bem triste e bem alegre, e muito importante para fechar esse ciclo. Nosso amigo Biel nos ajudou com os trâmites burocráticos de inventário e essas coisas, ele adiantou muito nossas vidas nesse sentido. Você chegou a vir pouco aqui em casa, ela está bem arrumadinha agora, e acho que você iria gostar de ficar aqui também, tomando cerveja, vendo o movimento da rua, batendo papo. Eu não consigo ter noção do tanto de sacrifícios que você fez para nos visitar aqui, era penoso, mas sou muito grato por isso, de verdade. No final do ano passado eu voltei a dar aulas e a tentar produzir alguma coisa. Você sempre me apoiou nessas doideras que eu fazia, e acho até curioso o quanto você gostava de adquirir minhas produções. Depois de tanto tempo em luto, conseguir voltar a produzir talvez seja uma notícia também relevante para colocar aqui.

Enfim, não consigo descrever o quanto de saudades eu sinto do meu pai. Entre altos e baixos emocionais, a vida vai seguindo seu curso. Toda hora algo me lembra dele, ora com momentos felizes, ora com situações mais tristes e tensas. Mas talvez seja a ausência o que mais marca, o que mais traz lágrimas. Agora são esses fragmentos de memórias dos momentos que passamos juntos nesses 33,5 anos de convivência. Sou feliz por aproveitar cada segundo em que estivemos juntos, e ainda pesa um pouco as vezes em que não estivemos juntos, ou que não soubemos lidar com nossas questões de uma maneira mais adulta. E agora é tarde demais para discutir sobre nossa relação, mas ainda é tempo para refletir sobre tudo que pudemos e que ainda podemos passar juntos, pela história e pela memória. Só queria finalizar dizendo que te amo, sou extremamente grato por tudo. E ainda que esse post fique confuso, não me importo. Só precisava escrever um pouco mesmo.

Sobre a relação da educação com o punk rock – parte 3

Mais de um ano se passou desde que escrevi a parte 2 desta série de análises e reflexões. Fico muito feliz por ter relido minhas publicações anteriores e ter encontrado uma série de falhas, coisas que eu não escreveria hoje. A cada dia aprendemos mais, movimentamos as ideias e alteramos uma série de pensamentos. Viver é se locomover, ainda que seja somente com ideias. Saber reconhecer o quanto evoluímos nesse tempo é, de certa forma, libertador.

Meus estudos sobre educação seguem ativos, e meu interesse está cada vez maior. Ainda sigo com uma certa aversão em relação à instituição escola, e minhas críticas ao sistema escolar engessado se multiplicam a cada dia. Será mesmo tão difícil exercer um processo de aprendizado que forme sujeitos livres? A cada dia escuto mais e mais músicas que dialogam com a educação de alguma forma, e raramente escuto coisas positivas sobre os processos. Fico apenas refletindo sobre nosso crescimento, o contato com novas ideias e as críticas que fazemos à nossa formação. Hoje somos seres pensantes, sujeitos críticos, marginais, porque extrapolamos nossas relações para além da escola. Isso nos traz novas ideias, novos diálogos, novas possibilidades de atuação.

“No brain, no gain
Progressão continuada
Aprendizagem massacrada
Desequilíbrio da informação
Aniquilar a educação
Progressão continuada
O estado reduz os custos
Descasos nas escolas
Para formar adultos burros”

No Brain, No Gain – Discarga

Durante nossa formação somos completamente dependentes das instituições formais de ensino. Nossos pais decidem para onde iremos, e isso faz até sentido, porque somos crianças e fomos privados de tomadas de decisões desde sempre. Quando crianças nós apenas executamos as tarefas que nos são dadas. Assim nos acostumamos durante nossa formação, recebemos ordens, as executamos. A diferença em relação à vida adulta, é que as tarefas que executamos nos fornecem verbas para pagar contas e consumir. Mas a apatia segue igual. Nos resta ser só mais uma parte de um sistema explorador.

Provido de um conhecimento 
Que serve apenas como um mero instrumento 
Somos simples engrenagens 
Movendo uma monstruosa máquina 
Desde o início somos vítimas 
De um sistema educativo que anula criatividade 
Castra desejos, encerra a curiosidade pelo auto-sustento 
A sobrevivência nos limita 
A uma erudição falha e carente 
Que estimula a competição e a obediência 
Formando indivíduos controlados 
De gestos repetitivos que garantem grandes produções 
O empreguismo é o prêmio e a ignorância um castigo 
Rudemente ler e escrever ou até mesmo nem isso 
Estrutura cultural zero 
Porque empecilhos do poder afogam nosso potencial 
Escolas Livres 
Educação de verdade

