O Livro dos Vivos me chamou atenção pelo nome. Me ofereceu um contraponto instantâneo ao Livro dos Mortos, e eu queria entender o que há nesse livro que possa celebrar a vida como celebramos a morte. Namoro este livro já há algum tempo, desde que vi um exemplar em uma promoção no site da Editora Impressões de Minas, mas não tinha recursos para comprar na e´poca. Hoje escrevo isso e parece bobo, mas quando se está desempregado, comprar livros talvez não seja uma necessidade. Consegui comprar o livro nas mãos do próprio Binho Barreto durante a Feira Urucum. Ele estava expondo seus materiais ao lado da minha banquinha, e foi a chance que tive de trocar uma breve ideia com ele sobre a impressão que o livro dele poderia me fornecer. Desde o falecimento do meu pai, em 2021, que as reflexões sobre vida e morte vagam na minha cabeça. Refletir sobre esses processos me traz uma dor boa, dessas de me sentir vivo e saudosista, de rememorar situações em cada lágrima que escorre. Mas, principalmente, me traz uma vontade de vivenciar coisas diferentes, de correr atrás de sonhos e desejos, de não cair na apatia da sociedade consumista e sem sentido que o kapitalismo impôs.
Não faz nem uma semana que adquiri o exemplar, e agora já tentarei escrever sobre essa obra devorada em poucas horas. É uma escrita tranquila, fluida, em que a todo tempo nos questionamos sobre a veracidade das cenas descritas com uma quantidade de detalhes impressionante. É como se durante a leitura você se colocasse no lugar do autor, e observasse com seus próprios olhos cada elemento da cena que foi narrada. A narrativa tem um cuidado enorme com a memória. Sabemos que a memória nos prega peças, e é bem possível que tudo que Binho Barreto experimentou através de seus olhos não seja exatamente assim. Mas são muitos detalhes que ficaram marcados na pressa cotidiana e que são descritos como um observador nato.
São cenas do cotidiano, efêmeras, captadas somente por quem está atento à tudo que acontece ao seu redor. São segundos que te fazem esquecer do mundo para se concentrar somente nesta cena curiosa. De memória ou in loco cada capítulo traz pessoas vivendo, sendo afetadas por uma situação, por uma discussão, por uma vontade, por um problema, por uma curiosidade. São pessoas que se afetam e são afetadas por diferentes estímulos, e tudo isso é registrado por quem está presente. Lendo estas páginas me senti em um espaço-tempo onde só a observação da cena me importava. Fiquei preso na imaginação, e retornei ao fluxo de leitura.
Belo Horizonte é uma cidade jovem, que se desenvolveu com uma mistura de referências artísticas e arquitetônicas, uma atropelando a outra, que criou avenidas como se fossem muros, que vivencia suas contradições desde sua gênese. Binho parece transitar por estes espaços para descrever o que há de interessante nessas passagens, nesta história que é escrita a cada dia, longe dos holofotes da grande mídia ou do turismo. Cenas comuns, banais e efêmeras (utilizando as palavras da Elza Silveira no posfácio do livro) se tornam situações carregadas de significados, sobretudo pra quem, assim como eu, é de BH, e que todo dia tenta entender qual é a proposta desta cidade fincada no alto das serras entre ecossistemas distintos.
Nós que nos interessamos pela lógica das cidades, das vivências e das relações, percebemos as cenas, mas a correria nos impede de registrar esses momentos. Este livro talvez seja um convite à aguçar a percepção, a exercitar o registro, a viver. Parece cliché falar desta forma, mas a morte é a única certeza que temos. Iremos chegar lá algum dia. Até lá, nós viveremos.