Educação Zero – Abuso Sonoro

E pensando nessa busca constante por conhecimento, me pergunto onde foi que isso parou de ser um objetivo pelas pessoas. Não acredito que a instituição escola tenha causado isso sozinha. Cada um coloca, `a sua maneira, o que seria o ato de educar, ou qual tipo de educação é importante. Entram dogmas religiosos, dogmas políticos, regras morais, e no final os jovens parecem não querer saber sobre a educação. Combatem o menosprezo pelos dogmas e opressões com uma rebeldia superficial anti-sistêmica, sem indicar que sistema é esse, sem aprofundar nas questões sociais causadoras dessas opressões. Descrevem a ação estudo como algo ruim, como se não precisássemos estudar para fazer qualquer atividade cotidiana, como usar um celular ou praticar esportes. Mesmo ações hoje automáticas exigiram estudos outrora. Talvez os conceitos de estudos, de escola, de educação já tragam conotações opressoras, e isso afasta mais ainda as pessoas da busca por conhecimento. E sem interesse não há ação, não há teoria, não há reflexão, não há diálogos. Nada funciona.

Nova Loja Virtual

Passei muito tempo insatisfeito com o hospedeiro da minha loja virtual. E depois de muita pesquisa para compreender uma loja que se adequasse mais ao meu perfil, eu finalmente achei.

Lhes apresento a nova loja, com mais opções de pagamento e de entrega, mais funcional e melhor para administrar. Ainda estou subindo os produtos, mas aos poucos ela vai se tornando mais completa. Espero que curtam.

Acessem https://la-idea.lojaintegrada.com.br/ ou cliquem no Menu Loja.

Todo conhecimento pertence a uma rede

Esse título ficou estranho, mas eu realmente não sei como resumir meus próximos parágrafos em uma manchete. Eu só gostaria mesmo de tentar escrever, um pouco, sobre como as áreas do conhecimento nunca devem ser analisadas de forma isolada. Meu pavor da “instituição escola” vem justamente dessa separação em relação às temáticas que são trabalhadas, a forma como são colocadas em caixinhas de conhecimento, como se tudo fosse fragmentado e fosse dever exclusivo dx alunx reunir e associar tudo isso a fim de criar algum sentido lógico.

Já faz algum tempo que eu estou estudando e me aprofundando mais em algum tipo de educação que busque autonomia dxs sujeitxs, e xs autorxs anarquistas e libertárixs são xs que tem iluminado melhor meu caminho nesse sentido. Elxs entendem o processo educacional através de atividades, práticas e teóricas, sempre coletivas, associando as diversas áreas de conhecimento através de vários pontos de vista, de experimentações, de pesquisas, de diálogos. Pensando assim, uma pessoa que gostaria de cortar uma tora de madeira, fazer lenha e colocar em um fogão para fazer a comida, estará estudando biologia, química, matemática, física, artes, engenharia, educação física, história, geografia, etc. Isso tudo em uma simples ação de colher e cortar madeira. Eu sei que esse exemplo é bem superficial (e estou aberto a discussões), mas ele demonstra um pouco onde quero chegar com as minhas pesquisas.

Acho que esse tipo de ensino traz uma capacidade de associação muito interessante, e me dá até uma frustração em saber que o mais próximo dessa realidade seriam as escolas construtivistas, tão elitistas e inacessíveis. Imagina o tipo de conhecimento que poderia circular se essas práticas e metodologias de ensino fossem em outros ambientes, mais populares?

A minha ideia, então, é contar três curtos casos que aconteceram recentemente, que são desdobramentos de uma mesma coincidência e que me fizeram conhecer um pouco mais da história do próprio estado onde vivo, Minas Gerais.

SITUAÇÃO 1 = Na porta da oficina de bikes. Outro dia eu estava na porta da Canuto Cycles, trocando ideia sobre bikes e aguardando um serviço que estava sendo feito na minha bicicleta. Em algum momento, outro ciclista chegou por lá, e enquanto ele aguardava nós começamos a trocar ideia. Ele disse que morou em Lisboa por um tempo, e contava algumas histórias de lá. Ele citou um caso de que a pessoa com quem ele dividia a casa com ele quase incendiou o imóvel em duas oportunidades. Ele usava drogas injetáveis, e no momento em que desmaiava e adormecia fora de si, todo o aparato usado para preparar a substância seguia aceso, inclusive o fogo. As chamas cresciam muito e o risco de incêndio era real. Seguindo neste mesmo tema, ele disse que em Lisboa tem muitos imóveis que são feitos de madeira, pois depois do terremoto e tsunami de 1755, as casas começaram a ser construídas ou reformadas com estrutura de madeira, uma política do Marquês de Pombal, e era exatamente isso que ajudava a aumentar os focos de incêndio causados por moradores na Lisboa contemporânea. Olha que loucura.

SITUAÇÃO 2 = Ouvindo PodCast. Certo dia eu estava escutando um podcast enquanto lavava vasilhas, e dei play no episódio do Fronteiras Invisíveis do Futebol em que os locutores falavam sobre Minas Gerais. Esse podcast é interessante, une história e esporte, trazendo os aspectos sociais, políticos e culturais na história de algum lugar, seja estado, país, região. Em determinado momento, e claro que não poderia faltar, a Inconfidência Mineira vem à tona. E por mais que eu tenha estudado sobre essa temática na escola, eu nunca tinha associado esse episódio desta forma. De acordo com meu conhecimento prévio, a revolta se iniciou por causa da insatisfação com a tributação da Coroa Portuguesa em relação ao ouro na cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto). E meu conhecimento sobre a motivação terminava aí. Sim, sou um péssimo mineiro. De acordo com a pesquisa dos locutores do Podcast, o aumento da tributação que ocasionou essa revolta foi justamente devido aos altos gastos da Coroa Portuguesa com a reconstrução de Lisboa após a destruição causada pelo terremoto e tsunami. A Coroa queria mais ouro para poder financiar a reconstrução, e a fonte de recursos estava justamente na exploração da Colônia.

SITUAÇÃO 3 = Escutando músicas. Um dia desses eu estava reorganizando minhas mp3, renovando a playlist que está no celular, e decidi colocar vários discos que eu escutava há 15, 16 anos atrás. Tem uma banda em específico, oriunda da Venezuela, chamada Los Dolares, que eu conheci através de um amigo que passou sua infância naquele país. Lembro de escutar muito no início dos anos 2000, talvez 2003 ou 2004, porque era um som anarcopunk que soava muito bom para mim. Acho que na época eu devia ser muito novo (e também não entendia muito bem o idioma espanhol/castelhano) e as letras não eram assim uma coisa tããão importantes e sensacionais. Hoje eu tenho muito mais maturidade e conhecimento para escutar as coisas e compreender do que estão dizendo as letras, seja em português, espanhol ou inglês. Talvez seja até por isso que tenho voltado a escutar vários sons que eu escutava quando jovem (afinal, tem pouca coisa boa surgindo na cena punk, e estou cansada destas bandas novas, de ideias políticas isentonas, que só faz as coisas pra chocar o mundo virtual). Enfim, enquanto escutava Los Dolares, uma música começou a tocar. Se chamava “La fiebre del oro”, e possui boa parte dela uma narrativa calma sobre como a história acaba sendo uma arma dos poderosos para vangloriar e registrar seus feitos, ignorando e esquecendo das lutas dos de baixo. Os colonizadores chegaram nestas terras, exploraram tudo o que tinham direito, promoveram verdadeiros massacres, e a história que escutamos e aprendemos é a que os vitoriosos e poderosos nos contam. A letra desta música cita Ouro Preto, em Minas Gerais, como um exemplo disso. Toda riqueza foi explorada e saqueada para manter os padrões de luxo da Coroa Portuguesa, e ainda assim e história que escutamos é a versão dos poderosos. E digo isso incluindo as próprias vozes dessa revolta da Inconfidência Mineira, um movimento de caráter elitista, onde um sujeito foi morto como bode expiatório, onde criou-se falsos heróis, e a elite participante simplesmente o largou lá. Onde estava o povo? Quem essa elite explorava? A quem pertencia as riquezas da terra? Há outros olhares e reflexões sobre o episódio que não tenha sido escrito pelos de cima?

Eu coloquei essas três situações pra conversar um pouco sobre os diálogos que são criados a partir de diferentes mídias. Aqui, os diferentes sujeitos trazem cargas de conhecimentos e de experiências que podem não ter ligação nenhuma aparente, mas que me fizeram criar uma rede de conhecimentos que envolvem vários aspectos históricos, sociais e culturais. E é mais ou menos isso que me interessa nas minhas pesquisas sobre educação. As vivências e experiências fazem todo sentido quando são compartilhadas, quando geram diálogos. Parece bobo trazer essas situações e forçar um tipo de estudo em cima disso, mas é justamente sobre isso que se trata um processo educacional que seja mais inclusivo. Ele é coletivo, transpassa as barreiras de um simples encontro, é um processo contínuo de associações que acontecem em todas as nossas atividades. TODAS.

Por isso que me dá um certo desespero saber como foram as aulas que eu recebi durante a minha formação e como são as aulas que eu acompanhei durante meus estágios. As duas foram horríveis, fragmentadas, completamente sem sentido. As disciplinas, encaixotadas, não conversam entre si. Me lembro de um episódio enquanto fazia o estágio obrigatório, e dei uma aula sobre processos de impressão manual, mais especificamente a serigrafia e os recursos gráficos que enganam nossos olhar. A ideia era simples, utilizando um sistema CMYK (o mesmo que usa sua impressora a cores), ou seja, com apenas 4 cores (ciano, magenta, amarelo e preto), nós conseguimos reproduzir uma gama de milhões de cores, que enganam nossos olhos e nos fazem enxergar imagens fotográficas em um cartaz ou capa de livro, por exemplo. Essas cores, quando próximas ou sobrepostas umas às outras, criam tonalidades que só existem no nosso cérebro, não existem na impressão. A aula foi ótima, xs alunxs se mostraram interessados, fizeram perguntas, e me parece que correu tudo bem. Na semana seguinte, fiquei sabendo que o professor de física daquela mesma turma, começou um conflito com a professora de artes, justificando que “ela estava atropelando a matéria dele, porque COR é assunto de física, não de artes”. Eu achei isso um absurdo, pois na minha cabeça COR é assunto de várias áreas do conhecimento, cada uma tem seu modo de analisar as cores, em diferentes aspectos. Teoria da cor se encaixa em uma área mais voltada para as artes, a formação das cores, ótica e luz se encaixam na área de física. E as dezenas de tons de branco que os esquimós enxergam? E os diferentes verdes da flora e da botânica? E a nomenclatura das cores em cada região? E a diferenciação entre frutos “verdes” e frutos maduros? Isso tudo seria trabalhado exclusivamente na física? É isso que não faz sentido nesse tipo de saber que é “transmitido” e “absorvido” na escola. Ele é fragmentado e impede que a gente consiga associar as coisas, nos atrapalha a construir um conhecimento mais amplo. Ele nos limita.

Pintura aguada a partir de foto

Acrílica sobre painel – 30x40cm – 2015

Outro dia, organizando meus arquivos aqui, me deparei com essa pintura que fiz em 2015. Ela foi vendida em um leilão na garagem do prédio dos meus pais e me ajudou a ter recursos para bancar meu intercâmbio para a Argentina em 2016.

Fiquei pensando no tempo em que a pintei, quais ideias eu tive, porque o formato, porque as cores, porque a imagem. Me lembro que eu andava querendo explorar essas técnicas mais aguadas, sobretudo depois que eu já tinha experimentado as aguadas nas experimentações litográficas. Antes disso eu era um pouco resistente à mistura de solventes, à sobreposição de transparências e à composições mais demoradas. Eu fazia tudo muito chapado, cores puras e vibrantes, talvez até por causa do daltonismo e do receio de que a mistura entre tintas e solventes poderia interferir negativamente no resultado.

Natália, minha companheira de longa data e uma das minhas principais apoiadoras, me convenceu a arriscar mais, deixar o receio colorimétrico de lado, e ser mais espontâneo. Logo ela, que é adepta do realismo figurativo, me dizendo para ser mais ousado enquanto produzo. Talvez tenha sido nesse ponto da minha vida em que comecei a me importar mais com o processo que com o resultado. Isso é bom, mas não é todo mundo que gosta desse estilo. Me ajuda no autoral, me prejudica na prestação de serviços.

Enfim, começamos a pesquisar referências de imagens que poderiam ser produzidas a partir de aguadas em painel montado. Isso era uma novidade para mim e eu ainda não tinha muita noção de quais seriam os resultados. Usamos como referência a capa do livro do J.R. Duran, fotógrafo famoso, chique, glamouroso. O livro era o “Cadernos Etíopes”. A foto de capa, completamente em gradações de preto e cinza, me despertaram para alguns desafios que eu topei participar. Pensar nas proporções das figuras, relacionar os tons de cinza às cores, planejar os diferentes tons de tinta acrílica, esperar as poças secarem. Eram exercícios de paciência, concentração e planejamento que eu nunca tinha feito antes em pinturas, mas que já exercia nas técnicas de gravuras. Me lembro de lidar com algumas dificuldades em relação à quais tubos de tinta usar para as diluições, pois a tinta que costumeiramente se chama “pele”, é sempre um tom claro demais, europeu demais. Eu ficava incomodado em usar terra queimada e sombra queimada para representar as peles negras e pretas. São nomenclaturas que me soam estranhas e pejorativas. Essas tintas foram misturadas em diferentes proporções com amarelo ocre, marrom van dyck, preto e bastante água.

O resultado foi esse. Optei por não fazer o fundo, manter apenas as figuras. Assim, a atenção toda fico no primeiro plano, sem interferências.

Festival NUH!

O Festival NUH! começou na segunda feira. Está com uma programação cabulosa voltada para as artes gráficas, publicações e impressões. Hoje a noite tem uma mesa muito sobre técnicas analógicas de impressão, onde eu estarei trocando uma ideia com Luiza Gasparini, Luis Matuto e Leandro Mello sobre os processos de produção, perrengues, técnicas, histórias e como seguir com saúde mental, rs. Colá lá no Twitch, o endereço está no flyer!!!